Com desmonte de Bolsonaro, políticas para mulheres terão de ser reconstruídas
A poucos dias da data marcada para a entrega dos documentos finais feitos pelas equipes de trabalho da transição de Lula, o grupo que tratou sobre as questões relativas às mulheres já levantou uma série de dados que apontam para o estado de penúria deixado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) também nesta área. O relatório que consolida as análises e dados colhidos deverá ser entregue no dia 11 de dezembro.
Até agora já ficou patente, antes mesmo do levantamento dos dados, que o machismo do presidente e sua visão reacionária e limitada sobre os mais variados temas no campo social e dos direitos humanos se traduziram numa expressiva redução tanto da estrutura quanto do orçamento destinado às políticas para várias áreas, em especial para as mulheres.
Segundo informações do gabinete de transição, o diagnóstico inicial revelou um verdadeiro desmonte das políticas para as mulheres por parte do governo Bolsonaro nas ações de promoção de igualdade, autonomia econômica e no orçamento de ações finalísticas para 2023. O orçamento do próximo ano prevê apenas R$ 23 milhões para essa frente, o que representa, em valores nominais, 10% do orçamento deixado em 2015.
Ainda de acordo com o GT, desses R$ 23 milhões, R$ 13 milhões estão destinados à Casa da Mulher. Outros R$ 10 milhões estão pulverizados em diversas ações que não estão exclusivamente destinadas às mulheres. O GT identificou que, mesmo na pandemia, quando o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu mais recursos (R$ 116 milhões), a pasta optou por não executar.
Outro problema levantado diz respeito ao Ligue 180 — Central de Atendimento à Mulher —, que conta com apenas 10% dos recursos previstos para 2022. “Isso significa que, no primeiro quadrimestre de 2023, teria que descontinuar o serviço. Hoje, a gente tem R$ 22 milhões no orçamento de 2022. Para o ano que vem eles previram R$ 3 milhões”, afirmou Roseli Faria, uma das coordenadoras do GT e vice-presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento.
Reflexos na ponta
Na avaliação da secretária de Políticas para Mulheres da Bahia, Julieta Palmeira, as mulheres, em especial as negras, “são as principais impactadas com as omissões e ações desatreladoras de políticas para mulheres com o subfinanciamento desse desgoverno federal”.
Um dado da realidade que demonstra como essa fatia da população feminina é impactada diz respeito à violência. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, entre as vítimas de feminicídio, 37,5 % são brancas e 62% são negras e, nas mortes violentas, 70,7% são negras e 28,6% são brancas.
No campo econômico, a situação se repete. De acordo com levantamento feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), as mulheres negras são as que mais sofrem para entrar no mercado de trabalho. Enquanto a taxa de desemprego geral ficou em 9,3% no segundo trimestre deste ano, entre as mulheres negras o indicador ficou em 13,9%.
A secretária da Bahia chama atenção ainda para a dignidade menstrual. “O problema já existia, mas a pandemia deu outra dimensão à pobreza menstrual entre as mulheres com vulnerabilidade menstrual e em situação prisional e unidades educativas”. Ela lembra que em estados do Nordeste, as iniciativas partiram dos executivos estaduais, sendo anterior às legislações aprovadas.
No âmbito nacional, no entanto, a luta foi árdua. Somente no dia 23 deste mês, finalmente o Ministério da Saúde anunciou que vai financiar a distribuição de absorventes para estudantes, mulheres em situação de vulnerabilidade ou detidas, conforme previsto na lei 14.214/21. Após aprovada no Congresso, a medida, de 2019, teve trechos vetados por Bolsonaro neste ano. O presidente considerava que a lei contrariava o interesse público.
Participação do Nordeste
Como integrante do Fórum de Gestoras de Políticas para as Mulheres do Nordeste, Julieta Palmeira tem reivindicado, junto com as demais secretárias, a participação de representantes da região no GT de mulheres, como forma de contribuir a partir das experiências locais realizadas mesmo com todas as limitações impostas pelo governo Bolsonaro.
Nesta quarta-feira (30), o fórum entregou carta à ex-ministra Eleonora Menicucci, reivindicando essa participação. “O Fórum de Gestoras continua solicitando integrar o GT de Mulheres com toda razão”, salientou Julieta. Ela destaca que além de contribuir decisivamente com a vitória de Lula, “a região é a mais destacada na manutenção das secretarias estaduais de políticas para mulheres, algumas especificamente voltadas para o enfrentamento à violência e à desigualdade de gênero”.
Julieta aponta que esse posicionamento das gestores do Nordeste demonstra “a resistência ao desmonte em âmbito federal nesses anos, a partir de 2016, com os governos estaduais mantendo as políticas de enfrentamento à violência de gênero e a implementação de novas políticas como é o caso de políticas de autonomia econômica, com destaque para as chefas de família que criam seus filhos e filhas sozinhas”.
Para a secretária, a questão da violência de gênero é central e demanda o restabelecimento de programas interrompidos por subfinanciamento ou por decisão política. Nesse sentido, ela salienta como fator decisivo para o enfrentamento à violência e para a superação da desigualdade de gênero a autonomia econômica e social das mulheres, o que envolve a inclusão produtiva e o impulsionamento e ampliação de arranjos produtivos liderados por mulheres. “Junta-se a isso o restabelecimento de políticas de saúde integral das mulheres e de combate à educação sexista”, completa.
Na avaliação da secretária, o novo governo “deve agir como elemento dinamizador da participação das mulheres na política a partir de políticas públicas indutoras dessa participação, a partir do Ministério da Mulher. A expectativa é grande em relação ao governo de Lula, que tem anunciado prioridade para o enfrentamento à violência e para a superação da desigualdade salarial das mulheres”.
Julieta finaliza apontando que “a viragem política de 2016, o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff, impactou diversas políticas com repercussão na diminuição da qualidade de vida das mulheres e a expectativa é de uma agenda emergencial de reconstrução do país no caminho de um novo projeto de desenvolvimento que tenha a marca das mulheres, parcela majoritária da população”.