Revanchismo bolsonarista quer extinguir Comissão sobre Mortos e Desaparecidos
Às vésperas de seu término, o governo Bolsonaro resolveu tomar mais uma decisão que reforça seu caráter destrutivo e revisionista: o encerramento dos trabalhos realizados há 27 anos pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que busca jogar luz sobre o que ocorreu com as vítimas dos crimes cometidos durante a ditadura militar, período dos mais obscuros e sanguinários da história nacional, mas defendido e celebrado pelo atual presidente.
Desde pelo menos 2020, o encerramento do órgão estava nos radar da atual gestão, que investiu em seu esvaziamento enquanto existisse. Em junho de 2022, reportagem do jornal O Estado de S.Paulo revelou que o término das atividades estava previsto para ser tratado em reunião no final daquele mês pelo presidente Marco Vinícius Pereira de Carvalho, advogado bolsonarista e simpatizando do regime militar. Mas, após contestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e do Ministério Público Federal (MPF), a Comissão foi mantida.
Agora, Carvalho voltou a convocar reunião extraordinária para a próxima quarta-feira (14), quando será feita a análise e votação da extinção do órgão.
O processo de esvaziamento da Comissão teve como um de seus principais capítulos a exoneração da sua então presidenta, Eugênia Augusta Gonzaga, procuradora regional da República, ainda em 2019.
Na ocasião, em artigo publicano no El País, Eugênia apontou: “As exonerações sumárias efetivadas por Bolsonaro foram cruéis com as pessoas e comunidades que dependiam desses órgãos, que hoje se sentem expostas e apreensivas. No caso da Comissão sobre Mortos, temos recebido todos os dias manifestações sofridas de familiares preocupados com a preservação de restos mortais, de amostras genéticas e com o uso indevido de seus dados íntimos e privados. Para dizer o mínimo, é cristalino que estes atos vingativos do presidente da República são incompatíveis com o princípio da moralidade administrativa, cuja defesa pode ser feita em ações civis e até em ações populares”.
A CEMDP seguiu existindo desde então, porém desidratada devido à posição abertamente autoritária e revanchista de Bolsonaro e seus apoiadores, e por consequência, sem cumprir seu papel precípuo.
Uma olhada no site do órgão mostra sua baixíssima e burocrática atividade, que parece ser mantida apenas para “cumprir tabela”; da mesma forma, o noticiário revela a falta de resultados sobre os trabalhos que deveriam seguir sendo feitos, uma vez que, de acordo com a Comissão Nacional da Verdade, há ao menos 434 mortos e desaparecidos, cujo paradeiro segue até hoje desconhecido por seus familiares.
Conforme a Lei 9.140, de 04 de dezembro de 1995, que institui a Comissão, estão entre suas atribuições proceder ao reconhecimento de pessoas desaparecidas ou mortas pela ação de agentes do Estado; envidar esforços para a localização dos corpos e emitir parecer sobre os requerimentos relativos a indenização que venham a ser formulados.
Crítico do fim da CEMDP, o ex-presidente da Comissão de Anistia nos governos Lula e Dilma, Paulo Abrão Pires Júnior disse ao Estadão que “estamos falando de crimes cuja reivindicação de reparação é imprescritível de acordo com as normas internacionais as quais o Brasil tem o dever de seguir”.