Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ainda que os atos golpistas não tenham obtido êxito, os fatos ocorridos são uma mácula para a história brasileira. Uma forma de não deixar impune os responsáveis é atribuir as responsabilidades para quem é de direito. Além das prisões e investigações em curso, o Relatório Sobre os Fatos Ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, elaborado pelo Interventor Federal Ricardo Cappelli, ajuda a jogar luz para diversos fatos sobre os acontecimentos.

Conforme consta no documento (leia na íntegra aqui), foram empregados policiais militares do curso de formação na linha de contenção, enquanto parcela da tropa de reforço encontrava-se de prontidão em casa.

Além disso, não houve a elaboração prévia de operação mesmo com as informações existentes sobre a possibilidade de que os atos ocorressem. Para piorar, houve um intervalo de aproximadamente duas horas entre o início dos atos e a tomada de providências operacionais de reforço para reprimir as ações em andamento.

Também foi observado que as linhas de contenção não foram feitas como de praxe, o que fragilizou a contenção dos manifestantes e facilitou a invasão aos prédios.

Este e outros fatos constam no relatório de 62 páginas elaborado por Cappelli que visa analisar e esclarecer as ações de segurança pública antes, durante e após os atos de vandalismo e de ataques à democracia que ocorreram no Congresso Nacional, no Palácio do Planalto, na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes (P3P) e na Esplanada dos Ministérios.

Como informa Capelli, “a Subsecretaria de Operações Integradas tomou conhecimento por fontes abertas, ao final do dia 05 de janeiro de 2023, sobre a possibilidade de ocorrência de manifestações populares, nos dias 07 e 08 de janeiro de 2023. A informação circulava nas redes sociais”.

A partir disso, foi realizada uma reunião com pontos focais da PMDF, PCDF, CBMDF, DETRAN, DER, POLÍCIA LEGISLATIVA DA CÂMARA e do SENADO, POLÍCIA JUDICIAL DO STF, MRE e DF LEGAL, no dia 06 de janeiro, conduzida pelo Secretário Executivo de Segurança Pública, DPF Fernando de Sousa Oliveira, uma vez que o então Secretário Anderson Torres estava nos Estados Unidos. Com isso, entende-se que todos os órgãos envolvidos tinham conhecimento da gravidade das informações que circulavam.

Ainda no dia 6 de janeiro, dois dias antes dos atos golpista, foi entregue ao gabinete do Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (SSPDF) um Relatório de Inteligência sobre as possibilidades dos atos em razão das caravanas que se mobilizavam pelas redes sociais.

Neste relatório foi alertado sobre o risco de:

– Possibilidade de invasão e ocupação a órgãos públicos;

– Participação de grupos com intenção de ações adversas, bem como orientação de que o público participante fosse de adultos em boa condição física;

– Participação de pessoas que pertenceriam ao segmento de Colecionadores, Atiradores e Colecionadores (CACs);

– Possíveis ações de bloqueios em refinarias e/ou distribuidoras.

Apesar de todas as informações, como se sabe, a atuação para reprimir os atos foi pífia e com isso ficou a suspeita de colaboração por parte de comandantes e agentes públicos para que os atos golpistas ocorressem.

Como principais conclusões, o documento elaborado pelo Interventor Ricardo Cappelli aponta para os seguintes atos gravíssimos sobre o ocorrido:

  • O acampamento em frente ao QG do Exército, em Brasília, permitiu o apoio logístico e local de concentração aos manifestantes para que as ações do dia 08 fossem desencadeadas;
  • Não houve falta de informações e alertas sobre os riscos da manifestação, pois a Secretaria de Segurança Pública elaborou o Relatório de Inteligência, entregue em 06 de janeiro de 2023, para o gabinete do Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (SSPDF);
  •  Não houve a elaboração prévia de Planejamento Operacional nem Ordem de Serviço emitido pelo Departamento Operacional da PMDF mesmo com as informações existentes sobre a possibilidade de que os atos ocorressem;
  • Parcela da tropa alocada para o reforço do efetivo que estava na esplanada encontrava-se de prontidão em casa;
  • Houve intervalo de aproximadamente duas horas entre o início da manifestação e a tomada de providências operacionais de reforço para reprimir as ações em andamento;
  • Constatou-se que a linha de contenção da Avenida das Bandeiras contava com apenas duas linhas de gradil instaladas paralelamente, sem travamento entre elas e com distanciamento entre elas acima do adotado como praxe, o que fragilizou a contenção dos manifestantes e facilitou a invasão aos prédios do Senado e da Câmara dos Deputados;
  • Foram empregados policiais militares do curso de formação na linha de contenção;
  • Sobre as imagens divulgadas que registram a movimentação de viaturas, a queda de gradis e o avanço dos manifestantes rumo às instalações do Supremo Tribunal Federal (STF), é possível afirmar que a falta de efetivo, a atitude passiva e a ausência de qualquer planejamento pelo DOP – Departamento de Operações da PM expuseram o STF de maneira inaceitável;
  • Foi possível constatar que o Comandante Geral da Polícia Militar do Distrito Federal esteve em campo atuando operacionalmente, o qual inclusive figurou entre os policiais militares feridos. No entanto, embora estivesse em campo, as evidências indicam que o coronel perdeu a capacidade de liderar seus comandados diretos, uma vez que suas solicitações por reforço não foram consideradas nem atendidas prontamente;
  • O Secretário de Segurança Pública titular, Anderson Torres, encontrava-se de viagem para Orlando, Estados Unidos, embora não estivesse de férias;
  • A intervenção federal foi necessária para retomar o controle da Segurança Pública no Distrito Federal e, até o momento, 06 inquéritos policiais militares foram instaurados para apurar a conduta e omissões dos comandantes, subcomandantes e outros policiais no episódio do dia 08 de janeiro;
  • O interventor federal designado Ricardo Cappelli determinou que o comandante-geral da PMDF mobilizasse a tropa para efetuar as prisões no acampamento em frente ao QG do Exército, movimento que foi abortado pela intervenção do General Dutra, comandante militar do Planalto, que ponderou para que a ação acontecesse somente no dia seguinte pela manhã.