Foto: Luís Fortes/MEC

Após enfrentar anos de abandono e desmonte no âmbito federal, sobretudo no governo de Jair Bolsonaro (PL), e sofrer os fortes impactos da pandemia, a educação pública brasileira precisará de um plano de recuperação robusto, capaz de envolver todas as esferas governamentais, e responder com urgência aos desafios impostos por esse cenário.

O Censo Escolar 2022 — realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) — mostra que aumentou o número de matrículas na maioria das etapas de ensino, porém, trata-se de um retorno aos patamares pré-pandemia, o que indica que não houve evolução no quadro nos últimos anos. 

De acordo com o MEC, hoje o Brasil tem 47,4 milhões de estudantes, considerando toda a educação básica, em suas 178,3 mil escolas. De 2021 para 2022, o crescimento foi de 1,5%, ou 714 mil alunos a mais. No entanto, o país tem ao menos 1,04 milhão de crianças fora das salas de aula nos anos iniciais, finais e no ensino médio.

Durante a coletiva que divulgou o Censo, ocorrida na quarta-feira (8), o ministro da Educação, Camilo Santana, apontou, dentre os principais desafios do novo governo, reduzir essa defasagem. “Precisamos garantir que as crianças e os jovens frequentem as escolas. Esse é o nosso desafio”.

Neste sentido, o poder público deverá estimular as famílias de forma a aumentar as matrículas nas creches, já que o país está longe de cumprir a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de 50% até 2024. 

Uma das ferramentas para isso é condicionar o pagamento do Bolsa Família à matrícula das crianças na escola. “O Bolsa Família está voltando e volta com uma coisa importante, volta com condicionantes. Quais são? Primeiro, as crianças de até 6 anos de idade vão receber R$ 150 reais a mais. Segundo, as crianças têm que estar na escola. Se não estiverem na escola, a mãe perde o auxílio. Terceiro, as crianças têm que ser vacinadas. Se não tiverem atestado de vacina, a mãe perde o benefício”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em evento no Rio de Janeiro no dia 6. 

O ministro da Educação acrescentou ainda como principais desafios diminuir a distorção entre a idade e a série do estudante, principalmente os do 6º ano; ampliar a oferta de escolas em tempo integral nacionalmente; potencializar o acesso à conectividade – com qualidade e equipamentos para estudantes e professores; e elaborar uma estratégia de adequação da formação da equipe docente, com professores lecionando conforme a sua formação.

Para enfrentar o quadro atual, Santana quer, nos primeiros 100 dias de governo, entregar um plano de ações a serem implementadas nos próximos quatro anos. 

Sem avanços

Professor Gabriel Grabowski. Foto: Extra Classe

Na avaliação de Gabriel Grabowski, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor e pesquisador da Universidade Feevale (RS), “o censo 2022 revelou que só melhoramos alguns indicadores em relação a 2021 e 2020, que foram os piores anos da educação básica pública neste século, seja devido à pandemia, seja pela falta de coordenação do MEC e inoperância de alguns estados e municípios”. 

Ele acrescenta que “ao compararmos estes indicadores numa série histórica de dez anos, veremos que não tivemos avanços significativos. O monitoramento do PNE 2014-2024 indica um descumprimento de mais de 86% das Metas no Brasil. Estados e Municípios sequer monitoram suas metas. A própria PEC 59/2009, que determinou a universalização da educação entre quatro e 17 anos até 2016, não foi cumprida. Ou seja, apenas estamos recuperando o que regredimos em 2022 e 2021”. 

Ao analisar os dados, o professor ressalta que o Censo confirmou uma grave crise no ensino médio, que impacta no ensino superior. “Há 15 anos estamos estagnados e as matrículas retrocederam, neste período, – 15%. Enquanto isto, muitos jovens estão sem estudar e sem trabalhar. A média de escolaridade dos brasileiros não está se alterando de acordo com nosso crescimento demográfico. Ou seja, continuamos com escolaridade básica baixa e um acesso ao ensino superior elitizado, menos de 19% dos jovens na idade universitária”. 

Para lidar com esse complexo panorama, Grabowski ressalta que é preciso, entre outras medidas, garantir sejam aplicados os percentuais constitucionais dos entes federados para o Financiamento da Educação Básica e empregar corretamente os recursos do Fundeb. 

Além disso, destaca que é preciso “aumentar os investimentos previstos na Meta 20 do PNE, que retrocedemos e, revogar a PEC 95 do teto de gastos sociais”. O professor também defende que é preciso implementar o Sistema Nacional de Educação (SNE). “E o MEC deve retomar uma política republicana de agenda educacional construída com a sociedade, entidades educacionais e científicas, em regime de colaboração entre os entes”, acrescenta. Por fim, destaca a importância de se priorizar a educação “como política de Estado e valorizar os profissionais da educação, desde a educação infantil até a pós-graduação”. 

Ao analisar os caminhos para superar o quadro atual, o professor pontua: “são muitos os desafios, mas é preciso retomar a agenda educacional e as metas do PNE, revogar a reforma do novo ensino médio, repensar esta BNCC (Base Nacional Comum Curricular) implementada, que não representa a comunidade educacional, e ouvir mais os professores e estudantes que fazem a educação acontecer”.