Lula quer homologar 14 áreas indígenas até abril
Até a segunda semana de abril, 14 terras indígenas devem ser homologadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele também vai incluir em portaria declaratória, etapa anterior à homologação, 25 outras áreas. Ao fazer isto, logo no início de governo, o presidente sinaliza que quer deixar sua marca na defesa da floresta e dos povos originários do Brasil.
Segundo o indigenista Gustavo Guerreiro, ao criar o Ministério dos Povos Indígenas, Lula já mostrava que “não está para brincadeira, não”. Mas ele também acredita que o governo deve enfrentar uma dura oposição da bancada ruralista a estas medidas. O fato de ainda não constar nenhuma homologação no Mato Grosso do Sul, área em que a situação dos indígenas é tão dramática quanto a dos yanomamis, por exemplo, é um indicativo desta dificuldade, em sua opinião.
A reportagem, Guerreiro explica que a homologação é uma das etapas avançadas para que as populações indígenas possam ter a posse da área demarcada. Ela significa a declaração, mediante portaria, dos limites das terras indígenas, determinando sua demarcação. Depois da homologação, fase considerada final para que indígenas tenham assegurada a posse permanente, há prazo de 30 dias para registro da área em cartório.
“A homologação é importante, porque, a partir daí, os órgãos públicos, inclusive a Funai, passam a ter segurança jurídica para dar acesso aos indígenas a políticas de assistência, de desenvolvimento, monitoramento ambiental e territorial, e serve para combater ocupação, dificultar grilagem e disputas violentas”.
As primeiras áreas anunciadas estão dentro das possibilidades iniciais do governo. São processos que estão mais avançados. O governo destravou processos, alguns deles, engavetados há cerca de 20 anos, o que contradizia a Constituição Federal, que estipula prazo de cinco anos. Guerreiro diz que essas 14 terras já contam com declaração, o que impede que eventuais benfeitorias feitas por não-brancos sejam indenizadas. Os indenizados são apenas os que estavam no território, de boa-fé, antes da demarcação.
Treze das 14 áreas listadas já constavam do relatório feito pelo GT de Transição, ainda em 2022, somando-se um território em Goiás. Constam que as terras estão localizadas em 18 municípios das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul, somando 878,4 mil hectares. Por enquanto, as informações sobre o mapeamento das 25 novas áreas não estão sendo divulgadas para evitar mais contestações judiciais.
A Casa Civil ainda deve fazer acertos administrativos e jurídicos, já que foram encontradas contestações mal analisadas e pareceres da gestão do governo Jair Bolsonaro que precisam ser revistos.
Entrave ruralista
No pacote, a maior área é a terra indígena Uneixi, 551,9 mil hectares, localizada no município de Santa Isabel do Rio Negro (AM). O território acrescentado esta semana é o Avá-Canoeiro (GO), com extensão de 38,7 mil hectares. Da região Centro-Oeste há, ainda, a área de Cacique Fontoura, entre Luciara e São Félix (MT), com 32,3 mil hectares. Conforme destacou a própria imprensa sul-matogrossense, não consta nenhuma área prevista no Mato Grosso do Sul.
Nesse estado com forte presença indígena, a maioria dispostas em pequenas reservas, o processo de demarcação é mais difícil devido à pressão do agronegócio. Entre as prioridades no Estado, está a situação dos guarani-kaiowá, em alta vulnerabilidade, que além da insegurança alimentar e total ausência de direitos, também se espalham por áreas tradicionais sob disputa violenta e acampamentos de beira de estrada. “É uma situação deplorável. Parece cenário de guerra”, lamentou.
“Uma coisa é demarcar uma área de floresta, sob os olhares internacionais, outra é tentar fazer isso em fazendas dominadas por gente influente no Congresso Nacional, pela agroindústria, a Monsanto etc”, diz Guerreiro, que é pesquisador do Observatório das Nacionalidades da UECE (Universidade Estadual do Ceará). Guerreiro conta que atuou nesta região por quatro anos e considera uma das regiões mais complexas para as políticas indigenistas, desde a colonização branca, após a Guerra do Paraguai. Para ele, é preciso uma mudança profunda na correlação de forças do Congresso para haver avanços.
A disputa de terras fez de MS o campeão em assassinatos de indígenas no Brasil entre 2005 e 2019, segundo estudo do ISA (Instituto Socioambiental) com base em números do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Em 2021, MS ficou em segundo lugar no ranking de mortes violentas. Do total de 176 registros, 38 aconteceram no Estado.
Ano passado, uma delas, aconteceu no dia 24 de junho, quando equipes do Batalhão de Choque da Polícia Militar do estado entraram em confronto com índigenas que ocupavam a Fazenda Borda da Mata, em Amambai. Pelo menos nove indígenas e três policiais ficaram feridos. O guarani-kaiowá Vito Fernandes, foi morto a tiros pelos policiais.
(por Cezar Xavier)