Marinha japonesa em parada militar (Kazuhiro Nogi/AFP)

“O Japão deve refletir seriamente sobre sua história de agressão e exercer moderação e prudência nos campos militar e de segurança para não trair ainda mais a confiança de seus vizinhos asiáticos e da comunidade internacional”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, na terça-feira (27).

A declaração foi em resposta à adoção pelo governo japonês na semana passada de um orçamento de defesa recorde de 6,82 trilhões de ienes (US$ 51,2 bilhões) para o ano fiscal de 2023, um aumento de 26,3% em relação ao orçamento atual de US$ 40,6 bilhões, assim como ao anúncio de Tóquio de que o gasto militar japonês irá dobrar em cinco anos, para US$ 80 bilhões.

A China está preocupada com o aumento “significativo” no orçamento de defesa do Japão, assinalou o porta-voz. O lado japonês aumenta as tensões na região para buscar um avanço em seu próprio poderio militar, o que é um “movimento perigoso que faz com que seus vizinhos asiáticos e a comunidade internacional questionem fortemente se o Japão é sincero em sua adesão à defesa exclusiva e seu compromisso com o caminho do desenvolvimento pacífico”, acrescentou.

SOB ORDENS DE WASHINGTON

Ao dobrar o gasto militar como porcentagem do PIB para 2%, na prática Tóquio está pondo em execução à ordem de Washington, já em vigor na OTAN, que em sua cúpula de julho definiu China e Rússia como “ameaças” e chamou a se preparar para “confronto de grandes potências”.

A revisão adotada pelo governo Kishida implica na violação da constituição pacifista, ao abandonar o princípio “exclusivamente voltado para a defesa”, passando a permitir a participação, ao lado dos EUA, em “ataques preventivos” e ao reestruturar sua força armada para incluir uma força de mísseis de 1000 km de alcance, cinco vezes mais que o patamar atual de 200 km – inclusive, mísseis hipersônicos.

“O país, que antes não gastava mais de 1% do PIB na esfera militar, decidiu dobrar”, saudou a revista norte-americana Foreign Affairs. O que tornará o Japão o terceiro país do mundo com maior gasto militar, atrás apenas dos EUA e da China, e ultrapassando a Índia, a Arábia Saudita e as grandes potências europeias.

No entanto, existe dento do Japão uma enorme repulsa popular sobre tal volta a trilhar os caminhos da insânia belicista. O que é fruto do horror provocado pelo ataque nuclear a Hiroshima e Nagasaki e pelo bombardeio de Tóquio, assim como de certa percepção da barbárie cometida pelos fascistas imperiais contra os povos asiáticos.

Atsushi Koketsu, ex-vice-presidente da Universidade de Yamaguchi, alertou que os três documentos de segurança representam uma grande mudança na política de defesa do Japão, abrindo mão do conceito de “defesa exclusiva” e decidindo implementar uma “estratégia de ataque preventivo”. Sem dúvida, isso representará uma grande ameaça aos países do Leste Asiático como um tipo de “novo militarismo”, disse Kotetsu.

Em um editorial, o jornal japonês Tokyo Shimbun ressaltou que o Artigo 9 da Constituição Japonesa renuncia à guerra e proíbe a posse de forças militares e outros “potenciais de guerra”, sob os quais foi formulada a política de defesa do Japão no pós-guerra. Com base na reflexão de que o Japão trouxe grande desastre para o povo da região da Ásia-Pacífico, as Forças de Autodefesa estão equipadas apenas para defesa nacional e não possuem armas ofensivas, o que também é uma promessa de que o Japão não será mais um poder militar. Os três documentos [da ‘revisão’] farão com que o Japão se desvie seriamente da trilha de um país pacifista do pós-guerra.

O jornal Mainichi Shimbun questionou em editorial que, no contexto de uma economia estagnada, o povo japonês não consegue entender o motivo do pesado fardo trazido pelos enormes custos de defesa. Adquirir capacidades de contra-ataque não protegerá o Japão. O Japão deve se comunicar com os países vizinhos, comprometer-se com o gerenciamento de armas e aliviar as tensões regionais por meio da diplomacia, enfatizou.

Sobre essa reformulação da política de segurança do Japão, que tem como pretexto a ‘ameaça chinesa’ ou ‘a questão de Taiwan’, “o sinal que emite é, sem dúvida, muito perigoso”, observou o jornal Global Times.

Para o GT, a “insegurança” demonstrada pelo Japão é em grande parte encenada para encontrar desculpas para o afrouxamento das restrições ao seu poderio militar.

LESTE ASIÁTICO

A publicação adverte que cada ponto que o Japão avança nessa direção “implica a fratura do padrão de segurança em toda a região do Leste Asiático”, lembrando que “13 de dezembro foi o 85º aniversário do Massacre de Nanjing” [quando 300 mil civis chineses foram assassinados].

“Mas neste dia, dos políticos à mídia no Japão, quase toda a atenção deles foi colocada na discussão sobre a expansão de armas e os preparativos para a guerra, o que é muito irônico. Este passo não é apenas errado, mas também perigoso. Usar isso para orientar a estratégia de segurança nacional definitivamente levará o Japão a uma deriva perigosa e à barbárie, e o final é um enorme vórtice escuro. Aconselhamos o Japão a ir com calma”.

Um conselho pertinente tendo em vista a escala da matança cometida pelos fascistas japoneses – com os criminosos de guerra classe A ainda sendo regularmente venerados pela elite japonesa -, com dezenas de milhões de asiáticos mortos sob massacres, trabalhos forçados, fome e até mesmo horripilantes experimentos de guerra biológica.

O GT assinalou que até mesmo o Yomiuri Shimbun, de direita, disse que, nas relações internacionais, chamar um país de “ameaça” é, na verdade, declará-lo um inimigo. Não é difícil descobrir que as autoridades japonesas estão cada vez mais inclinadas a tratar a China como uma “ameaça” em ações reais, acrescenta a publicação de Pequim.

É como adverte o GT: “se você tratar a China como uma ‘ameaça’, na verdade você se tornará uma ‘ameaça’ para a China e, por sua vez, a China realmente se tornará uma ‘ameaça’ para você. O Japão está criando um círculo vicioso insano”.

O Global Times registrou que os documentos estratégicos relevantes do Japão ao longo dos anos mostraram um claro processo de escalada em relação à China: de “preocupação” para “séria preocupação” e de “grave preocupação” para “o maior desafio estratégico”.

Em contraste – assinalou -, a política da China em relação ao Japão não mudou. O importante consenso de que os dois países devem “ser parceiros, não ameaças” foi claramente escrito no quarto documento político entre a China e o Japão e foi repetidamente confirmado nas reuniões entre os líderes dos dois países.

Em paralelo, nos últimos dias antes do recesso de final de ano, o Congresso dos EUA aprovou um orçamento recorde para o Pentágono de US$ 858 bilhões, o que já traz embutidos US$ 45 bilhões para a guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia “até o último ucraniano” e ainda US$ 10 bilhões para a provocação contra a China em Taiwan.

O que mereceu os aplausos de um deputado republicano de Wisconsin, Mike Gallagher, por considerar que o orçamento militar deste ano “dá passos concretos na preparação para um futuro conflito com a China, investindo no hard power americano, fortalecendo a postura americana no Indo-Pacífico e apoiando nossos aliados”. Em um comunicado à imprensa, ele elogiou o fato de que o projeto de lei “fornece autoridade para armar Taiwan, semelhante a que temos na Ucrânia”.

Em última instância o que a exacerbação dos gastos militares do clube de países colonialistas revela é o pânico diante do mundo multipolar que se avizinha e a visível falência da ordem global unipolar “sobre regras” do Pentágono e do dólar.

Papiro

(BL)