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“É cada vez mais importante estar nessa trincheira; reconhecer-se como escritora ou escritor negro é uma afirmação política. Precisamos nos afirmar como escritoras da literatura negra porque o Brasil é esse lugar onde a pessoa é ameaçada de morte por causa de uma história que escreveu”, disse a escritora Eliana Alves Cruz, autora de “Solitária”, livro da Companhia das Letras, em entrevista à revista Quatro Cinco Um

O livro tem como pano de fundo o cenário herdado da estrutura escravocrata do país, com seu o racismo e suas desigualdades, e mostra a vida de duas mulheres negras, mãe e filha, que trabalham como domésticas e vivem nos típicos e minúsculos quartinhos até hoje destinados a essas trabalhadoras nas luxuosas casas da elite nacional. 

“Todo quarto de empregada é próximo à grande lixeira da casa, porque está sempre no fundo do profundo do imóvel. Nós, os ‘quartinhos’, estamos sempre perto dos odores da vida das pessoas que não nos habitam. Perfume francês, patê de fígado de pato, vinho caro, trufas, papel higiênico, absorventes, suor. Quase tudo era deles”, diz trecho do livro.  

Como aponta a apresentação, Eunice, a mãe, é testemunha-chave de um crime chocante ocorrido na casa dos patrões. Mabel, a filha, constrói o caminho que leva não apenas à elucidação deste crime, mas a uma mudança radical na vida das pessoas que cercam as protagonistas.

Em uma passagem, Mabel dispara: “Mãe, a senhora precisa se libertar destas pessoas. A senhora não deve nada pra elas. Não tenha medo de encarar esse povo que nunca limpou a própria privada”.

Eliana Alves Cruz. Foto: redes sociais

Na avaliação do escritor Tom Farias, autor de “Carolina, uma Biografia”, em artigo para o jornal Folha de S.Paulo, “mãe e filha são parte de um sistema sufocante, uma espécie de joelho que sufoca o Brasil pela sua opressão e violência sobre a população pobre e preta —correlação com o estratagema violento que ceifou a vida de George Floyd, nos Estados Unidos”.

Eliana Alves Cruz, escritora e jornalista, teve como livro de estreia “Água de barrela”, que recebeu o prêmio Oliveira Silveira, da Fundação Palmares, em 2015. Escreveu, ainda, “O crime do cais do Valongo” (2018) — semifinalista do Prêmio Oceanos — e “Nada digo de ti, que em ti não veja” (2020).

De acordo com a autora, o livro “é para mulheres negras nesse sistema ainda muito calcado na escravidão, mas também para a população branca que não foi escravizada, mas tem algum bom senso”.

(PL)