Joe Biden, na Polônia, bota mais lenha na fogueira em vez de estimular o fim do conflito.

O presidente dos EUA, Joe Biden, reuniu aliados da OTAN na Polônia, proclamando apoio “inabalável” a Kiev, enquanto seu colega russo, Vladimir Putin, anuncia a suspensão do papel de Moscou em um tratado de armas nucleares com Washington.

Para muitos no Ocidente, a parte mais assustadora do discurso do presidente russo foi justamente a suspensão da participação de Moscou no importante tratado de armas nucleares.

Único pacto que regula os maiores arsenais nucleares do mundo nos Estados Unidos e na Rússia, o Novo Tratado START limitou o número de mísseis balísticos intercontinentais que Moscou e Washington podem ter.

Após o discurso de Putin, a França e o Reino Unido pediram ao Kremlin que reverta sua decisão de suspender a participação no tratado.

Zelensky

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, não comentou o discurso de Putin, mas criticou a Rússia pelo bombardeio de terça-feira na cidade de Kherson, no sul, que matou pelo menos seis e feriu dezenas.

“O mundo não tem o direito de esquecer nem por um minuto que a crueldade e a agressão da Rússia não conhecem fronteiras. O Estado terrorista será responsabilizado por todos os seus crimes desumanos contra nosso povo e a Ucrânia”, escreveu Zelenskyy no Twitter.

Deboche

Mas para observadores ucranianos, a ameaça de uma nova Guerra Fria não passa de um blefe destinado a disfarçar o desespero de Putin após os supostos fracassos militares da Rússia, o ostracismo internacional e as sanções econômicas impostas pelo Ocidente.

Para estes, é mais fácil culpar o que chama de “Ocidente coletivo”, do que admitir que a Ucrânia resistiu à agressão, revidou e recuperou áreas perdidas. Também apontam que o discurso à nação visa a preparar os russos para o prolongamento da guerra e suas consequências. O discurso teria sido uma longa homilia para não enfrentar a realidade. 

A tônica do discurso entre a inteligência ucraniana é debochar da Rússia e se colocar num papel de superioridade, conforme o apoio ocidental se avoluma. O assessor de Zelensky, Mykhailo Podolyak, faz troça do que considera “delírios nazistas e teorias da conspiração” de Putin no discurso. 

Realmente, a Rússia não encontra apoios declarados a sua empreitada, favorecendo o discurso ucraniano. No entanto, países europeus são claramente reticentes em enviar armamento pesado a Kiev, para não correrem o risco de se tornar alvo da Rússia.

Hoje, mesmo, ao lado de Zelensky, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse que Roma continuará apoiando a Ucrânia na resistência aos ataques russos, mas não tem planos de oferecer caças aéreos a Kiev. Em sua primeira viagem à Ucrânia desde a invasão, ela enfrenta a ambiguidade de sua coalizão de direita sobre o assunto.

No entanto, apesar do silêncio, uma parte grande do mundo neutro se recusa a entrar no conflito repreendendo Putin. Ninguém quer dar carta branca à hegemonia ocidental, sabendo que podem precisar do apoio russo, como fez Bashar El Assad, na Síria. 

Insatisfação de aliado 

Mesmo os ex-partidários leais a Putin lutando na Ucrânia o criticam por omitir as perdas reais que o exército russo tem sofrido e os erros de cálculo de seus generais.

“No exército tudo é lindo e só melhora. Nem uma palavra sobre perdas, má sorte, dificuldades”, escreveu Igor Girkin, ex-“ministro da Defesa” da separatista “República Popular de Donetsk” no Telegram.

“Nem uma palavra sobre os erros e a responsabilidade por eles de alguém dos salões do poder”, escreveu Girkin, que há meses vem criticando Putin e os generais da Rússia nas linhas de frente.

Biden na Polônia

Recém-saído de sua visita surpresa à Ucrânia, Biden aproveitou a viagem de terça-feira para angariar apoio para a Ucrânia enquanto a guerra entra em seu segundo ano, sem fim à vista.

“Há um ano, o mundo se preparava para a queda de Kiev”, disse Biden . “Posso relatar: Kiev está forte, Kiev está orgulhosa, está alta e, o mais importante, está livre.”

Biden falou depois de se encontrar com o aliado da OTAN e presidente polonês Andrzej Duda, um defensor vocal de um apoio ocidental mais forte a Kiev.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, alertou Moscou de que o apoio do Ocidente a Kiev em sua luta contra a invasão russa “não vacilará”, prometendo que o conflito na Ucrânia nunca será uma vitória para a Rússia.

Ele chamou a guerra de uma “tragédia” que foi uma escolha – não uma necessidade – do presidente russo, enfatizando que o conflito terminaria se a Rússia acabasse com a invasão de seu vizinho. Em vários momentos, o americano deixa de olhar para o espelho para acusar Putin.

“Não deve haver dúvidas: nosso apoio à Ucrânia não vacilará, a OTAN não será dividida e não cansaremos”, disse Biden a uma multidão de milhares na capital polonesa, em tom de ameaça que só dificulta ainda mais o diálogo.

“Ele pensou que conseguiria a finlandização da OTAN; em vez disso, ele obteve a OTANização da Finlândia e da Suécia”, disse Biden, referindo-se ao esforço dos dois países do norte da Europa para ingressar na aliança liderada pelos Estados Unidos.

Biden ainda ousou acusar a Rússia de cometer crimes contra a humanidade, sem observar que seus militares fizeram isso, reiteradamente nas últimas guerras, sob os olhares do mundo. “Ninguém pode desviar os olhos das atrocidades que a Rússia está cometendo contra o povo ucraniano. É abominável”, disse Biden.

Dirigindo-se à multidão antes de Biden, o presidente polonês Andrzej Duda elogiou a visita do presidente dos EUA a Kiev como um “gesto espetacular” de apoio à Ucrânia.

“Ele colocou o pé em solo ucraniano , onde a guerra está acontecendo. Ele demonstrou que o mundo livre e seus líderes não têm medo de nada”, disse sobre Biden.

“Ele mostrou que a Ucrânia não está sozinha, que é apoiada pelo estado mais poderoso do mundo e pelas forças armadas mais poderosas do mundo.”

Duda expressou confiança de que Kiev “vencerá” a guerra e que “a Rússia terá que deixar as terras ucranianas com vergonha”.

Mais sanções

Mais cedo, na terça-feira, os ministros das Relações Exteriores do Grupo dos Sete (G7) disseram que seus países continuariam a impor custos econômicos à Rússia e instaram a comunidade internacional em geral a rejeitar o que descreveram como o “expansionismo brutal” de Moscou.

“Vamos impor mais custos econômicos à Rússia e a indivíduos e entidades – dentro e fora da Rússia – que fornecem apoio político ou econômico a essas violações do direito internacional”, disseram os líderes em um comunicado conjunto.

As sanções têm sido entendidas como um mecanismo ineficaz para conter conflitos, especialmente, envolvendo uma potência como a Rússia. Países que sofrem sanções se rearranjam em benefício mútuo entre si. É o caso da China e de governos como o iraniano, assim como a Venezuela.

Em seu discurso, Putin deu recados à elite russa sobre a importância de investir internamente. O futuro da Rússia promete ser de ruptura com a globalização atual, e formação de uma nova hegemonia econômica, com países aliados. Os russos convivem com sanções econômicas ocidentais desde o período soviético, portanto, sempre se adequaram rapidamente às restrições econômicas. 

Cezar Xavier com informações da Aljazira.