Em ida teatral a Washington, Zelensky implorou por dinheiro e armas
“A visita de Zelensky e as conversas que ele manteve em Washington mostraram que nem o governo [Biden] nem Kiev estão prontos para a paz, mas estão focados na guerra, na morte de soldados rasos e na vinculação do regime ucraniano ainda mais fortemente aos interesses dos EUA”, enfatizou o embaixador russo nos EUA, Anatoly Antonov, em entrevista à TASS, na quinta-feira (23).
Essencialmente Zelensky pediu mais dinheiro – “não é caridade, é investimento” – e mais armas para seguir fazendo os ucranianos de carne de canhão dessa “guerra por procuração” em prol da perpetuação do ‘mundo unipolar sob Washington’.
Quanto ao “espetáculo teatral” encenado na Casa Branca e no Congresso norte-americano, Antonov assinalou que Zelensky mostrou “todo o seu servilismo” aos EUA e “disposição para continuar colocando os povos ucraniano e russo um contra o outro”.
“Nem o presidente Biden nem Zelensky proferiram quaisquer palavras que pudessem ser interpretadas como, por assim dizer, potencial prontidão para prestar atenção às preocupações da Rússia”, observou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.
Segundo ele, os EUA continuam travando uma guerra contra a Rússia indiretamente, “até o último ucraniano”. Advertiu, ainda, que novas entregas de armas dos EUA e de outros países só servirão para prolongar o sofrimento do povo ucraniano.
Sobre essas questões, no início da semana o chefe da diplomacia russa, Sergey Lavrov, havia advertido que a transição para a multipolaridade real “levará muito tempo” e o Ocidente resistirá “drasticamente”. Ele registrou que a reação histérica do Ocidente à guerra na Ucrânia – via sanções e armamento a rodo de Kiev – apenas confirma a conclusão da Rússia de que a operação militar especial era “necessária”.
“A reação histérica de nossos colegas ocidentais da equipe dos EUA às nossas ações como parte da operação militar especial apenas confirma nossa principal conclusão de que a operação militar especial – e já temos evidências disso – era absolutamente necessária para inviabilizar seus planos de tornar a Ucrânia uma ameaça permanente à segurança da Rússia”, sublinhou Lavrov.
Em suma, conforme se depreende das recentes confissões da ex-primeira-ministra Angela Merkel, o agressor sempre foi o Ocidente, isto é os EUA e Otan, como visto no golpe de 2014 em Kiev, nas operações ‘antiterroristas’ do regime de Kiev em 2014 e 2015 contra os russos étnicos do Donbass e nas manobras sobre os acordos de Minsk, enquanto a Rússia sempre buscou uma solução negociada até o último momento.
“Essa reação revelou que o Ocidente entendeu que nossas ações destruíram seus jogos e planos geopolíticos”, acrescentou Lavrov.
Ele assinalou que a maioria dos países não compartilha a abordagem do Ocidente e se opõe às suas tentativas de domínio. “A esmagadora maioria das nações do mundo obviamente não apóia as tentativas que vimos nos últimos anos de estabelecer a dominação dos Estados Unidos e de seus aliados ocidentais na arena global por meio da força, sanções ilegítimas, ultimatos, chantagens e ameaças”.
“Ninguém gosta e estou convencido de que o processo histórico já está dando seu veredicto”, reiterou o chefe da diplomacia russa.
DINHEIRO, ARMAS E AFAGOS
Na despedida ao controle democrata sobre o Congresso norte-americano, o presidente Biden resolveu valorizar a efeméride, trazendo o chefe do regime instaurado pelo golpe de 2014, Zelensky, para um ‘cheque’ de US$ 1,8 bilhão e a primeira bateria antiaérea Patriot (que deverá demorar um pouco para ser entregue, porque vai ser preciso adestrar ucranianos para operar a arma).
Vestido com sua fantasia de ‘senhor da guerra’ – a camiseta caqui com tridente -, Zelensky foi visto caminhando na Casa Branca ao lado de Biden, além de posarem como “estadistas em conferência”.
O grande momento ficou para o Capitólio – aquele que foi invadido em janeiro há dois anos -, onde ele pôde discursar por meia hora, pedindo mais “armas e dinheiro”, para em seguida ser agraciado com uma bandeira norte-americana, cuidadosamente dobrada no formato triangular, e com as estrelas aparecendo.
O afago – ironizam alguns – é para que Zelensky possa bater continência ao pavilhão das listras e estrelas, sempre que der vontade. Até mesmo uma parlamentar republicana fez um comentário irônico sobre o “51º estado” norte-americano, a Ucrânia.
Por sua vez, o enviado ucraniano na ONU, Sergey Kislita, tuitou na quarta-feira uma imagem da bandeira dos EUA com as estrelas e listras exibidas em amarelo e azul de seu país. O que foi descrito pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, como refletindo o status de subordinação de Kiev aos EUA.
O ‘cheque’ de US$ 1,8 bi e de uma bateria antiaérea Patriot parecem pouco para justificar o estardalhaço de Washington e Kiev sobre a viagem. Há quem ache que são as preocupações de Biden com as investigações já anunciadas pelos republicanos na Câmara contra sua administração, a começar pela derrota no Afeganistão, o que explicaria a viagem neste momento, bem como as relações promíscuas de Biden com a corrupção na Ucrânia. O secretário de Estado Blinken sustentou esta semana que a atabalhoada retirada de Kabul estava permitindo a intensidade agora do fornecimento de armas a Kiev.
Como registrou o ex-embaixador indiano M. K. Bhadrakumar e atual comentarista da cena internacional, “Biden antecipa que o conflito na Ucrânia será uma questão de campanha em 2024, e questões surgirão. Como The Hill escreveu: ‘Os céticos afirmam que os EUA não têm interesses vitais em jogo na Ucrânia, o jorro de dinheiro em direção a Kiev é excessivo e poluído pela corrupção, e a guerra é uma distração da infinidade de problemas em casa que exigem atenção’”.
No início deste mês, a Câmara rejeitou por pouco um projeto de lei que pedia uma auditoria da assistência econômica e militar de Washington a Kiev
A viagem aconteceu também quando se completa um ano da apresentação da Rússia, aos EUA e à Otan, de proposta para restauração da segurança coletiva no continente europeu e evitar um conflito, através do recuo dos sistemas agressivos ocidentais para o patamar de 1997 (ano da oficialização das relações Moscou-Otan), bem como a reiteração de que a Ucrânia continuasse sendo um país neutro. EUA e Otan se recusaram.
Há poucos dias, também se tornou público, pela própria Merkel, que o objetivo fundamental dos Acordos de Minsk foi dar tempo ao regime de Kiev de ser rearmado, enquanto era dito a Moscou que os direitos dos russos étnicos na Ucrânia seriam respeitados e reconhecidos na constituição ucraniana.
Sinal dos problemas esperados por Biden após a virada do ano, apesar de todo o empenho na convocação da presidente de saída da Câmara, Nancy Pelosi, de acordo com o levantamento do site “The Hill”, só 86 dos 213 republicanos da Câmara estiveram presentes ao discurso de Zelensky.
Enquanto Biden trazia Zelensky – depois de dez horas em um trem blindado, até a Polônia, e, dali, para Washington num avião militar norte-americano, outras viagens ocorreram em paralelo, sem tanto alarde.
Nos dias 20 e 21, o presidente do partido Rússia Unida e atual presidente do Conselho russo, Medvedev, foi a Pequim, para a reunião anual com o partido co-irmão, o Partido Comunista Chinês, e entregou pessoalmente uma carta de Putin ao presidente chinês, Xi Jinping.
Entre outras declarações, o presidente Xi enfatizou que “as relações entre Moscou e Pequim resistiram ao teste das vicissitudes internacionais” e que a China está pronta para trabalhar com a Rússia para “desenvolver a governança global em uma direção mais justa e razoável”.
No dia 20, Putin foi a Minsk, capital da Bielorrússia, onde se reuniu com o presidente Alexander Lukashenko, aprofundando as relações e o Estado da União. Lukashenko anunciou que os sistemas antiaéreos S-400 e os sistemas de mísseis Iskander, fornecidos pela Rússia, já estavam operacionais.
No próprio dia da visita de Zelensky a Washington, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier telefonou para o presidente Xi. De acordo com comentário da China, Xi expressou apoio à União Europeia “em demonstrar sua
autonomia estratégica e em liderar o estabelecimento deu uma arquitetura de segurança europeia equilibrada, efetiva e sustentável para propiciar paz duradoura e estabilidade de longo termo no continente europeu”.
Embora a grande mídia alemã seja entusiasta da russofobia, como constatou recente pesquisa, de vez em quando alguma verdade consegue superar o ferrolho em vigor. O Die Zeit admitiu recentemente que a situação na Ucrânia é “mais precária do que a visita presidencial brilhantemente encenada sugeriria”. “A guerra se arrasta, o medo de ser esquecido é grande, a frente quase não se move, a morte continua e muitos ucranianos não têm as necessidades básicas, calor, água e eletricidade. Sem o apoio ocidental – tanto militar quanto financeiramente – o país não é mais viável”.
“Nosso objetivo não é intensificar ainda mais o conflito ucraniano, mas, ao contrário, acabar com esta guerra. Estamos nos esforçando nessa direção e continuaremos a fazê-lo”, afirmou o presidente Putin. “Todos os conflitos armados terminam de uma forma ou de outra com algum tipo de negociação na via diplomática. A Rússia nunca recusou negociações com a Ucrânia, foi Kiev que se proibiu de dialogar”, disse Putin após reunião do Conselho de Estado russo na quinta-feira,
“Mais cedo ou mais tarde, é claro, as partes em conflito se sentarão e chegarão a um acordo. Quanto mais cedo essa percepção chegar aos que se opõem a nós, melhor”, apontou.
Sobre a entrega de uma bateria de sistemas de mísseis Patriot à Ucrânia, Putin advertiu que isso apenas prolongará a crise de segurança ucraniana, mas não pode alterar o resultado. As entregas do Patriot serão “em vão” e “apenas prolongarão o conflito, isso é tudo”. Sobre os Patriot, ele disse que era “um sistema bastante antigo que não funciona como, digamos, o nosso S-300”.
“Acho que os recursos dos Estados Unidos e dos países da OTAN ainda não estão no estado de exaustão. A questão é que a Ucrânia está recebendo armas dos países do antigo Pacto de Varsóvia, principalmente de fabricação soviética, e estas realmente estão perto da exaustão. Dessas entregas, derrubamos praticamente tudo”, assinalou Putin.
O Ocidente agora pode prosseguir com a entrega de seus próprios sistemas de armas à Ucrânia, mas não é fácil fazer a mudança para o novo padrão alternativo, disse Putin. Os EUA, por exemplo, “estão agora dizendo que podem colocar um Patriot [na Ucrânia]. Ok, deixe-os fazê-lo. Vamos quebrar o Patriot [como uma noz] também, e algo precisará ser instalado em seu lugar.
Papiro
(BL)