Visibilidade Trans: com votações recorde, eleitas enfrentam violência política
A visibilidade trans avançou nos últimos anos de forma inimaginável para o final do século XX, quando ocorriam as primeiras paradas do orgulho LGBT+ do país. Há cerca de vinte anos, esse cenário vem mudando drasticamente e pode influenciar o cenário de violência, conforme estas pessoas se empoderam, pautam a sociedade e exigem garantia de direitos. Nunca se elegeram tantas travestis e transexuais para cargos legislativos, muitas outras ocupando cargos de gestão.
O primeiro impacto positivo da visibilidade trans crescente na sociedade brasileira é a força simbólica dos modelos positivos, de pessoas travestis, transexuais e não-binárias, que passam a ocupar espaços de poder e influência na sociedade. Pessoas que provam que é possível ser médica, psicóloga, advogada, engenheira, cantora, parlamentar, gestora pública, educadora, atriz, modelo, influenciadora digital, atleta, jornalista.
Aos poucos, a atividade de profissional do sexo vai deixando de ser a única possibilidade para meninas expulsas de casa, sem formação educativa ou qualificação profissional. As travestis que conseguiam se destacar como maquiadoras e cabeleireiras no passado, e circulavam em ambientes da mídia, foram um primeiro avanço para sensibilização da sociedade. No Brasil, houve destaques também na indústria do Carnaval e no humor.
Desse período “heróico” podemos citar personalidades que contribuíram para mudar a história e a percepção da sociedade sobre pessoas trans: a escritora Ruddy Pinho, as atrizes Claudia Celeste e Rogéria, modelos como Roberta Close e Sam Porto, a vereadora Kátia Tapety, primeira eleita em 1992 em Colônia do Piauí, e as ativistas Bianca Magro e João W. Nery, que ficaram conhecidos por sua luta para realizar cirurgias de redesignação sexual, quando o SUS ainda não estava preparado para isso.
Violência política
Neste século, essas possibilidades se ampliaram muito. Se ainda há preconceito com travestis e transexuais em algumas profissões, e isso ainda é um desafio de enfrentamento, em outras, elas se destacam e se tornam referência. Um dos enfrentamentos mais difíceis é feito pelas parlamentares, que além de toda a violência destinada as mulheres e homens trans anônimos, sofrem com a violência política.
Travestis e transexuais também foram eleitas aos parlamentos, sendo que algumas foram as mais votadas em seus estados. É o caso de Erika Hilton (PSol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), ambas deixaram os parlamentos locais para brilharem em Brasília. No total são 27 eleitas em todo o país. Dani Balbi (PCdoB-RJ), Linda Brasil (PSol-SE) e Carolina Iara (PSol-SP) também foram eleitas para os legislativos estaduais.
Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, de 24 parlamentares trans entrevistadas, 17 relataram situações de violência política transfóbica e 11 sofreram ameaças. Elas reclamam que não têm as mesmas condições parlamentares de seus colegas, de frequentar livremente as Casas Legislativas, sentar em suas mesas e analisar Projetos de Lei.
Em vez disso, precisam se preocupar com sua integridade física, evitando entrar pela porta da frente, usando carros blindados, ficando dias sem aparecer publicamente e tendo que manter segredo sobre agendas públicas. As entidades dizem que essas mulheres e homens trans chegam a um parlamento que não está nem um pouco preparado para recebê-los e protegê-los.
Ex-vereadora em Piracicaba (SP), Madalena Leite (PSDB) foi imobilizada e morta a golpes de facão na cabeça –a polícia prendeu os suspeitos do crime. Além de ser mulher trans, Madalena era negra e moradora da periferia.
Filipa Brunelli (PT), primeira vereadora travesti de Araraquara (interior de SP) eleita em 2020, pensou em abandonar a política logo nos primeiros meses de mandato. Se na campanha, as ameaças já eram difíceis de engolir, com a vitória, o ódio se torna maior. Filipa coleciona ataques transfóbicos e ameaças para documentar e levar à polícia. Em menos de dois anos de mandato, já são 36 pessoas denunciadas.
Mas a situação é ainda mais intolerável quando vem dos próprios colegas de parlamento. Logo nos primeiros meses de mandato de Erica Malunguinho, em 2019, ouviu o deputado Douglas Garcia, hoje no Republicanos, dizer que tiraria a tapas do banheiro uma transexual que usasse o mesmo que sua mãe ou irmã.
Muitas reclamam de serem tratadas no masculino, especialmente por colegas evangélicos. Duda Salabert já ouviu que deveria sair de uma mesa composta só por mulheres.
Invisibilidade do homem trans
Thammy Miranda (PL-SP) é o transexual masculino que ocupa uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo. Do mesmo partido de Jair Bolsonaro, ele é criticado por suas posturas conservadoras, mas é respeitado pelo impacto que sua presença física no espaço de poder exerce.
Thammy ficou famoso por ser filho da cantora Gretchen e ter sua transição física acompanhada pelas mídias. Embora costume dizer que se sente respeitado no parlamento, nem o vereador conservador, no entanto, escapou de ataques por participar de uma publicidade do Dia dos Pais. Até seu colega de partido Eduardo Bolsonaro o agrediu nas redes sociais, naquela ocasião.
A propósito, transexuais masculinos ainda enfrentam o desafio da invisibilidade. São poucos os destaques famosos, com pouca inserção até mesmo nos ambientes LGBT+. Mas, aos poucos, eles vão ocupando espaço nas redes sociais e se tornando celebridades e influenciadores importantes.
O ator e modelo Tarso Brant, o multiartista Dante Olivier e o cantor Nick Cruz são alguns dos mais conhecidos. Mas também há influências crescentes nas mídias como o atleta Bernardo Gonsales, Cleyton Bittencourt, o chef Thales Alves, Alan Oliveira, Nathan Santos, Pedro Jorge, o jornalista Caê Vasconcelos. Todos contam muitos seguidores nas redes sociais. Mas sempre cabe mais um para acompanhar suas ideias e talento no Instagram, TikTok, Facebook, Twitter e Youtube.
(por Cezar Xavier)