Foto: Ricardo Stuckert

Vem de décadas a má vontade da elite, sobretudo a financeira, com o ex-operário nordestino Luiz Inácio Lula da Silva. Misto de visão de classe com defesa de inconfessos interesses, esse sentimento tem se traduzido, em sua mais recente investida, no velho blá-blá-blá da grande mídia em defesa do “deus mercado” no embate de Lula com o Banco Central sobre taxa de juros e meta inflacionária. Porém, talvez para a supresa de parte dessa elite, o presidente da República está vencendo de lavada o debate. 

Lula ganha não apenas por dominar como poucos a arte da politica e da retórica popular. Ele sabe, como sabe o povo, o quanto os juros altos prejudicam o dia a dia das famílias da vida real, além de afetar o desenvolvimento. Para os encastelados da Faria Lima e afins, que mal conhecem a realidade brasileira, o debate gira em torno de teses que, no final, vocalizam, de maneira nem sempre explícita, o desejo do setor financeiro em ver seus lucros cada vez mais altos, favorecidos pela autonomia do Banco Central e pela atual política levada a cabo por seu presidente, Roberto Campos Neto. 

Os sinais que mostram o acerto de Lula ao tocar nesse tema vão desde a opinião dos brasileiros em geral, captada em pesquisa, até o posicionamento públicos de nomes de destaque no próprio mercado financeiro e no empresariado. 

Mesmo sem entender de teses econômicas e dos jargões financeiros, 76% dos brasileiros acreditam que Lula “está certo em tentar forçar a queda da taxa de juros”, conforme pesquisa da Genial/Quaest divulgada na terça-feira (14). Apenas 14% disseram discordar e 8% declararam não saber. Os dados mostram que a população sabe o quanto a política de juros altos interfere em seu consumo e seus planos, o que Lula tem traduzido de maneira clara em suas falas.  

No começo de fevereiro, em uma de suas declarações mais indignadas, feita durante a posse de Aloizio Mercadante à frente do BNDES, o presidente classificou como “uma vergonha” a atual taxa de juros e disse não haver “justificativa nenhuma” para estar em 13,75%. Descontada a inflação, o índice é o mais alto do mundo. 

Em entrevista à CNN nesta quinta-feira (16), Lula afirmou: “Se eu não posso conversar sobre a taxa de juros, se eu não posso influir para reduzir a taxa de juros, e se eu não posso conversar sobre emprego, então o que eu vou conversar?”. É justo. Afinal, a avaliar pelos discursos da mídia hegemônica e de parte do setor financeiro, Campos Neto parece ter mais legitimidade do que o próprio presidente da República para definir a política monetária. 

No entanto, como toda regra, aqui também há exceções. Nos veículos tradicionais da imprensa e em meio ao mercado, surgem vozes dissonantes que dão razão a Lula. 

“O que me incomoda, no que respeita à política, é a gritaria autoritária que tenta cassar a palavra do presidente da República, como se o BC fosse a sarça ardente, que não pode nem ser mirada, de onde emana a palavra revelada Daquele que Não Tem Nome. É incompatível com a democracia”, ironizou o colunista da Folha de S.Paulo, Reinaldo Azevedo. 

No jornal O Globo, o colunista Álvaro Gribel relatou a posição de pesos pesados do mercado financeiro, expressa durante evento do banco BTG Pactual nesta semana, quanto à meta para a inflação — que é de 3,25% para este ano e 3% para 2024 e 25. “Rogério Xavier, da SPX Capital, foi quem fez a defesa mais incisiva do aumento da meta. E foi seguido por Luis Stulhberger, do Fundo Verde, e André Jakurski, da JGP. Trata-se das três maiores gestoras do país, com mais de R$ 100 bilhões em ativos sob carteira”, escreveu Gribel. 

Segundo Xavier, continuou, “a redução das metas de inflação foi definida antes dos choques inflacionários da pandemia e da guerra da Ucrânia, que mudaram completamente o cenário. Por isso, diz, não faz sentido que o Banco Central pratique juros reais elevadíssimos para buscar uma meta de inflação de 3% no ano que vem”. Lula tem defendido que a meta passe a ser de 4,5%.

Ainda na coluna, o jornalista aponta que Jakurski opinou que “a meta está errada” e que os juros nos Brasil “são impressionantemente altos e o país não vai dar certo com esses juros”. 

Estado de S.Paulo, crítico de primeira hora de Lula e de seu governo antes mesmo de o terceiro mandato engrenar, noticiou, em coluna de Cristiane Barbieri, que em reunião ocorrida durante a semana entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “os empresários juntaram-se ao coro, com depoimentos sobre a situação que vivem: juros altos têm travado os negócios e inibido investimentos”. 

Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva afirmou, em reunião com a presença de Haddad, que os juros chegaram “a níveis absurdos com os quais é impossível fazer com que o Brasil cresça”.

O tema dos juros altos também foi alvo de carta assinada por economistas de renome como Luis Carlos Bresser-Pereira, Leda Paulani, Monica de Bolle, Luis Gonzaga de Mello Belluzzo, entre outros. “A taxa de juros no Brasil tem sido mantida exageradamente elevada pelo Banco Central e está hoje em níveis inaceitáveis”, ponderaram. 

Diante desse cenário, em que a insatisfação de setores destacados da economia reclamam dos juros e da meta de inflação em consonância com o que Lula vem dizendo, ficará para o BC o ônus de manter a situação atual que desagrada a “gregos e troianos” ou o bônus de mudar os índices e contribuir para destravar o desenvolvimento do país.