China sai de restrições da pandemia para retomada econômica
Se há uma frase para descrever o último feriado do Festival da Primavera na China, é “Ren Shan Ren Hai”, uma expressão que significa que há muitas pessoas por aí. Com a maior parte das restrições da covid-19 levantadas no gigante asiático e o pico de infecção superado, a agitação do feriadão nacional voltou com sua atmosfera nostálgica e a segunda maior economia do mundo está pronta para a recuperação econômica.
Centenas de milhões de chineses se juntaram à correria do Festival da Primavera em torno do feriado tradicional mais importante do país, reunindo-se com parentes em suas cidades natais ou tirando férias há muito esperadas. O Festival ocorre logo após as celebrações do Ano Novo Lunar.
O aumento das viagens este ano trouxe oportunidades para grandes gastos com férias e turismo, dando um forte impulso à recuperação econômica do país. Auditorias internacionais já começam a avaliar a dimensão da retomada, o aumento do consumo interno, e os efeitos que terá para a cadeia produtiva e de fornecedores de todo o mundo.
Ganhar tempo para acelerar
A senha para compreender a visão do governo chinês sobre a mudança ocorrida nos últimos meses, que levaram a uma inundação de contágios e mortes por covid, após a reabertura econômica, basta ouvir o discurso de Ano Novo Lunar do presidente Xi Jinping, no dia 18 de janeiro.
O presidente fez uma avaliação do modo como o governo e o país lidaram com a pandemia nesses três anos, expondo a síntese de como entende o processo atual. Segundo ele, as restrições da política de covid zero foram importantes para o país ganhar tempo e se preparar para a atual abertura, quando o foco será oferecer atendimento médico adequado para os casos mais graves.
Confira um resumo do discurso do líder chinês: Xi Jinping avalia mudança no enfrentamento da covid, em discurso de Ano Novo Chinês
Desde o início da pandemia, no final de 2019, em Wuhan, o país lidou de forma rigorosamente científica para impedir a circulação do vírus. Nas grandes cidades, as pessoas ficavam isoladas em seus apartamentos, recebendo alimentos e outros produtos por meio de delivery. Apenas um condômino do prédio era autorizado a circular com as entregas, que eram feitas sem contato físico entre os vizinhos. Esse modelo inicial foi levando a população a uma exaustão e inviabilizando a economia, conforme se prolongavam os surtos. O surgimento de casos positivos recentes, levaram o governo a acionar as restrições e causaram revolta na população, o que levou à suspensão definitiva dessa política.
Diante de bilhões de chineses concentrados num mesmo território, foi importante evitar o contágio generalizado enquanto não havia vacinas nem tratamento adequado. Ainda assim, Xi considera que o enfrentamento tem sido duro para os serviços médicos, ainda hoje. Assim como as dificuldades da economia fechada chegaram ao limite e podem partir para um novo patamar, agora.
Impacto menor do que se temia
A decisão de abandonar a política de covid zero, acelerou surtos de infecções e mortes, mas não representou o apocalipse que se temia nas cidades e em aldeias rurais. O avanço da vacinação, a disponibilidade do sistema hospitalar e os hábitos de distanciamento absorvidos, contribuíram para interromper o pico.
Dois meses depois, o pior parece ter passado, com a população saindo do clima de protestos com as restrições prolongadas, do luto diante da onda de mortes de idosos que ainda não tinha visto, para a esperança da recuperação econômica.
Durante três anos, o governo evitou o cenário de horror visto em vários países despreparados para a pandemia, que não puderam esperar pela vacina e pelos protocolos de tratamento científico. Agora, com tratamentos definidos para cada caso, medicamentos e equipamentos hospitalares amplamente disponíveis e, mais importante, vacinas e campanhas de imunização aceleradas, foi possível relaxar as restrições e enfrentar melhor os efeitos letais da doença.
Autoridades de saúde declararam que os casos de Covid atingiram o pico no final de dezembro de 2022. O clima nos hospitais é de exaustão, mas também de alívio com o arrefecimento da onda.
Os 10% não vacinados
Oficialmente, a China relatou quase 79 mil óbitos relacionados à covid desde 8 de dezembro. A China conta com monitoramento cuidadoso de cada pequena província do país, devido à capilaridade do Partido Comunista em cada localidade.
Enquanto as autoridades médicas chinesas sinalizavam que as infecções estavam caindo, também alertaram que o país continua vulnerável a novos surtos, especialmente nas áreas rurais, onde os serviços médicos são mais escassos do que nas cidades. Uma nova onda que pode vir menor por se concentrar nesses territórios.
Segundo disse o ex-diretor do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, Gao Fu, à revista China Newsweek, são também menos de 10% do país que não completou a imunização e ficam mais vulneráveis a estes surtos. “Peço a todos que reservem os recursos médicos mais importantes para os grupos de alto risco, pessoas idosas ou com doenças subjacentes.”
Fluxo turístico e consumo
Conforme se ouviu no discurso otimista de Xi Jinping, o governo espera poder se concentrar em reanimar a economia chinesa, estrangulada pelos lockdowns. É preciso gerar empregos, principalmente para um grande grupo de jovens e graduados desempregados que se acumularam nesse período sombrio.
Um grande número de pessoas tirou férias há muito esperadas durante o feriado, levando a uma forte recuperação e aumentando ainda mais a confiança no setor de turismo. Dados da agência de viagens do Alibaba, Fliggy, mostraram que os pedidos de viagens domésticas de longa distância durante o Festival da Primavera aumentaram mais de 500% ano a ano, com voos domésticos e reservas de trem acima de 40% e quase 80%, respectivamente. De acordo com o Ministério da Cultura e Turismo, os viajantes fizeram 308 milhões de viagens domésticas, um aumento de 23,1% em relação a 2022.
No período, foram realizadas cerca de 308 milhões de viagens de turismo doméstico, um aumento de 23,1% em relação ao mesmo período do ano passado e uma recuperação de 88,6% do valor do mesmo feriado em 2019, segundo o Ministério da Cultura e Turismo.
Dados do Departamento Municipal de Patrimônio Cultural de Pequim mostraram que os museus de Pequim registraram cerca de 1 milhão de visitas de turistas durante o feriado, sendo o Museu do Palácio e o Museu Nacional da China as principais escolhas.
No último dia do feriado de uma semana do Festival da Primavera, os cinema foram surpreendidos pela multidão de espectadores, apesar da temperatura gelada de 10 graus Celsius no norte da China. As pessoas tendem a ir aos cinemas no primeiro e no segundo dia do Ano Novo Lunar chinês, mas o público permaneceu alto durante todo o feriado deste ano.
“Estamos fazendo horas extras para atender os espectadores”, disse Liang Zhiqiang, gerente de um cinema no distrito de Chaoyang, em Pequim, apontando para uma máquina de pipoca que raramente tem um minuto para descansar.
A receita de bilheteria de filmes da China atingiu quase 6,76 bilhões de yuans durante o feriado do Festival da Primavera deste ano, representando o segundo maior valor bruto para este feriado até o momento, disse a China Film Administration no sábado.
O consumo está voltando ao ritmo normal de crescimento mais rápido do que o esperado, disse Wang Yun, pesquisador da Academia Chinesa de Pesquisa Macroeconômica.
Durante o feriado, as autoridades de Jiangsu ofereceram cupons de consumo turístico e entrada e transporte público gratuitos para ajudar na recuperação. A província recebeu mais de 41,3 milhões de turistas domésticos, 21 por cento acima do nível de 2019, e a receita do turismo foi 0,6 por cento superior ao nível de 2019.
Uma pesquisa com quase 7.000 grandes empresas mostrou um forte desejo de aumentar as folhas de pagamento este ano em meio à recuperação econômica, disse Zhang Hongwei, vice-diretor do departamento provincial de recursos humanos e seguridade social de Jiangsu.
“A partir do boom de consumo em torno do Festival da Primavera deste ano, podemos ver que o potencial do mercado consumidor da China ainda é enorme e a economia está tendo um bom começo”, disse Han Jian, professor da escola de negócios da Universidade de Nanjing.
Liu Jing, economista-chefe para a Grande China no HSBC, disse que a recuperação econômica é um tema-chave para a China em 2023, e a economia da China se recuperará fortemente a partir do segundo trimestre, com crescimento de 5% previsto para este ano.
Zhu Haibin, economista-chefe para a China do JP Morgan, também está otimista. “Vemos as atividades de produção e consumo a caminho de uma recuperação ainda maior. É provável que a recuperação econômica possa ser antecipada em comparação com nossa previsão de linha de base”, escreveu Zhu.
Cezar Xavier com informações do China Today