Militares querem ordem para dispersar acampamentos
Os comandantes de unidades militares cercadas por manifestantes bolsonaristas já se preparam para dispersar os acampamentos assim que o novo presidente assumir o cargo, em 1º de janeiro. Pequenos grupos financiados por empresários mantém, há meses, estruturas montadas em frente a quartéis para defender a anulação da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo reportagens da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo, há uma expectativa neste sentido, sinalizada por patentes superiores das Forças Armadas, que estão em contato com o futuro ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Os episódios de violência ocorridos em Brasília na segunda (12), após a diplomação de Lula, reforçaram esta necessidade. O atual chefe das Forças Armadas, Jair Bolsonaro, não se pronuncia sobre os distúrbios, o que incentiva os extremistas com seu silêncio.
Os oficiais-generais que assumirão Exército, Marinha e Aeronáutica já foram selecionados por Monteiro, que conversou com o atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. A conversa ocorreu nesta terça-feira (13). Além de Oliveira, participaram da reunião integrantes da alta cúpula da Defesa, como o secretário-geral Sérgio José Pereira, e o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general Laerte de Souza Santos.
Os novos comandantes militares, general Julio Cesar de Arruda (Exército), almirante Marcos Olsen (Marinha) e o brigadeiro Marcelo Damasceno (Aeronáutica) tinham uma agenda prevista com o presidente eleito nesta quarta-feira (14), logo após o encontro entre Múcio Monteiro e a gestão atual.
Desconforto e resistências
Uma fonte ligada às Forças Armadas falou ao Portal Vermelho e confirmou o enorme desconforto de comandos de quartéis com a situação dos acampamentos. Mas ele tem segurança de que o novo governo está tratando o tema com toda a delicadeza e cuidado que exige. “Com a divisão social que se explicitou na eleição, não é possível, conveniente, nem adequado, que um dos lados tome uma posição de força em relação a outra. Por isso, a sensibilidade de escolher o personagem que será o ministro da Defesa, nomear os comandantes mais antigos para chefiar as Forças Armadas”, diz ele.
Há desconforto entre os militares, dado que os três comandantes ainda no cargo assinaram nota, logo após a eleição, dizendo que os atos eram legítimos e criticando a “perseguição do Judiciário” contra bolsonaristas. Na carta, expressam apoio às manifestações, desde que não ocorram “excessos”, embora tenham ignorado o clamor por um golpe militar. “O Brasil inteiro olhou com péssimos olhos o que houve em Brasília. O próprio campo do bolsonarismo tenta se desvincular da balbúrdia falando em infiltrados de esquerda”, afirma o entrevistado.
Teria havido orientação para não haver nem repressão, nem estímulo aos atos. Apesar disso, houve participação no acampamentos de oficiais e outras patentes inferiores. Há também participação de militares reformados, reservistas ou de Clubes Militares, o que tornaria tudo mais delicado. Mas o entrevistado afirma que os acampamentos estão cada vez “menores, radicalizados e caricatos”. Para ele, não é preciso mexer com “esses malucos” que sobraram, porque eles vão se diluir naturalmente, conforme o novo governo se estabeleça.
Até pouco, o crime cometido pelos manifestantes era o previsto pelo artigo 286 do Código Penal, de incitação das Forças Armadas contra outros Poderes. As cenas de terror em Brasília, no entanto, abalaram a ideia de que os atos são pacíficos e legítimos. “Mas não dá pra prever como será a desmobilização, apenas que a lógica é de muita parcimônia e prudência, porque qualquer radicalização será gasolina na fogueira. É, exatamente, o que essas pessoas que estimulam os acampamentos querem”.
Como são áreas militares, a segurança é feita pela PE (Polícia do Exército) e as PMs não têm jurisdição. Fontes da imprensa revelam que, mesmo com a complexidade do assunto, assim que a ordem vier dos novos comandantes escolhidos por Lula, será cumprida. A resistência seria minoritária nas corporações.
A imagem de militares reprimindo adversários políticos implica um desgaste que se quer diminuir o quanto possível. Até porque, parcela das Forças Armadas acreditou em Bolsonaro como uma vocalização de seus ideais conservadores, o que se mostrou uma relação desgastante.
Mesmo com parcelas do oficialato tapando o nariz para o governo de esquerda ou para o ministro do STF, Alexandre de Moraes, defendem que a mobilização rebelde tem que acabar. Embora se fale em quatro anos de militares no poder, a fonte entrevistada discorda. Para ele, alguns militares da reserva ocuparam cargos subordinados a Bolsonaro, como cidadãos apoiadores dele em seu próprio nome. “As Forças Armadas não tiveram nenhuma participação institucional no governo, pois quando Bolsonaro teve que politizar e enquadrar as Forças Armadas, teve que demitir os comandantes”, explicou.
De sua parte, Lula já teria sinalizado a deputados que encerrar os acampamentos na frente de instalações militares será prioridade em reunião que fará com futuros comandantes. Segundo a imprensa, Lula disse que considera as concentrações um “desrespeito” às próprias Forças Armadas. Ontem, ao encerrar os GTs da transição, discursou atacando Bolsonaro e seus apoiadores pelo “extremismo fascista” demonstrado em Brasília.
(por Cezar Xavier)