Em depoimentos à polícia, os golpistas presos por invadir e depredar prédios-sede dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro, justificaram sua participação nos crimes repetindo toda a argumentação difundida com estridência pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em seus privilegiados palanques presidenciais. A comparação foi feita pelo portal g1, ao analisar 116 interrogatórios policiais. 

A comparação denuncia como os executores do atentado antidemocrático agiram por ordem direta e inegável do presidente da República, que os incita a todo momento em vídeos e eventos de ampla circulação e público. Ele faz isso no parlatório, durante sua posse, em Assembléias da ONU, em inaugurações de obras, em palanques eleitorais, pronunciamentos televisivos, entre outros. Com isso, Bolsonaro pode ser enquadrado como autor intelectual da baderna na Praça dos Três Poderes.

Na última sexta-feira (13), a Procuradoria-Geral da República pediu ao STF para investigar o ex-presidente no inquérito que trata dos “autores intelectuais” e instigadores dos atos cometidos em Brasília. O autor intelectual é o indivíduo que planeja o crime. Mesmo que ele não participe da execução do seu plano, continuará sendo considerado o autor.

Em 17 dos depoimentos, a comparação encontrou motivações fartamente defendidas por Bolsonaro. Entre as motivações apresentadas pelos presos, amplamente utilizadas por Bolsonaro, estão as acusações de fraude nas urnas eletrônicas, a defesa de uma intervenção militar, a alegação de que estão praticando liberdade de expressão, e de que estão combatendo a ameaça de comunismo e ideologia de gênero. Todos argumentos defendidos sem comprovação concreta ou legitimidade intelectual. 

Fotomontagem feita com as fotos de: Sérgio Lima/Poder 360; Dids/Pexels e Marcelo Camargo/Agência Brasil

Fraude nas urnas eletrônicas

Em seu depoimento, Paulo Alves Padilha alega que seu voto para Bolsonaro foi computado para Lula, afirmando que as eleições foram roubadas. Em seus pronunciamentos, Bolsonaro disse que a troca do número 17 para 13 nas urnas eletrônicas em 2018 seria um “fortíssimo indício” de “possível aparelhamento” da Justiça Eleitoral. 

Carlos Eduardo Bon Caetano da Silva disse que as manifestações tinham o objetivo de forçar uma verificação da contagem dos votos, ecoando declarações de Bolsonaro de que é impossível haver uma auditoria nas eleições do Brasil.

José Carlos Galanti exemplifica o perfil que Bolsonaro aponta ao falar em manifestações bolsonaristas, como fruto de sentimento de indignação e injustiça. O réu diz que não aceita o resultado das urnas.

Frederico Rosário de Oliveira diz que só frequentava o acampamento porque acreditava que as eleições foram fraudadas, algo que Bolsonaro repetiu à exaustão. Josino Alves de Castro diz que não aceita a eleição, porque o Exército não teve acesso ao código fonte das urnas, assim como Bolsonaro também critica suposta falta de transparência. 

No entanto, não há qualquer registro de fraude eleitoral, conforme admitiram o próprio Bolsonaro e a própria Abin, sob sua gestão. Os sistemas utilizados são validados por observadores nacionais e internacionais. As auditorias são permitidas e feitas, assim como o código-fonte é disponibilizado um ano antes para toda a sociedade civil.

– Foto: Márcia Minillo/RBA

Intervenção das Forças Armadas

Em muitos momentos, o presidente da República defendeu a possibilidade de acionar o artigo 242 da Constituição, que em sua interpretação permite que as Forças Armadas “retomem a ordem em qualquer lugar do país”, destituindo os demais poderes. 

Em outro momento ele diz que as Forças Armadas foram convidadas a auditar as urnas e descobriram “centenas de vulnerabilidades” na Justiça Eleitoral, que teriam sido ignoradas pelo ministro Luís Roberto Barroso, do TSE. Diz aos berros e sob aplausos que eles “não serão tratados como idiotas”. 

Pois, os golpistas presos Watlila Sócrates Soares e Paulo Eduardo Vieira Martins alegam justamente que participavam da invasão para o Exército tomar o poder e promover uma “intervenção contra corrupção”. 

O artigo 142 da Constituição não trata de divisão entre os poderes, mas descreve como funcionam as Forças Armadas. Ele não dá autorização para que qualquer poder possa fazer uma convocação para intervir em outro.

Deputado bolsonarista Daniel Silveira defende o direito de pregar ódio a ministros da Justiça (Foto: Gustavo Sales/Agência Câmara)

Liberdade de expressão

Segundo afirmou a presidente do STF, ministra Rosa Weber, a liberdade de expressão prevista na Constituição e em pactos internacionais assinados pelo Brasil “não abriga agressões e manifestações que incitem ódio e violência, inclusive moral”,.

Apesar disso, Lucas Schwengber Wulf diz ter vindo a Brasilia para se manifestar contra o cerceamento do direito de expressão, inclusive na internet. Ele ecoa os constantes reclames de Bolsonaro em defesa desta liberdade de expressão, que sempre eram direcionados a defender acusados de disseminação de ódio e ameaças à indivíduos e à  sociedade. 

Manifestações pedem fim do comunismo

Comunismo

Bolsonaro utilizou o palanque de sua campanha para dizer que dobrava os joelhos para rezar para que os brasileiros não experimentassem das dores do comunismo. No Parlatório de sua posse presidencial, disse que o povo começaria a se libertar do socialismo. Numa inauguração de obra, diz que é contra o comunismo e a ideologia de gênero. Na Assembleia Geral da ONU, criticou financiamentos do BNDES em Cuba, alegando que “estávamos à beira do socialismo”. 

Com isso, possibilitou que pessoas presas como Sipriano Alves de Oliveira, Jaime Junkes, José Raimundo Sobrinho e Devison Barbosa Lopes justificassem para a polícia que participaram dos atos em Brasília para que houvesse uma intervenção militar para impedir que o país fosse dominado pelo comunismo e acabasse com a família e a religião. 

Em nenhum momento, Lula sinalizou que pretende implantar o comunismo no Brasil, ao contrário, seu programa de governo apontava para programas de incentivo à iniciativa privada. Nos 13 anos do PT no poder, o país continuou sob o regime capitalista. As primeiras ações de governo têm sido elogiadas por setores empresarias e financeiros. 

Ideologia de Gênero

Ideologia de gênero

A expressão “ideologia de gênero” não é reconhecida no mundo acadêmico e é usada por grupos conservadores e religiosos em ataque aos movimentos feminista (que prega a igualdade de direitos entre homens e mulheres) e LGBTQIA+, além dos avanços de direitos sexuais e reprodutivos.

Bolsonaro sempre encampou que haveria uma doutrinação nas escolas sobre o assunto para incentivar a homossexualidade, o que nunca ocorreu, e já disseminou fake news afirmando que crianças eram ensinadas “a fazer sexo a partir de 6 anos de idade”.

Devison Barbosa Lopes foi novamente um dos golpistas detidos que alegou ser contra a “ideologia de gênero para crianças”, embora não se considere “homofóbico”. Ele diz acreditar em leis nesse sentido, que estão por vir.

(por Cezar Xavier)