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Ser mulher no Brasil nunca foi tarefa fácil e se tornou ainda mais penosa desde que Bolsonaro chegou à presidência. Do estímulo ao machismo e à violência, passando pelo incentivo à compra e ao uso de armas de fogo até a redução drástica das políticas públicas destinadas às mulheres, o cenário atual mostra uma sensível piora nos índices de feminicídio e de estupro. 

Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente no primeiro semestre deste ano, 699 mulheres foram mortas em crimes relacionados à violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher, como é classificado o feminicídio. O número equivale à perda de, em média, quatro vidas por dia, uma a cada seis horas. Este é o maior índice registrado em um semestre. Na comparação com os seis primeiros meses de 2021, quando houve 677 assassinatos deste tipo, o aumento foi de 3,2%. 

“Os dados indicam um crescimento contínuo das mortes de mulheres em razão do gênero feminino desde 2019. Em relação ao primeiro semestre de 2019, o crescimento no mesmo período de 2022 foi de 10,8%, apontando para a necessária e urgente priorização de políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência de gênero”, diz o relatório. 

Recortes etário, racial e regional

Analisando o recorte etário e racial, o estudo indica que as mulheres mais jovens e negras foram as mais expostas ao feminicídio. Segundo os dados de 2021, 68,7% das vítimas desse crime tinham entre 18 e 44 anos. Além disso, 62% eram negras, 37,5% brancas, 0,3% amarelas e 0,2% indígenas. Mais de 81% das vítimas foram mortas por parceiros ou ex. 

Quando avaliados os dados regionais, somente o Sudeste registrou redução nesses casos do ano passado para cá, -2,2%, mas quando se olha o período entre 2019 e 2022, houve crescimento de 8,6% nessa região. Por outro lado, o Sul foi onde houve maior aumento, de 12,6%, na comparação entre o primeiro semestre de 2021 e o de 2022, mas teve recuo de 1,7% quando analisados os últimos quatro anos. 

O maior crescimento no primeiro semestre do último quadriênio foi registrado na região Norte, com elevação de 75%. Comparando o total de mortes deste ano com o ano anterior, o salto foi de 9,4%. A região Centro-Oeste também teve aumento significativo de 29,9% entre 2019 e 2022,  6,1% apenas neste ano.

Estupros

O primeiro semestre de 2022 registrou, ainda, outro terrível dado da situação das mulheres e meninas brasileiras. Ao todo, houve 29.285 vítimas de estupro do sexo feminino, crescimento de 12,5% em relação ao mesmo período de 2021, o que corresponde a uma ocorrência a cada nove minutos, número altíssimo, sobretudo considerando que também é elevado o índice de subnotificação. Nesse universo, quase 75% das vítimas eram consideradas vulneráveis, ou seja, incapazes de consentir. 

“Analisando a série histórica dos primeiros semestres, verifica-se uma queda de 15,6% nos estupros e estupros de vulnerável registrados entre 2019 e 2020. Os anos subsequentes registraram aumentos de 11,7% entre 2020 e 2021 e de 12,5% entre 2021 e 2022, reforçando a hipótese de que a queda entre 2019 e 2020 se deu pelas condições impostas pela Covid-19”, diz o FBSP. O relatório aponta, ainda, para uma “epidemia de violência de gênero”.

Falta de políticas públicas

O FBSP alerta para o fato de que “apesar do crescimento ininterrupto da violência letal contra a mulher no período, os recursos investidos pelo Governo Federal para o enfrentamento à violência têm reduzido drasticamente”. 

O relatório aponta para nota técnica produzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mostrando que em 2022 “ocorreu a menor alocação orçamentária da gestão Bolsonaro para o enfrentamento da violência contra mulheres, com pouco mais de R$ 5 milhões para esta rubrica e cerca de R$ 8,6 milhões destinados a Casa da Mulher Brasileira”. 

Ainda segundo o levantamento, “a redução dos valores destinados às políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher ocorreu em meio a uma mudança substancial de rota por parte do Governo Federal em relação a compreensão do fenômeno, que priorizou uma visão familista ao criar o Ministério da Família e dos Direitos Humanos e o esvaziamento total da compreensão de gênero como eixo orientador das políticas públicas”. 

Neste sentido, salienta como um dos principais desafios do próximo governo “restabelecer o entendimento da desigualdade de gênero e poder como elementos centrais para compreensão das violências sofridas por meninas e mulheres, cis, trans e travestis” e estabelecer políticas públicas e programas a partir dessa visão.