Em Davos, mais de 200 ultrarricos exigem ser taxados. Nenhum é brasileiro
Nenhum brasileiro está entre um grupo de milionários em Davos (Suiça) que pressiona os governos a tributar pessoas como eles, conforme vai se tornando cada vez mais intolerável para as pessoas o atual nível de desigualdade social. O movimento expresso numa carta aberta divulgada no Fórum Econômico Mundial revela a contradição do trabalhador assalariado que chega a pagar até 27% de sua renda em impostos, enquanto bilionários imploram para pagar ao menos 1%.
A ausência dos brasileiros talvez esteja relacionada com o fato dos mais ricos do Brasil estarem ocupados, no momento, com o escândalo do rombo de R$ 20 bi do grupo que controla as Lojas Americanas. Os controladores da rede de varejo envolvida em fraude fiscal são Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, o mesmo trio que comanda a Inbev (antiga AmBev), GP Investimentos, América Latina Logística e outros grupos. Eles somam uma fortuna de R$ 180 bilhões.
No ano passado, um grupo de mais de 150 milionários convocou os participantes da elite em Davos e os governos de todo o mundo a tributá-los mais. O presidente Luis Inácio Lula da Silva é destaque entre os governantes que apoiam o movimento, junto com Joe Biden. A nova carta é endossada também pela PMUK (Milionários Patriotas Reino Unido), Tax Me Now (Tribute-me Agora) e Millionaires for Humanity (Milionários pela Humanidade).
O milionário britânico presente em Davos, Phil White, disse que o aumento da tributação poderia começar com um ou dois por cento ao ano sobre fortunas no valor de quatro ou cinco milhões. O grupo inclui pessoas como o ator americano Mark Ruffalo, que interpretou o papel de Hulk nos filmes da Marvel, e uma herdeira do império Disney, Abigail Disney.
Dos signatários da carta, 113 são dos EUA, 55 do Reino Unido, 13 da Alemanha, cinco do Canadá, três da Suécia, da Itália e da Holanda, dois da França, da Áustria e da Dinamarca, e um da Irlanda, da Índia e do Irã.
Missão de Davos
A carta dos milionários questiona a missão do Fórum Econômico Mundial na ausência de medidas concretas: “A atual falta de ação é gravemente preocupante. Uma reunião da ‘elite global’ em Davos para discutir ‘Cooperação em um mundo fragmentado’ é inútil se você não está desafiando a raiz da divisão. Defender a democracia e construir a cooperação requer ação para construir economias mais justas agora – não é um problema que pode ser deixado para nossos filhos resolverem.”
No Fórum Econômico Mundial, os ultra-ricos disseram estar alarmados com o nível de extremismo a que chegou a concentração de renda e os “perigos” que isso representa. Para não ficar evidente o receio dessa elite com os riscos que correm com tanta miséria e revolta social, alegam que estão preocupados com o quanto as pessoas comuns sofreram durante a pandemia de covid, conforme os preços dos alimentos e da energia dispararam.
Na carta aberta, são mencionadas, inclusive, as questões relativas à democracia que está ameaçada em várias partes do mundo.
“A solução é simples para todos verem. Vocês, nossos representantes globais, devem tributar a nós, os ultra-ricos, e devem começar agora”, diz o manifesto.
São mais de 200 “milionários patrióticos” de 14 países que enviam a mesma mensagem à elite política e global do mundo na vila alpina suíça de Davos para sua reunião anual. “Taxe os ultrarricos e faça isso agora. (…) O que – ou quem – está impedindo você?”
Os Milionários Patrióticos são autodescritos como “um grupo de americanos de alto patrimônio líquido que compartilham uma profunda preocupação com o nível desestabilizador de desigualdade na América”. Com eles, se somam ricos de outras nacionalidades para o debate.
Oxfam e redistribuição de riqueza
Entre os milionários em Davos que enviaram uma carta aberta na quarta-feira ao Fórum Econômico Mundial pedindo mais impostos sobre a riqueza estão “pessoas que herdaram, pessoas que trabalharam, empresários, comerciantes, toda uma mistura de origens”.
Eles acreditam estar fazendo sua parte para promover o tema do Fórum Econômico Mundial: “Unidade em um mundo fragmentado”.
A mensagem dos milionários foi reforçada pela ONG Oxfam, que disse que as desigualdades pioraram dramaticamente nos últimos dez anos.
Somente desde 2020, a riqueza bilionária aumentou US$ 2,7 bilhões por dia, mesmo com a inflação superando os salários de pelo menos 1,7 bilhão de trabalhadores em todo o mundo, disse a Oxfam em um relatório na abertura do WEF na segunda-feira.
As empresas de alimentos e energia, observou, mais do que dobraram seus lucros no ano passado.
A Oxfam pediu impostos com taxas que redistribuam progressivamente a riqueza e reduzam a desigualdade extrema.
Impostos contra a filantropia
O aumento de impostos seria muito mais eficiente do que a filantropia em uma época em que bilionários como Mark Zuckerberg, Warren Buffett e Bill Gates fazem manchetes prometendo grandes somas para boas causas.
Alguns desses milionários dizem que se sentem secando gelo, já que sua ajuda filantrópica não chega à raiz dos problemas sociais, apenas cumprem papel paliativo no sofrimento humano.
Phil White chegou a dizer que a filantropia, muitas vezes, é uma forma de se esconder das responsabilidades sociais.
No ano passado, em seu discurso em um evento, a herdeira da Disney disse que algumas pessoas ricas chegam a desenvolver uma negação da morte e uma “auto-ilusão” ao “dizer a si mesmo que está fazendo a obra de Deus. Em outras palavras, os bilionários são pessoas miseráveis e infelizes. O ataque bilionário precisa acontecer. Não sei por que estamos sendo tão educados”.
Abigail Disney criticou o Fórum na estação de esqui, acusando-o de ser uma mentira: “Sentei-me na mesma sala com algumas das pessoas mais ricas e poderosas do mundo enquanto elas falavam sobre como podem fazer a diferença, então posso dizer isso em primeira mão: Davos é uma farsa. Até que os participantes de Davos comecem a falar sobre tributar os ricos, todo o encontro continuará sendo um exemplo público de como eles realmente estão fora da realidade.”
Um estudo produzido pelo grupo Patriotic Millionaires, de acordo com um relatório da CNBC, descobriu que um imposto anual progressivo sobre a riqueza modelado em 2% para indivíduos com patrimônio de US$ 5 milhões, 3% para aqueles com US$ 50 milhões líquidos e 5% para os ultra-ricos com mais de US$ 1 bilhão, poderia ter arrecadado mais de US$ 1,7 trilhão em 2022.
Um relatório recente da Oxfam descobriu que o 1% mais rico do mundo acumulou quase dois terços de toda a nova riqueza global nos últimos dois anos, acumulando US$ 26 trilhões dos US$ 42 trilhões criados nesse período.
(por Cezar Xavier)