No momento em que a bandeira do arco-íris protagoniza os momentos mais politizados e dramáticos da Copa do Mundo do Catar, ela também passa por uma grande transformação. No Brasil, a nova insígnia foi apresentada na 27ª Parada do Orgulho LGBTQIAP+ de Copacabana, ocorrida no dia 27 de novembro. O novo design agora inclui as cores e o símbolo que representam as pessoas intersexo – o amarelo e o roxo; as pessoas trans – o branco, o rosa e o azul; e a luta antirracista – o marrom e o preto.

No dia da Parada do Rio de Janeiro foi estendida na avenida Atlântica, a bandeira de 124 metros do Grupo Arco-Íris, que organiza a manifestação. Mas o arco-íris ainda é dominante nas Paradas e manifestações pelo mundo, até que se troquem os panos. As pessoas transsexuais são aquelas que não se adequam ao gênero que lhes foi imposto desde o nascimento, enquanto pessoas intersexos são aquelas que nascem com elementos biológicos de ambos os gêneros.

Em 2018, o designer Daniel Quasar, natural de Portland, nos Estados Unidos, criou uma alternativa de bandeira que já incluía os símbolos trans e do movimento pela igualdade racial. Sua proposta gráfica deixou de ser apenas composta de listras horizontais para incluir linhas verticais em forma de setas direcionais. Em 2021, Valentino Vecchietti, designer ítalo-britânica, atualizou a versão de Quaser com a gravura do orgulho intersexo.

Movimento inclusivo

O militante histórico LGBT+, fundador de organizações do movimento, Toni Reis, explicou ao PCdoB, que a mudança representa o “movimento” para a frente que sempre move a comunidade e suas lutas. Esse “movimento” está expresso desde as letrinhas que formam a identidade flutuante e diversa, sempre disposta a incluir mais alguém. O próprio sinal de “+” é uma forma de demonstrar que, enquanto alguém quiser ser incluído na sigla, haverá espaço.

Mas o que motivou a mudança na bandeira, foi o debate sobre interseccionalidade, o modo como várias lutas atravessam cada indivíduo do movimento. “O ser humano é conservador e valoriza suas tradições, mas eu sou favorável a esta mudança esta inclusão das identidades de gênero trans, as questões biológicas das pessoas intersexos e a luta antirracista.” 

Toni Reis

Para o militante do Grupo Dignidade e da Aliança Nacional LGBT+, o acréscimo do marrom e do preto permite um diálogo importante com o movimento de negros e negras, na medida que as pessoas LGBT+ também são atravessadas por preconceitos e discriminações raciais. “Mostra que não estamos só preocupados com a orientação sexual e a identidade de gênero, mas contribui para aumentar a parceria com os movimentos de luta contra o racismo”, afirmou.

Até meados da década de 1990, se falava em movimento GLT, quando se percebeu a importância de valorizar as mulheres lésbicas na frente da luta. A primeira disputa interna por inclusão na sigla partiu das pessoas bissexuais em conferências internacionais. De lá pra cá, sempre houve a percepção de que, mesmo carregando a bandeira do arco-íris, muitas pessoas ainda são racistas, machistas, lesbofóbicas ou transfóbicas. 

Toni diz que sempre se sentiu contemplado pelas cores do arco-íris, mas ele é um homem branco e cisgênero, que está sempre ouvindo e compreendendo as lacunas do debate interno para que cada “letrinha” aprenda a se respeitar, também no âmbito do movimento. 

“Pessoalmente, também acho que, um dia, a gente não precise das letrinhas para nos autoidentificar. Vamos chegar a uma competência cultural que nos tornará todos considerados seres humanos dignos de respeito”, diz Toni.

Ele salienta, no entanto, que, embora as instâncias nacionais e internacionais do movimento tenham discutido a iniciativa da nova bandeira, aprovado e passado a usar, há setores minoritários que discordam. 

“Os dois estão corretos em suas motivações, as pessoas podem utilizar, podem não gostar da estética, mas não é obrigatório. Não tem um decreto sobre a bandeira. O que queremos é que todas as pessoas se sintam incluídas, afinal é uma bandeira mais progressista e inclusiva”, concluiu. Apesar das ponderações, a bandeira já viralizou e tem sido bem recebida na comunidade por todo o mundo.

Parada LGBT+ em Nova York traz a nova versão da bandeira. Foto: Don Pollard/Office of Governor Kathy Hochul

Arco-íris

Grande símbolo do movimento LGBTQIA+, a bandeira do arco-íris foi lançada em 1978, desenhada por Gilbert Baker, para o Dia de Liberdade Gay de San Francisco, na Califórnia, nos Estados Unidos. A data é considerada a percursora das paradas atuais.

O MoMa (Museu de Arte Moderna de Nova York) adquiriu uma dessas primeiras bandeiras para a sua coleção de obras e a apresenta como poderoso marco histórico do design. A bandará confeccionada no Rio de Janeiro é considerada a maior do mundo com seus 124 metros de avenida Atlântica.

A mudança também é uma forma de reconhecer que o movimento do orgulho se originou graças a ativistas trans negras como Marsha P. Johnson, que notoriamente lutou contra a polícia no Stonewall Inn em junho de 1969. Os membros do motim de Stonewall eram principalmente pessoas pretas, e muitas eram trans, as mais agredidas pela polícia. O Movimento Vidas Pretas Importam (Black Lives Matter) também ampliou o debate racial na sociedade.

A transmulher Monica Helms foi a criadora da bandeira do orgulho trans, em 2000. Tradicionalmente, as cores rosa e azul são usadas para representar se um bebê é menino ou menina. A cor branca representa pessoas que estão em transição, intersexo ou se identificam fora do binárismo de gênero.

Disputa ocidental

A ocorrência da Copa do Mundo da FIFA no Catar foi considerada uma polêmica, muito cedo, devido as restrições culturais e ideológicas impostas pela teocracia islâmica naquela país árabe. Como na Rússia, que é um país de maioria cristã, o Catar também proíbe manifestações pró-movimento LGBT+, sujeitas a penalidades da lei. 

Isso acabou se tornando um tema que politizou as críticas ao evento esportivo e contribuiu para difundir a imagem da bandeira do arco-íris pelo mundo. Algo que poderia passar desapercebido, como algo inconveniente e desrespeitoso com a religiosidade local, acabou se tornando a grande bandeira política, por culpa exclusiva da FIFA e do governo catariano.

A insistência da monarquia absolutista em implicar com as cores do arco-íris chegaram ao patamar do patético, com pessoas sendo abordadas pela polícia por terem em suas roupas algo que lembrasse as tais cores. Uma das situações que chamou a atenção no Brasil, foi o pernambucano que teve a bandeira de seu estado confundida por conter um arco-íris de três cores. 

Depois de inúmeros incidentes ridículos, como o jornalista impedido de entrar não estádio por ter uma camiseta com um arco-íris, o governo que se orgulha de ser hospitaleiro acabou liberando o uso do símbolo, deixando de cometer as abordagens policiais contra os turistas. Desde então, até agentes de governos ocidentais têm usado a braçadeira One Love ao lado de autoridades catarianas.

Seleções da Europa ameaçaram entrar em campo com braçadeiras nas cores do arco-íris em manifestação contra a homofobia, mas foram impedidas pela Fifa. A entidade ameaçou punir demonstrações sobre o tema e lançou braçadeiras de capitão oficiais, impedindo versões personalizadas pelas equipes.

(por Cezar Xavier)