Socorro Gomes encerrou no dia 26 de novembro seus três mandatos na Presidência do Conselho Mundial da Paz (CMP), após os seis dias de debates da 22ª Assembleia do CMP, em Hanói, no Vietnã. Ela transferiu a missão para o indiano Pallab Sengupta, dirigente do Partido Comunista da Índia, num gesto simbólico, em que a luta pela paz se desloca do combate à atuação imperialista de golpes e guerra híbrida contra governos latino-americanos de esquerda, para a atuação abertamente bélica na Ásia. 

Neste fim de novembro, durante uma semana, Hanói se tornou a “capital mundial da luta antiimperialista pela paz”, após 6 anos da realização da conferência anterior em São Luís (MA), no Brasil.

Os 50 países reunidos fizeram informes de cada região e continente e aprovaram uma declaração do encontro com um plano de ação. Este plano se concentra em ações de denúncia, solidariedade aos povos vítimas, e exigência de medidas concretas, como eliminação de armas químicas e biológicas de destruição em massa, a eliminação dos arsenais nucleares e das bases militares esparramadas pelo mundo. “São 800 bases, mais quatro mil pequenas, que são ágeis e modernas, mirando todos os povos que não se submetem”, diz Socorro, em entrevista ao Portal Vermelho.

Leia o discurso de Socorro Gomes na XXII Assembléia do Coselho Mundial da Paz, em Hanói

Leia a contribuição de Socorro Gomes à Conferência da Paz de Hanói

Na foto, a presidente do CMP, Socorro Gomes, intervém em reunião na presença do presidente da República Socialista do Vietnã

Socorro destacou ainda importantes reuniões do CMP com o presidente da República, o parlamento, lideranças do povo vietnamita, além da eleição da nova Presidência. O vice-presidente do Cebrapaz, Wevergton Brito, e a secretária de comunicação do Cebrapaz, Moara Crivelente também estiveram nessa assembleia, compondo a representação brasileira, por integrar a direção do CMP.

O palco da guerra

Segundo Socorro, essa assembleia de 2022, foi realizada num clima de extrema preocupação com os povos do mundo e dos militantes da luta pela paz. Observam-se as ameaças à soberania dos povos e nações se agudizando, num crescente.

Socorro se refere diretamente ao cerco da Otan para o Leste Europeu, em torno da Rússia. Ela descreve a Ucrânia como o palco da guerra, que se dá, efetivamente, com as forças da Otan, sob o comando dos EUA contra a Rússia. 

“O agravamento desse conflito nos coloca a beira de uma hecatombe, porque o conflito envolve potências com armas nucleares. Os países da Otan também são bases dos EUA, com partilha nuclear, portanto são depósitos nucleares”, alerta.

Ela descreve a Otan, o tratado militar entre países ricos ocidentais, como a “máquina mortífera de guerra, o braço armado do imperialismo, que nunca foi de defesa, mas um acordo agressivo de ameaça aos povos”.

Deslocamento oriental

O deslocamento da ofensiva do imperialismo para a Ásia coincide com a nova Presidência do CMP liderada por um indiano. “Os EUA estão remanejando seu pivô militar para a região, buscando cercar a China, especialmente. Nos seus objetivos estratégicos, os EUA colocam abertamente a China como adversária a combater, bem como a Rússia, enfraquecer e derrotar. Isso se reflete nas declarações e resoluções da OTAN”, diz ela citando documentos recentes que explicitam esta estratégia.

Para ela, a tendência é que esses conflitos se agudizem, com as ameaças à unidade territorial da China e com tentativas de esquartejar o território da Rússia.

“Os gastos militares da OTAN aumentaram significativamente, mesmo durante a pandemia. A manutenção da guerra é feita mesmo ao custo da alta da energia e dos combustíveis que a Europa é obrigada a comprar dos EUA muito mais caro”. 

Esse deslocamento focado anteriormente no Oriente Médio e na América Latina, conforme explica Socorro, se dá porque surgem grandes mudanças no mundo com a perda de hegemonia dos EUA, com suas regras se impondo a todos os povos do mundo. Há essa contestação com o próprio desenvolvimento da China, com construção de novos polos de poder, menciona ela, como os BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), e aqui na América Latina (Unasul, Conselho do Sul, Celac).

“Essa agressividade bélica dos EUA busca interromper sua derrocada e impedir a multipolaridade que surge e se desenvolve”, explica. 

Neste processo da Ucrânia, Socorro diz que o imperialismo americano tenta “defenestrar” a Rússia até da Europa, com sanções sobre livros, arte e cultura russas, tentando apagar a potência do convívio do mundo. “Mas a grande maioria dos povos do mundo não tem recebido bem essa prática, pois não aceitam sequer as sanções econômicas”. 

O que o CMP trabalha é a busca de construir diálogos e ações de paz, para desmontar os arsenais da guerra. “Fazemos isso buscando resgatar os acordos de Minsk que foram destruídos, para garantir a segurança da Rússia e de todos os países da região”.

A guinada latino-americana

No continente americano, são muito visíveis as perdas do imperialismo, na opinião de Socorro. “Aqui onde eles dizem que é o pátio traseiro deles, o quintal. Onde tinha a quarta frota da marinha de guerra dos EUA, no Atlântico. Aqui teve a Escola das Américas que formou os generais golpistas que deram um banho de sangue no século passado”. 

Com a luta dos povos, ela diz que criou-se um outro momento, desde a eleição de Hugo Chaves. Os povos da região se uniram e conquistaram vitórias, “com uma contraofensiva do imperialismo depois no Equador, Bolívia, Venezuela e o golpe contra Dilma com o uso do lawfare da Lava Jato, espionagem e fake news, que integram a guerra híbrida”. 

Vitória de Lula

Os povos do mundo entendem como muito importante a vitória do Presidente Lula e a derrota das forças nazifascistas da extrema direita. “Agora temos que conquistar uma sociedade de diálogo e impedir o crescimento do ódio, com a massificação das armas de fogo entre a população estimulada pelo governo em vigor. Ainda há muita luta para reconstruir o país”, pondera ela.

Socorro acredita que o Brasil pode contribuir para o processo de paz, pois teve durante os governos Lula e Dilma uma política externa independente, de respeito ao direito internacional, à integridade territorial das nações, à não-ingerência em assuntos internos e buscar o diálogo. Fez isso durante as negociações com o Irã. 

“Mas precisa começar pela pacificação do Brasil, que está efetivamente dividido, voltou ao mapa da fome e ainda vive os efeitos da pandemia. Precisamos recuperar a soberania do país, que esteve subalterno ao governo Trump. Os filhos do presidente Bolsonaro chegaram a dar sua contribuição para a invasão do Capitólio”, analisa.

Na opinião dela, o Brasil pode cumprir um grande papel, não só no continente, mas no mundo, contribuindo para a eliminação das armas nucleares e pelo desmantelamento “desse monstro de guerra que é a Otan”.

14 anos em meio a guerras híbridas 

Socorro coordenava o trabalho do CMP, desde 2008. Nestes 14 anos, intensificou missões de solidariedade no continente americano “contra os ataques do imperialismo”. Ela cita os casos da Venezuela, Cuba e o próprio Brasil.

“ A Venezuela foi alvo de ataques para derrubar o governo e impor um governo submisso ao imperialismo americano. Bem como Cuba que vive sob bloqueio criminoso, desde os anos 1960, com tentativas de destruição das instituições democráticas e socialistas. Com uma base militar americana na baia de Guantanamo, imposta pela força bruta”, pontua.

Ela repudia o bloqueio que proíbe até insumos para combate à covid, que Cuba reponde à altura ao desenvolver e fabricar vacinas, além de prestar solidariedade a todos os povos do mundo que precisaram. “Uma demonstração de total desapego ao direito internacional por parte dos EUA”, critica.

Mas o CMP também esteve vigilante com os ataques a outras regiões do mundo. “Denunciamos e participamos de missões de solidariedade e paz no Oriente Médio, na Síria e no Irã, na Palestina. Estivemos em campos de refugiados vindos da Síria, estamos em solidariedade com os povos do Saara Ocidental e de Porto Rico”.

Hiroshima e Nagasaki

O CMP foi criado em 1949, preocupado com a proliferação de armas nucleares, depois do bombardeio pelos EUA de Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra Mundial, com a morte de centenas de milhares de pessoas. 

“Estarrecida, a sociedade mundial se organizou no conselho para conscientizar, mobilizar, lutar contra o imperialismo e fazer a denúncia das guerras”, explica Socorro ao pontuar sua missão, também.

Em 1950, houve uma grande iniciativa, com o Apelo de Estocolmo, que qualifica como crime contra a humanidade quem primeiro usar armas nucleares contra algum país. “Era um apela pela eliminação imediata das armas nucleares. Sessenta milhões assinaram o documento, num momento em que a comunicação era muito limitada”, lembra ela.

A inspiração vietnamita

“O Vietnã inspira todos os povos do mundo, pela vítima que foi de uma guerra escabrosa de forças imperialistas”, ressalta a líder internacionalista. As bombas do agente laranja destroçaram com o Vietnã do Sul; comprometeram mais de dois terços do meio ambiente vietnamita, deixando milhões de mortos e contaminados. “Até hoje, crianças nascem com deformações. Nunca o imperialismo americano pagou por esses atos genocidas de terror contra uma nação”, indignou-se.

Apesar disso, o povo vietnamita se uniu, travou o combate, derrotou o maior exército da terra e conquistou sua independência e soberania. “Com isso, abriu as portas do desenvolvimento socialista e humanista com grande progressos para aquele povo”, afirma ela.

(por Cezar Xavier)