Diplomata da Rússia, Vassily Nebenzia, se dirige à Assembleia Geral da ONU | Foto: AFP

A resolução da Assembleia Geral da ONU não aproximará o mundo do fim do conflito na Ucrânia, advertiu Vassily Nebenzia, enviado permanente de Moscou à organização, após a votação na quinta-feira (23), véspera do início, há um ano, da operação militar especial russa para proteger a população russófona ameaçada de iminente limpeza étnica pelo regime instaurado por golpe em 2014 e para desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia e impedir que fosse anexada pela Otan.

“[A resolução] significa a continuação de sua linha russofóbica militarista enquanto usa o chamado apoio dos membros da ONU como cobertura”, sublinhara em seu discurso Nebenzia, para quem seu objetivo era “encorajar as ações do Ocidente” e servir de pretexto para alegar que a Rússia está supostamente “isolada”.

Não-vinculativa, a resolução, aprovada após, como dizia Obama, algumas “torções de braço” e outros expedientes, pede que a Rússia “retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas”. Também condena Moscou por “agressão” contra o estado vizinho.

O documento foi apoiado por 141 países, enquanto sete, incluindo a Rússia, votaram contra. Um total de 32 membros da ONU, incluindo China, Índia, África do Sul, Vietnã, Etiópia, Irã e Paquistão, se abstiveram. Aqueles que votaram contra ou se abstiveram representam quase metade da população mundial.

Antes da votação, Nebenzia já a havia assinalado “prejudicial” às perspectivas de encerrar o conflito. “Podemos dizer com certeza: a resolução apresentada certamente não ajudará”, afirmou. A Assembleia Geral rejeitou uma emenda proposta pela Bielo-Rússia que exortava os países a “abster-se de enviar armas para a zona do conflito” e pedia “o início das negociações de paz”.

OITO ANOS DE GUERRA

Falando perante a Assembleia Geral, Nebenzia reiterou que a Rússia lançou sua ofensiva “para encerrar a guerra de oito anos travada pelas autoridades de Kiev contra o povo de Donetsk e Lugansk”. Conflito em que morreram mais de 14 mil pessoas, e para o qual a Rússia buscou uma saída negociada, através dos acordos de Minsk, que assegurariam ao Donbass, historicamente terra russa, autonomia e direito a usar sua língua natal.

Para saber recentemente, da boca dos signatários garantidores, a ex-primeira-ministra alemã Merkel e o ex-presidente francês Hollande, que era só uma encenação, para dar tempo a Kiev se rearmar. Mas o regime de Kiev alega que é uma “guerra não provocada”.

Diante de ameaça de iminente operação de limpeza étnica no Donbass, com os bombardeios contra as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk tendo se multiplicado em uma semana, a Rússia passou a reconhecê-las, depois de oito anos de acordos não cumpridos de Minsk e, exercendo o direito de autodefesa previsto no artigo 51 da Carta da ONU, agiu para evitar a repetição da expulsão, sob uma ofensiva croata supervisionada pela Otan na década de 1990, de centenas de milhares de sérvios da Krajina, durante a guerra para esquartejar a Iugoslávia.

Antes, a Rússia se dirigira aos EUA e a Otan, pedindo a restauração do princípio da segurança coletiva e indivisível, com o retorno de tropas e sistemas de armas ofensivas à linha existente em 1997, quando foi assinado o Ato Fundador Rússia-Otan. Ou seja, parando o avanço da Otan até às portas da Rússia, em violação dos compromissos assumidos quando da reunificação alemão. Em 2008, cinco após invadir o Iraque usando mentiras, W. Bush anunciou seu plano de anexar a Ucrânia à Otan, desfazendo sua neutralidade.

REGIME DE KIEV IMPOSTO POR GOLPE

Para tornar a situação mais complexa, o atual regime em Kiev foi imposto via um golpe da CIA que usou como tropa de choque neonazistas, que derrubou o presidente legítimo, com direito à subsecretária de Estado Victoria Nuland nomear o novo fantoche, “Yats, que a UE se f**”, e à nomeação do filho, pelo então vice Biden, para uma sinecura como ‘diretor’ de uma empresa de gás ucraniana. Como mostrado também pela explosão do Nord Stream 2, Washington anda dispensando as sutilezas.

Registre-se ainda que o novo regime patrocinado pela CIA logo se assumiu como “herdeiro” dos colaboracionistas da invasão hitlerista, o principal deles, Bandera, e notórios chacinadores de poloneses, judeus e soviéticos, em nome da ‘pureza racial ucraniana’. O ‘novo regime’ proclamou como metas a ‘descomunização’ e a ‘desrussificação’ e lançou as hordas neonazistas contra os antifascistas, provocando o levante no Donbass e o plebiscito que reunificou a Crimeia à Rússia.

As duas repúblicas, Donetsk e Lugansk,, juntamente com outras duas ex-regiões ucranianas, acabaram se juntando à Rússia em setembro passado após a realização de referendos.

MOSCOU APRECIA CONTRIBUIÇÃO DA CHINA

Em paralelo, a chancelaria russa manifestou-se positivamente sobre o documento chinês dos “12 pontos” para uma negociação de paz na Ucrânia. “Moscou aprecia muito o desejo sincero dos amigos chineses de contribuir para a solução do conflito na Ucrânia por meios pacíficos”, disse o comunicado.

“Compartilhamos as opiniões de Pequim. Estamos comprometidos com os princípios de observar a Carta da ONU, as normas do direito internacional, incluindo o direito humanitário, a indivisibilidade da segurança, segundo a qual a segurança de um país não deve ser fortalecida às custas do segurança de outro, o que também se aplica à segurança de certos grupos de países”, diz o comunicado.

Conforme o comunicado, a Rússia apoia a posição da China e considera ilegais quaisquer medidas restritivas [sanções] não autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU. “Este é um instrumento grosseiro de concorrência desleal e guerra econômica”, enfatizou o MRE russo.

O comunicado reiterou a abertura de Moscou para atingir todos os objetivos da operação especial por meio da diplomacia. Ao mesmo tempo, é indicado que os países ocidentais devem parar de fornecer armas e enviar mercenários para a Ucrânia.

Além disso, as autoridades de Kiev devem concordar em retornar ao status de não bloco [neutro] do país e reconhecer as novas realidades territoriais. Estabelecidas como resultado da realização do direito dos povos à autodeterminação, desmilitarização e desnazificação da Ucrânia, bem como a eliminação de todas as ameaças que emanam de seu território.

Cidadãos da Ucrânia, incluindo a população de língua russa e representantes de minorias nacionais, devem ter garantidos todos os direitos inalienáveis, incluindo o direito de falar e estudar em sua língua nativa, diz o comunicado.

O Ministério das Relações Exteriores russo chamou a recusa documentada de Kiev em negociar o principal obstáculo a um acordo pacífico. Entre os “12 pontos” da China, estão os apelos ao fim das hostilidades, à retomada das negociações, ao abandono da mentalidade da Guerra Fria, à redução dos riscos estratégicos e ao respeito à soberania de todos os países.

A própria China expressou sua vontade de desempenhar um papel construtivo na resolução do conflito, salientando que a Ucrânia deve ser uma “ponte”, não um novo muro entre Ocidente e Oriente. Antes dos “12 pontos”, Pequim havia divulgado sucessivamente dois relatórios estratégicos, “A Hegemonia dos Estados Unidos e Seus Perigos” e o “Documento Conceitual da Iniciativa de Segurança Global”.

“EUA É O FOMENTADOR DE GUERRA Nº 1 DO MUNDO”

Provocado por um repórter ocidental, o porta-voz da diplomacia chinesa, Wang Webin, sumarizou parte desses documentos. “A relação China-Rússia é construída com base no não alinhamento, não confronto e não direcionamento a terceiros. É um fator propício à paz e à estabilidade mundial, o que não é motivo de preocupação. O que é verdadeiramente preocupante é o papel destrutivo EUA desempenhou para a paz e a estabilidade no mundo”.

“EUA é o fomentador de guerra nº 1 do mundo. EUA não esteve em guerra apenas por 16 anos ao longo de seus mais de 240 anos de história. EUA foi responsável por cerca de 80% de todos os conflitos armados pós-Segunda Guerra Mundial”.

“EUA também é o violador número 1 da soberania e interferem nos assuntos internos de outros países. Segundo relatos, desde o final da Segunda Guerra Mundial, tentou subverter mais de 50 governos estrangeiros, interferiu grosseiramente em eleições em pelo menos 30 países e tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros”.

“Também é a fonte número 1 de antagonismo e confrontação de blocos. A Otan liderada pelos Estados Unidos é responsável pelas guerras no Afeganistão, Iraque e Síria, que mataram mais de 900.000 pessoas e criaram 37 milhões de refugiados. Também tornou o continente da Eurásia um lugar menos estável. O impacto do Quad e AUKUS iniciados por EUA na segurança e estabilidade da Ásia-Pacífico também exige vigilância. Enquanto existir o hegemonismo e a beligerância dos Estados Unidos, dificilmente o resto do mundo terá a paz que merece”.

Fonte: Papiro