Projeto de destruição de Bolsonaro instala o caos na saúde 
Enfrentar uma pandemia do porte da de Covid-19 vivendo sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) foi uma prova de fogo para a população — sobretudo a mais vulnerável — e para o próprio Sistema Único de Saúde (SUS). Afinal, como se não bastasse todo o impacto trazido pelo coronavírus, foi preciso sobreviver à onda de desinformação, de posições anticiência e, pior e mais grave, de uma gestão que não apenas ignorou a gravidade do momento como jogou a favor do vírus, amplificando os impactos da doença sobre o país que tem 3% da população mundial e concentrou 11% das mortes pela doença. Hoje, são mais de 692 mil óbitos.
O resultado é que a saúde sai desses quatro anos como uma das áreas mais combalidas pela irresponsabilidade bolsonarista, precisando de maiores cuidados para que seja possível refazer o que foi destruído e atender às necessidades de um povo que enfrenta múltiplos problemas decorrentes, inclusive, do aumento da pobreza e da desnutrição, da falta de saneamento e do excesso de agrotóxicos, do descaso com os cuidados básicos desde o nascimento até a terceira idade promovidos pelo atual governo.
Para enfrentar o caos — inclusive no quesito “negligência de dados e informações”— ao final de seus trabalhos, o equipe dedicada ao tema elencou as prioridades emergenciais para serem encaminhadas nos primeiros cem dias de governo.
Para tanto, o conjunto de medidas estabelece fortalecer a gestão e a coordenação do SUS; reestruturar o PNI (Programa Nacional de Imunização) para recuperar as taxas vacinais; fortalecer a resposta à Covid e a outras emergências; reduzir as filas para especialistas com melhorias nas redes especializadas; fortalecer a política nacional de atenção básica, bem como da saúde da mulher, da criança e do adolescente; provimento de profissionais de saúde; melhorar a saúde indígena; resgatar o programa Farmácia Popular e a assistência farmacêutica no SUS; restabelecer o desenvolvimento do complexo econômico e industrial da saúde e atuar nas questões relacionadas à informação e à saúde digital.
Descaso com a Covid
Estes são apenas alguns dos primeiros e mais urgentes passos. Porque a radiografia da gestão Bolsonaro mostra um quadro desolador, que demandará muito tempo, trabalho e investimento para ser revertido. Ao analisar os últimos anos, fica claro que não foi apenas a incompetência o motivo para o caos que se instalou; houve ações (ou a falta delas) resultantes de interesses e visões políticas conflitantes com o interesse público.
Um exemplo dessa politização insana foi a suspensão da compra da Coronavac, em outubro de 2020. “Já mandei cancelar, o presidente sou eu”, disse Bolsonaro um dia após o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello ter anunciado a aquisição de 46 milhões de doses. Naquele momento, era mais importante para o presidente desviar os holofotes do então governador de São Paulo, João Dória, do que salvar vidas.
Ainda no que diz respeito à pandemia, o epidemiologista Pedro Hallal declarou ao jornal Valor Econômico que “foi a primeira vez na história que o Ministério da Saúde adotou postura anticiência. A primeira em que o Estado trabalhou contra vacina. E a primeira em que as autoridades adotaram o conflito como estratégia de gestão”.
Decorrem daí a ausência de campanhas para o uso de máscaras e para o respeito ao distanciamento social; a falta de investimento federal para propiciar atendimento adequado, inclusive em momentos graves como o enfrentado em Manaus; o estímulo ao uso de remédios ineficazes; o escárnio com a dor dos milhares de brasileiros enlutados; o atraso e as denúncias de corrupção relativas à compra de vacina, como mostrou a CPI da Covid; o desencorajamento deliberado à imunização com a propagação de todo tipo de mentira e uma série de outros absurdos somente vistos no país durante a “era Bolsonaro”.
Terra arrasada
Além de desestimular a vacinação contra a Covid, o governo Bolsonaro cometeu outra façanha: a de destruir o Programa Nacional de Imunização, que já foi exemplo internacional e que possibilitou a erradicação de doenças como a poliomielite.
O Valor Econômico lembra que “a Organização Pan-Americana de Saúde alertou sobre o ‘risco muito alto’ de reintrodução poliomielite no país; 2013 foi o último ano com 100% de cobertura vacinal. Desde 2016, a taxa está abaixo de 90%. Em 2021, caiu para 70,9%. Agora, 66,7%. A tríplice viral D1, contra sarampo, caxumba e rubéola, teve cobertura total pela última vez em 2014. Caiu para 74,7% em 2021, 71,8% neste ano. A BCG, para proteger da tuberculose, regrediu de 100% (2015) para 74,5%”.
Outro dado que mostra o abalo que Bolsonaro causou na saúde diz respeito ao aumento da mortalidade materna, que teve recorde de quase 75 óbitos por 100 mil nascidos vivos, índice que era de 59,3 há uma década. Da mesma forma, aumentou o número de internações de bebês vítimas da desnutrição. Levantamento da Fiocruz apontou que 2021 teve o pior índice dos últimos 13 anos. “Em média, oito crianças com menos de um ano foram hospitalizadas por desnutrição a cada dia (113 internações para cada 100 mil nascidos vivos). Um novo recorde deve ser batido, já que, até agosto, a rede pública registrava aumento de 7% na taxa”, lembra o jornal.
Para piorar, segundo a análise feita pela equipe de transição, o Brasil vai amargar um prejuízo de R$ 2 bilhões gastos em vacinas contra a Covid, que vão vencer no início de 2023. Outros R$ 243 milhões serão jogados fora com a perda de validade de 22 milhões de itens entre ampolas e remédios.
Tudo isso poderia (e deveria) estar sendo usado pela população, mas não está por total falta de gestão do atual governo. Este, aliás, é apenas um dos reflexos do apagão de dados verificado pela transição na pasta da Saúde. “Eles não sabem dizer quantas vacinas contra a covid foram distribuídas para Estados e municípios, ou qual o prazo de validade das doses que estão em estoque”, declarou o ex-ministro da área, Arthur Chioro, coordenador do GT de Saúde da transição.
Vale destacar que o governo fez cortes bilionários dos recursos para a saúde — R$ 22 bilhões apenas no orçamento de 2023 — prejudicando programas como o Farmácia Popular, o tratamento da Aids e a prevenção ao câncer. Além disso, entre 2018 e 2022, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde, o teto de gastos impôs perdas de quase R$ 37 bilhões.
“Falam que o governo foi incompetente, mas ele foi extremamente competente na destruição do Ministério da Saúde. É terra arrasada, mesmo! Não estou diminuindo milímetro, foi um projeto de destruição”, resumiu Chioro.