Graças à Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), a ofensiva de parlamentares e governantes conservadores contra a linguagem neutra sofreu um importante revés. Em 10 de fevereiro, o STF acatou por unanimidade os argumentos de uma ação movida pela entidade e pôs o caso em novo patamar.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.019 lembrava que apenas a União tem competência legislativa para “editar normas gerais sobre diretrizes e bases da educação”. Assim, a peça pedia que o STF declarasse inconstitucional uma lei estadual de Rondônia que proíbe a linguagem neutra (“dialeto não binário”) em escolas públicas e privadas, bem como em editais de concursos públicos.

Segundo a Contee, além da falta de competência do estado, a medida “apresenta preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem democrática e com valores humanos”. Este também foi o entendimento do ministro Edson Fachin, que, em 17 de novembro de 2021, acatou o pedido da Contee e suspendeu a lei em decisão liminar. Fachin chamou a legislação de “nítida censura prévia, prática banida do ordenamento jurídico nacional”.

Para o ministro, a lei promulgada em Rondônia expressa preconceito linguístico e ataca a liberdade de expressão. “A pretexto de valorizar a norma culta, ela acaba por proibir uma forma de expressão”, criticou. “Proibir que a pessoa possa se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibida pelo Estado.”

A determinação de Fachin deixou também um recado para os críticos da linguagem neutra – que, invariavelmente, falam em “Escola sem Partido”, mas defendem uma escola de pensamento único e conservador. De acordo com o ministro, no ambiente escolar “devem prevalecer não apenas a igualdade plena – mas também a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.

Uma vez no plenário do STF, a Adin 7.019 teve outra vitória contundente. Todos os ministros seguiram o voto “no mérito” de Fachin, que citou a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996). Segundo ele, “os estados têm competência concorrente para legislar sobre educação, mas devem obedecer às normas gerais editadas pela União”. A AGU (Advocacia-Geral da União) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) também defenderam a inconstitucionalidade da lei de Rondônia.

Até mesmo o ministro Nunes Marques, indicado ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), surpreendeu pela clareza do voto. “Qualquer tentativa de impor mudanças ao idioma por meio de lei será ineficaz”, disse. “São inconstitucionais tanto as leis estaduais que proíbam o uso de determinada modalidade da língua portuguesa quanto as que as impõem.”

Na visão da Contee, o resultado do julgamento da ação será positivo para todas as escolas do País. “A decisão plena do STF deve atingir leis semelhantes aprovadas em outros estados e municípios. Isso porque a decisão produz o chamado efeito vinculante, firmando entendimento a ser aplicado em casos similares”, explica a entidade, em nota.

Levantamentos da CartaCapital e do G1 apontam que, entre as 27 unidades federativas do País, três (Paraná, Rondônia e Santa Catarina) já aprovaram legislações contrárias à linguagem neutra. No caso das capitais, duas (Porto Alegre e em Manaus) já contam com leis do gênero. Há projetos com esse mesmo fim em outros oito estados e em mais seis capitais.

À CartaCapital, Salomão Ximenes, professor de Direito e Políticas Educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), atribui esses números a uma “judicialização reacionária da educação” no País. “É uma estratégia específica de grupos ultraconservadores. Eles estão organizados em torno dessa atuação há alguns anos.”

Agora, com o sucesso da Adin da Contee, a margem para retrocesso encolheu. É um triunfo de todos, todas e “todes” que lutam por uma educação livre e inclusiva.