Nesta quinta-feira (15), o presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva, voltou a fazer um dos seus gestos mais simbólico destes mais de 50 anos de vida política. Lula participou do Natal com os Catadores de Materiais Recicláveis, o encontro destes trabalhadores que culmina com um almoço especial. Para ele, tem sido um compromisso religioso, uma comunhão com seu compromisso com os que mais precisam de cuidado.

Os catadores são pessoas que, muitas vezes, começam nessa tarefa porque não encontram outra possível. Muitos vivem no alcoolismo ou convivem com problemas de saúde mental e não encontram ajuda nem na família. Muitos vêem das ruas das grandes metrópoles. 

Mas, cada vez mais, estas pessoas deixam de vender latinha pra garantir o almoço, e passam a ter um vínculo empregatício com cooperativas e associações de reciclagem, recebendo até um salário adicional dos governos pela importância do que fazem. Garantem sua residência, o estudo dos filhos e o conforto da família. 

Grande parte desta nova realidade, em que o trabalho mais desvalorizado uns anos atrás, se tornou um dos mais comentados da atualidade, se deve a governos como o de Lula. Seu compromisso com os acordos internacionais de enfrentamento à mudança climática, fazem com que os trabalhadores da reciclagem de resíduos sólidos estejam no centro de um debate ambiental.

Vidas transformadas pelo lixo

Durante a ExpoCatadores, promovida pela Associação Nacional de Catadores, o Portal Vermelho conversou com alguns desses profissionais e lideranças que apontaram sua luta contra medidas que visam a dificultar o trabalho das cooperativas por meio da tentativa das empresas de incineração de entrar neste mercado. Associações de Catadores até de outros países da América Latina vieram discutir sua experiência em São Paulo, no Armazém do Campo, do MST.

Depois da pandemia, com a paralisação de cooperativas de reciclagem, elas procuraram o Ministério da Saúde para se infiltrar no mercado da destinação de resíduos sólidos por meio da incineração de lixo hospitalar. Com isso, os catadores lutam contra diversas iniciativas que visam a transferir seu trabalho para empresas privadas, que passariam a lucrar com o que as associações fazem.

Foi a partir de uma legislação de 2010, que Lula sancionou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que definiu a inclusão da categoria na cadeia produtiva da reciclagem, quando ninguém se interessava ou entendia a importância ambiental disso. A lei que garantiu dignidade aos trabalhadores é considerada exemplar na América Latina.

Os catadores defendem um “revogaço” de decretos, entre eles, o de nº 11.044/2022, o Recicla+. São decretos que estimulam a entrada das empresas privadas neste mercado, como um meio de ampliar a reciclagem, em vez de estimular a cadeia de cooperativas e associações que já existem.  Na opinião das lideranças de catadores, essas normas dificultam que as embalagens sejam majoritariamente feitas de materiais reciclados e não obrigam as empresas a optarem por organizações de catadores para a prestação desse serviço. 

Waldomiro

Waldomiro Ferreira da Luz, de61 anos e 35 de catação em Curitiba (PR), é um exemplo da transformação que uma política sólida de reciclagem de lixo pode fazer com populações extremamente vulneráveis da sociedade. 

Sua vida se transformou em Araucária, região metropolitana de Curitiba, em que a prefeitura viu o esforço dele na coleta de materiais e ofereceu, a ele e outros catadores, um barracão, “caso ele parasse de beber”. Foi o estímulo que ele precisava. “Depois que montamos a cooperativa, ainda bebi por uns três meses, mas já estou 30 anos sóbrio. Foi uma conquista muito grande, porque mudou minha vida e hoje posso dizer que formei dez associações de catadores no Paraná”, diz, orgulhoso. 

Ele diz que, hoje, as cooperativas têm regimentos para impedir que as pessoas se alcoolizem durante o trabalho na reciclagem. “E também procuramos sempre ajudar a internar e fazer um tratamento. Eu sou um exemplo para eles”, conta.

No Paraná, ele diz que o Ministério Público do Trabalho contribui para garantir que as cooperativas tenham contrato com as prefeituras. “Na época dos governos Lula e Dilma, nos tínhamos apoio como prensa balança e caminhão, e, hoje, nós só temos o que é resto daqueles governos. Bolsonaro quis foi queimar o nosso dinheiro, pela incineração de materiais recicláveis, que causa ainda mais prejuízos ao meio ambiente”, critica ele. 

Sua esperança com o novo governo Lula vem da experiência anterior, quando tudo que reivindicavam era atendido. Hoje, segundo ele, falta apoio do BNDES, não só para o pessoal da reciclagem, como para a população de rua, também. 

A ExpoCatadores não ocorria por falta desse apoio que havia antes. “É um encontro importante, porque é uma troca de experiência do Brasil inteiro e da América Latina. Cada cidade tem uma história. Esperamos que, daqui pra frente, tenhamos todo ano”, diz ele, animado. Ele aproveitou para anunciar que, em março, já está previsto um Encontro das Mulheres Catadoras de todo o Brasil, no litoral do Paraná. 

Avanços continentais

Leonor

Leonor Larraburu, de 41 anos, esteve na ExpoCatadores representando a Federação Argentina de Recicladores, Carretos e Cartonemos. Ela é recicladora de base, desde 1999, e também trabalha numa planta MRF, a mais avançada para cooperativas de reciclagem, no centro de Saavedra, Buenos Aires. 

Ela também participa como secretária internacional da RedLacre (Rede Latino-Americana de Recicladores), onde se discute um tratado internacional de plásticos para obter melhoras no setor. “Os preconceitos com o trabalho de reciclagem dependem de como o poder público estabelece políticas públicas de apoio. Onde isto está avançado, os trabalhadores são reconhecidos com respeito e dignidade. Na Argentina esses trabalhadores são remunerados”, conta ela.

Ela tem perspectiva de que com Lula as condições de coleta de resíduos sólidos melhore no país. Ela defende que o maior avanço seja a coleta de porta em porta.

A reciclagem 60 anos atrás

Maria Sueli

Maria Sueli da Silva, de 68 anos, é catadora e recicladora de materiais recicláveis em Vespasiano (MG). Em Vespasiano ainda há coleta por carretos, mas também há coleta motorizada pela prefeitura. “Eu gosto de fazer a coleta diretamente, porque somos nós que sabemos como fazer melhor”, enfatiza ela, apesar de liderar uma associação de catadores, onde toda sua família trabalha. 

“Minha profissão vem de família”, diz ela, que começou aos dez anos de idade, em 1964, catando lixo com sua avó. Naquela época, diz ela, que isso era o que sobrava para sua família, mas “agora, é o que tem que permanecer”. “Eu aprendia o que tinha valor no lixo com minha avó, que sustentava a família assim”. 

A repressão da ditadura nesse período era tal que, aos 18 anos, no início dos anos 1970, ela já era militante política do movimento de mulheres, reivindicando para o seu bairro, o Horto, em Belo Horizonte, melhores condições educacionais.

Dona Maria Sueli viu muita coisa mudar no mundo da reciclagem, desde a ditadura militar. “O que mudou de lá pra cá foi a tecnologia. O consumo mudou, aumentando os produtos industrializados e o plástico”, observa. 

Antigamente, ela diz que as mães davam uma sacola para as crianças comprarem os produtos que raramente tinham embalagens, ao contrário de hoje em que as embalagens são transportadas em sacolas plásticas. “O que a gente reciclava naquela época era vidro e sucata de ferro, que é contaminador do lençol freático. O óleo era de banha em lata”, relata. 

Antes se reciclava mais resíduo orgânico, segundo ela, algo que precisa aumentar, hoje em dia. O óleo tem portaria e é reciclado, mas outros restos de alimentos, não. Mas tudo é reciclável, na experiência dela: madeira, alimentos, vidro, plástico, metais, tudo!

Sua maior preocupação, hoje, é com a lei que tramita para incinerar material reciclável, que significa deixar milhares de famílias sem ter o que comer, de acordo com ela. “O que eu espero desse governo, agora, é ‘incineração não’ e investimento nos catadores e no segundo setor que são nossos compradores da indústria de transformação”, afirma.

Lula nos representa

Tatiane com amiga

Tatiane Almeida dos Santos, de 36 anos, é filha de dona Maria Sueli, e começou a catar lixo com a mãe debaixo de um pé de manga. Ela conta que, depois, a prefeitura de Vespasiano abriu um galpão e reuniu todas as associações. 

“Já foi o tempo em que se catava lixo pra comprar drogas e álcool. Lixo é dinheiro e gera renda. A gente já consegue morar, estudar e fazer tudo que outro trabalhador assalariado faz”, afirma Tatiane. Ela conta que consegue tirar mais que o salário mínimo, e ainda recebe uma ajuda da Prefeitura para o trabalho. Fora as parcerias, como o Carnaval da Ambev, que permitiu que os trabalhadores sobrevivessem na pandemia. “Eu tenho muito orgulho de ser uma catadora e recicladora”. 

“Eu entendo que a gente elegeu uma pessoa que vai representar a gente no governo”, diz ela, aguardando ansiosa a chegada de Lula. “Eu defendo a democracia, porque vejo que países como o Catar, onde ocorre a Copa do Mundo, luta para ter a democracia que a gente já tem”, reflete ela. 

Mas ela também observa que, desde o governo Temer (2016-2018) que tudo está mais difícil. As prefeituras pedem documentos a mais para dificultar a situação das associações. “Tenho visto catador que não consegue mais encontrar meios adequados de se alimentar”. 

Tatiane é evangélica e fez um discurso emocionado no palco da ExpoCatadores, falando de como lutou contra os preconceitos contra Lula na igreja. Ela gosta de refletir sobres os motivos que levam as pessoas ao abandono nas ruas e ao vício. 

“Observo que as pessoas que estão na pior situação na rua, geralmente é por motivos psicológicos, pois são engenheiros, advogados, dentistas, que se envolvem com crack e vão pra rua. A gente se dirige a eles com o alimento espiritual, mas eles precisam também do alimento material. Mas o que o poder público precisa oferecer é o tratamento psicológico e a reaproximação com suas famílias”, conclui ela. 

(por Cezar Xavier)