Peruanos tomaram as ruas e estradas do país por eleições imediatas (AFP)

O plenário do Congresso do Peru aprovou na última terça-feira (20) a proposta apresentada pela Comissão de Constituição, adiantando as eleições gerais para abril de 2024, em contraposição ao pleito popular de 2023, como exigido pelos manifestantes.

Enquanto isso, até o momento, a repressão aos protestos já tirou a vida de 27 inocentes.

Após duas horas de debate relâmpago, a iniciativa da bancada ligada ao fujimorismo obteve 93 votos a favor, 30 contra – da oposição composta pelo partido Peru Livre e outras bancadas progressistas – e uma única abstenção.

Os parlamentares do Peru Livre afirmaram ter votado pela antecipação para 2023 e a convocação do referendo popular por uma nova Constituição, já que é imprescindível sua modificação, particularmente no item referente aos “contratos-leis” – os contratos cadeados – que mantêm as privatizações/desnacionalizações dos setores estratégicos e a jurisdição sob eventuais conflitos no estrangeiro.

Para agravar a situação, o novo gabinete ministerial nomeado por Dina Boluarte – empossada após o frustrado autogolpe do presidente Pedro Castillo – tem com chefe o ex-ministro de Defesa, Alberto Otárola, denunciado pelo apoio “incondicional” à repressão com os já mencionados 27 mortos e centenas de feridos. Além disso, Boluarte precisou nomear novos ministros da Educação e da Cultura, depois que os dois renunciaram por condenar a brutalidade governamental.

Deixando claro a que veio, Otárola reiterou apoio público à repressão aos opositores que clamam por liberdade e democracia, acentuando o discurso de criminalização dos protestos e continuidade dos disparos contra vítimas indefesas. Afinal, justificou, “recebemos o mandato para restaurar totalmente a ordem interna”.

Para a congressista Silvana Robles, do Peru Livre, o gabinete recém-empossado representa “um tributo ao crime e à impunidade”. “Como ministro de Defesa, Otárola foi o porta-voz da ameaça prepotente, a violência repressiva e o autoritarismo antidemocrático. Ele tem culpas a pagar”, frisou.

“Declarar Estado de Emergência e toque de recolher no país com uma política autoritária em resposta ao clamor social, bem como a nomeação de Otárola como presidente do Conselho de Ministros, e policiais e militares como ministros do Interior e da Defesa, é a ratificação de uma política ditatorial, explicou Jorge Pizarro, dirigente nacional do Movimento Novo Peru e integrante da Assembleia Nacional dos Povos – que reúne partidos progressistas e movimentos sociais.

Liderança do partido de Verónika Mendoza, Pizarro defende que o clamor popular “exige respostas políticas e não ações repressivas. “A maior mobilização social dos últimos 20 anos está sendo respondida de maneira infame, com uma cruel repressão, e a as mortes de 27 jovens cidadãos demonstra que não existe vontade política de atender as reivindicações, mas somente de seguir disparando contra o povo”, condenou.

Por outro lado, a nomeação do coronel do Exército Juan Carlos Liendo O’Connor para a chefia da Direção Nacional de Inteligência (DINI) fala por si, alertam. Identificado pelas suas relações com Vladimiro Montesinos e Alberto Fujimori – genocidas, presos por crimes de lesa-humanidade e condenados a mais de 25 anos de prisão -, O’Connor atuou no Serviço Nacional de Inteligência (SIN), nas entranhas da ditadura fujimorista entre 1991 e 1998, e sustenta que tudo o que está acontecendo no país é uma “insurgência terrorista”.

O atual chefe do DINI vincula qualquer reivindicação popular ao terrorismo na tentativa de deslegitimá-la. “Se você quer abordar os eventos que estamos vendo como um conflito social, estamos em um erro total. No Peru não há conflitos sociais. São exercícios de violência com uma agenda política muito clara: a Constituinte, a renúncia de Boluarte e o fechamento do Congresso”, disse.

Também extremamente criticada, a ministra das Relações Exteriores, Ana Cecilia Gervasi, foi ratificada após expulsar o embaixador mexicano em Lima, contrariada pelo asilo concedido pelo país à esposa e aos dois filhos do ex-presidente Pedro Castillo, que continua detido. Os familiares já se encontram seguros no México, onde o presidente López Obrador rechaçou a expulsão “arbitrária” do diplomata.

Em entrevista ao jornal Página/12, Fernando Tuesta, cientista político da Universidade Católica do Peru, avalia que, “sem dúvida, a questão da repressão joga contra Otárola, que não chega limpo, mas com problemas com os falecidos” e que “as responsabilidades pelas mortes devem ser apuradas”.

Embora Tuesta aprove a data de abril de 2024 para as eleições, reconhece que existe o risco de a população reagir nas ruas, mobilizada, pois pode encarar este mandato como muito longo. “O descrédito do Congresso é tão grande que dar vida a ele por mais um ano e meio é um problema. Mas tenho a impressão de que ter uma data já definida para as eleições, a que se juntam alguns dias antes do Natal e do Ano Novo, ajuda a descontrair e a baixar a tensão”.

Papiro

(BL)