Presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto. Foto: Raphael Ribeiro/BCB

Franqueador da manutenção dos juros altos no Brasil, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu a autonomia da instituição ao afirmar que “a principal razão no caso da autonomia do Banco Central é desconectar o ciclo da política monetária do ciclo político porque eles têm planos e interesses diferentes”.

A declaração de Campos Neto foi em evento em Miami, nos Estados Unidos, na terça-feira (7), após receber duras críticas do presidente Lula e de renomados economistas, como a de André Lara Resende, pelo arrocho monetário que vem impondo ao país com as altas taxas de juros, agravado pela recente decisão de manter a taxa Selic em 13,75% ao ano na última reunião do Comitê de Política Monetária e “por tempo prolongado”.

“Não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,5%. É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro e a explicação que deram para a sociedade brasileira”, declarou o presidente Lula, que questionou a autonomia do BC.

“Eu acho que as pessoas que acreditavam que a independência do Banco Central ia mudar alguma coisa no Brasil, que ia ser melhor, que os juros iam ser mais baixos. As pessoas que tomaram essa posição é que tem que ficar olhando se valeu a pena ou não. O dado concreto é que eu tive por oito anos o Meireles como presidente do Banco Central, indicado por mim, e o Meireles tinha 99.9% de independência”, disse Lula.

“Porque se o governo não tiver condições de discutir a taxa de juros, se o governo não tiver condição de discutir a taxa da inflação, se não tiver que discutir a questão do emprego… porque não é só a meta de inflação, tem que ter uma meta de crescimento, tem que ter uma meta de geração de emprego, porque senão fica um ser humano com a perna só… Era preciso que houvesse mais complexidade e apuração”, acrescentou Lula em entrevista a jornalistas.

A gestão atual do Banco Central “independente” atua para manter a Selic em 13,75% ao ano, fazendo com que os brasileiros paguem o maior juro real do mundo (descontada a inflação). Nesse patamar, a economia brasileira embica para baixo puxada pelas quedas dos investimentos e do consumo de bens pela população, elevando o endividamento e a inadimplência das famílias e das empresas.

Na ata da reunião do Copom do BC, divulgada também na terça, registra o quanto está sendo nefasta a política de juros altos para o Brasil. “No âmbito doméstico, o conjunto de indicadores divulgados desde a última reunião do Copom segue corroborando o cenário de desaceleração do crescimento esperado pelo Comitê. Observa-se queda nos indicadores de confiança e arrefecimento nos indicadores de produção industrial, de comércio e de serviços. O mercado de trabalho, que surpreendeu positivamente ao longo de 2022, continua mostrando sinais de desaceleração, com queda nas admissões líquidas do Novo Caged e relativa estabilidade na taxa de desemprego, proveniente de recuos na população ocupada e na força de trabalho”, diz a ata.

Mas, essa situação econômica não passou apenas de um registro na ata, em que o BC assentou a sua decisão de manter os juros altos asfixiando ainda mais a economia brasileira, mantendo o tom alarmista “em nome de um ‘risco fiscal’ inexistente”, como alertou Lara Resende.

“O Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva, e é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos de 2023 e, em grau maior, de 2024”, diz a ata do BC.

De acordo, com André Lara Resende, “A taxa de juros básica, que é piso e referência para todas as demais taxas de juros no país é determinada pelo Banco Central. Repito, a taxa básica é integralmente controlada pelo Banco Central. As taxas para prazos mais longos são fixadas pelo mercado, instituições financeiras que operam com a dívida pública, com base nas estimativas que fazem da trajetória futura da taxa básica a ser fixada pelo BC. Se quisesse, o BC poderia fixar toda a estrutura a termo das taxas da dívida, como já faz há anos o Banco do Japão, e acabar com as pressões alarmistas para elevar ainda mais a já injustificavelmente alta taxa básica, em nome de um “risco fiscal” inexistente”.

“NÓS NÃO TEMOS INFLAÇÃO DE DEMANDA”

“Eu não discuto com o presidente do Banco Central. Eu fiz duas críticas na imprensa. Ele deve explicações não a mim, mas deve explicações ao Congresso Nacional, a quem o indicou. É verdade que nós temos duas pessoas no Conselho Monetário Nacional e tem mais gente para indicar no Banco Central, e eu espero que o Haddad esteja vendo, esteja acompanhando, esteja ansioso, do que tem que fazer. Quando era presidente da outra vez, eu tive o José Alencar para fazer as críticas à política de juros, ou seja, agora sou eu mesmo que faço. Ontem eu fiz uma convocação aos empresários, porque não é possível que a gente queira que esse país possa crescer com uma taxa de juro de 13,75%. Nós não temos inflação de demanda”, afirmou o presidente Lula na entrevista com jornalistas.

“Espero que o Haddad esteja acompanhando, que a Simone esteja acompanhando, espero que ele próprio [Campos Neto] esteja acompanhando a situação do Brasil. A previsão do FMI é que nós vamos ter um crescimento muito pífio esse ano. Esse país não pode continuar tendo crescimento pífio porque a gente precisa gerar emprego. Esse país tem que acabar com a fome de 33 milhões de pessoas. Esse país precisa criar emprego formal. Esse país precisa atualizar a relação do trabalho e capital, inclusive com as empresas de prestação de serviço – empresa de aplicativo”, ressaltou Lula.

“Eu sou amplamente favorável à responsabilidade fiscal e vocês sabem que nos meus oito anos de mandato eu fui o presidente que mais fez superávit primário”, ressaltou o presidente, que seguiu. “Então, da mesma forma que eu acho que a gente tem que ter credibilidade, estabilidade e previsibilidade, a gente tem que ter responsabilidade fiscal, responsabilidade política, responsabilidade econômica e responsabilidade social. Em todas essas coisas que nós precisamos ter, a mais grave de todas é a social, porque é a única que a gente sobe um degrau depois a gente cai 10. Não é possível. Então, no meu governo a gente vai levar a sério essa questão do crescimento econômico”, disse Lula.

Sobre Campos Neto, Lula disse ainda: “vamos ver como é que o Banco Central se comporta. Eu também só tenho um mês de convivência com ele. Ele teve não sei quantos anos de convivência com Guedes [ministro da Economia de Bolsonaro]. Eu acho que o Senado tem que ficar vigilante. Porque eu lembro quantas críticas que eu recebia da Fiesp toda vez que aumentava a taxa de juros. Eu lembro das críticas que a gente recebia do movimento sindical quando aumentava a taxa de juros. Eu lembro quando os senadores faziam discurso contra mim pelo aumento da taxa de juros. Eles agora não têm mais que cobrar do Presidente da República. Eles têm que cobrar deles. Eles podem. É isso que eu espero. Eu estou muito tranquilo. Eu não quero confusão. A única coisa que eu quero é que esse país volte à normalidade, volte a crescer, volte a gerar emprego, volte a distribuir renda. Se isto acontecer, eu estou feliz”, ressaltou o presidente.

Fonte: Página 8