Grossman acusa Netanyahu de destruir “a mais frágil das democracias do Oriente Médio” (Reprodução)

“Como já aconteceu mais de uma vez na história, sob a cobertura de eleições democráticas, Netanyahu planta as sementes do caos, ódio e violência”, denuncia o escritor David Grossman, um dos mais premiados entre os israelenses.

“São sementes do caos, do vazio e da desordem contra as instituições vitais de Israel”, prossegue Grossman no seu artigo publicado nesta quarta-feira (28) pelo jornal israelense Haartez.

O escritor destaca que aquilo que está em curso não se trata apenas da promulgação de novas leis “por mais ultrajantes que sejam”, mas uma “mudança profunda no caráter mesmo do Estado, uma mudança na identidade” e, enfatiza, “não foi para isso que os israelenses foram chamados a votar”.

“Durante todo o processo de negociações para formar o novo governo, um verso do livro bíblico de Isaias percorreu minha mente: ‘Ai daqueles que chamam o mal de bem e o bem de mal, dos que trocam o escuro pela luz e a luz pela escuridão; que mudam o amargo em doce e o doce em amargo’”.

Ele qualifica “as negociações, que mais de perto nos lembraram uma farra, um saqueio”, ao denunciar que elas permitirão, entre outros absurdos, ao esganado assaltante de terras palestinas, Bezalel Smotrich, ter poder de polícia e supervisão sobre os territórios palestinos, ou ao criminoso já condenado por uma série de transgressões e ultra-religioso, Aryeh Dery, ocupar cargo ministerial, ou ao fanático, sucessor do proscrito rabino Meir Kahane, transformar a polícia israelense dentro de Israel e nos territórios em sua milícia. “Tudo aconteceu muito rápido, como em um piscar de olhos”.

Ele segue apontando o abismo que se abre, depois de mais de meio século de ocupação da Palestina, de permeio com o assassinato do dirigente Itzhaq Rabin, aquele que se lançou com convicção à paz.

“Sabemos que alguém está nos enganando neste exato momento. Que alguém está embolsando não só o nosso dinheiro, mas o nosso future e o de nossos filhos”, diz Grossman.

Ataca “a existência que queríamos construir aqui – um Estado onde, apesar de suas falhas, insuficiências e pontos cegos – víamos como possível de se tornar um país civilizado, igualitário, um que tivesse o poder de absorver contradições e diferenças, um que, com o tempo, atuaria de forma a se libertar da maldita ocupação da Palestina, e que assim pudesse brilhar”.

“Um país que pudese ser judaico, tanto crente como secular, uma potência no terreno da alta tecnologia, que pudesse ser, ao mesmo tempo, tradicional e democrático, e também um bom lar para suas minorias. Um Estado de Israel onde a multiplicidade de dialetos humanos e sociais não necessariamente criasse medos e ameaças mútuas e racismo, mas que, ao contrário, nos levasse à fertilização cruzada e ao florescimento”, diz ainda.

“Agora”, lamenta o escritor, “que a poeira da tempestade baixou, depois que as dimensões da catástrofe foram reveladas, Benjamein Netanyahu pode estar dizendo a si próprio que depois de haver semeado o caos atingiu seus objetivos e vai se dar conta de que do lugar até onde nos trouxe – destruindo o sistema legal, a polícia, a educação e qualquer coisa que emitisse um simples bafejo de ‘esquerda’ – não há retorno”.

Depois disso, não será possível eliminar ou mesmo domar o caos que está criando. Já são tangíveis o caos e medo que se tornam realidade e penetram nas almas das pessoas que começam a vivenciar ou viveram em seus anos anteriores de governo.

“Eles estão aqui. O caos está aqui, com toda sua força sugadora, o ódio interno está aqui. O assalto mútuo está aqui, assim como a cruel violência em nossas ruas e estradas, em nossas escolas e hospitais. As pessoas que chamam o mal de bem e o bem de mal estão aqui”.

“A ocupação também, evidentemente, não terminará em um futuro que se possa avistar; está mais forte do que todas as forças agora atuantes na arena política”.

“A boca escancarada da anarquia desnuda suas presas sobre a mais frágil das democracias do Oriente Médio”, finaliza Grossman.

Papiro

(BL)