"O sangue derramado não será esquecido", diz faixa, denunciando as 50 mortes (Reprodução)

Há pouco mais de um mês da destituição do presidente Pedro Castillo, o novo governo de Dina Boluarte já causou a morte de meia centena de pessoas – quase na totalidade por armas de fogo – provocando uma onda de protestos que se alastra por todo o Peru pelo fim da carnificina e por democracia.

Nesta quinta-feira (13), os governadores dos departamentos [Estados] de Puno, Apurímac e Cusco exigiram a “renúncia imediata” da presidente – frente à truculência com que vem reprimindo a todos aqueles que propõem a sua saída -, o afastamento da mesa diretora do Congresso, eleições livres e uma Assembleia Constituinte para varrer o entulho autoritário e privatista deixado pelo regime de Alberto Fujimori-Montesinos (1990-2000).

O pronunciamento dos governadores ocorreu após o massacre realizado na última segunda-feira (9) em Juliaca, na região de Puno, em que 19 pessoas foram assassinadas e 73 ficaram feridas próximas ao aeroporto da cidade.

Na terça-feira (10), o governador de Puno, Richard Hancco Soncco, e os prefeitos do departamento emitiram um comunicado conjunto onde condenaram a repressão, se somando à exigência da população pela saída da atual mandatária. “Exigimos a renúncia imediata de Dina Boluarte da Presidência da República e a pronta convocação de eleições em nível nacional, considerando que é esse o clamor da totalidade do povo”, apontou o documento.

Na quinta-feira (12), o governador de Apurímac, Percy Godoy Medina, ressaltou que “o clamor e as propostas de luta do povo mobilizado devem ser escutados pela tranquilidade e a paz social do povo peruano”.

“No marco deste cenário crítico, a senhora Dina Boluarte deve renunciar ao cargo de presidente”, se uniu o governador de Cusco, Wener Salcedo Álvarez. Respaldando a posição de Álvarez, o Conselho Regional asseverou que, além do imediato afastamento, é necessária a dissolução do Congresso e a realização de um processo constituinte.

MINISTRO DO TRABALHO RENUNCIA

Condenando a brutalidade da repressão desencadeada pela Polícia Nacional do Peru (PNP) e pelas Forças Armadas (FA), utilizadas pelo governo para tentar conter o clamor popular, o ministro do Trabalho, Eduardo García apresentou sua carta de renúncia. “Testemunhamos um grande número de protestos em diferentes regiões do país, com diferentes bandeiras políticas, mas sabíamos que por trás deles também estavam demandas sociais há muito ignoradas”, disse.

Para Eduardo García “é preciso pedir desculpas à população e reconhecer que foram cometidos erros que devem ser corrigidos para que isso não volte a acontecer”. Além disso, garantiu que a gravidade da situação justifica uma eleição antecipada, mas não para abril de 2024, pois o país não pode esperar até essa data.

Nas ruas de Lima, comandados pelos movimentos sociais e partidos oposicionistas, milhares de manifestantes foram até a Praça San Martin na noite de quinta-feira (12) para reforçar a solidariedade aos caídos e bradar: “Dina assassina, o povo te repudia”.

“O que está acontecendo no Peru é um genocídio e, lamentavelmente, os congressistas voltaram a dar as costas ao nosso povo”, sintetizou o presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), Luis Villanueva Carbajal.

De forma unitária as secretarias de Relações Internacionais dos partidos Socialista, Comunista Peruano, Peru Livre, Povo Unido, Humanista Peruano e do Povo repudiaram os “50 assassinatos por ordens do governo.

O povo exige eleições, já, assinala o documento, mas “a resposta foi a repressão contra o direito constitucional ao protesto, utilizando franco-atiradores e disparando contra cidadãos desarmados, jovens, mulheres e crianças. A isso se soma a incursão em locais políticos de oposição e de camponeses, e a realização de detenções arbitrárias judicializando o protesto social e impulsionando a impunidade em crimes por uma justiça politizada e parcializada”.

“O Congresso é rechaçado por 94% da população e o governo aliado à direita fascista deve ser acusado por delitos de lesa-humanidade. Nos suspenderam garantias e impuseram ‘toques de recolher’, enquanto praticam um entreguismo cúmplice com as transnacionais, estendendo por mais dez a anos a exploração do petróleo e da mineração”, denunciam as lideranças partidárias. O manifesto recorda ainda para a manipulação grotesca que vem sendo feita, pois encontram-se “outorgando concessões, repartindo publicidades para a mídia dos grupos econômicos em favor de monopólios e oligopólios”.

Congressistas estão responsabilizando o governo pelos delitos de homicídio e lesões graves contra cidadãos indefesos. De acordo com parlamentares oposicionistas, a Constituição peruana foi infringida já no seu artigo primeiro, precisamente o que estabelece que a “defesa da pessoa humana e o respeito de sua dignidade são o fim supremo da sociedade e do Estado”.

Na avaliação do advogado criminalista Rafael Chanján a Promotoria deve averiguar as responsabilidades de Boluarte, suas ações e omissões, “que enlutaram a dezenas de famílias” como presidente, chefe suprema da Polícia Nacional do Peru (PNP) e das Forças Armadas (FA). O mesmo critério deve ser aplicado para determinar as responsabilidades dos ministros do Interior e da Defesa envolvidos na tomada de decisões, bem como os comandantes gerais das “forças da ordem”. O fato, esclareceu, é que nosso marco legal “não permite que a PNP e as FA usem força letal para resguardar bens ou vias públicas ou privadas”.

Papiro (BL)