O Congresso Nacional promulgou 14 emendas à Constituição em 2022. O número é recorde para um único ano, desde que a Carta entrou em vigor. Este tipo de prática parlamentar revelou um governo fraco e um legislativo protagonista, dispostos a alterar a estrutura do estado nacional diante das emergências da pandemia e da conveniência eleitoral.

A iniciativa do Legislativo sobre a maioria delas revela um Executivo que delegou aos parlamentares as tarefas mais complexas de governo. O protagonismo raro do Congresso também expõe um governo politicamente fraco, desarticulado e omisso. A atuação intensificada do Supremo Tribunal Federal (STF) em pautas legislativas também demonstra essa ausência do Executivo Federal. Emendas Constitucionais também são feitas para evitar o veto do presidente, o que demonstra a desconfiança do Parlamento sobre Bolsonaro.

Apenas uma das emendas constitucionais de 2022 fazia parte da agenda do Executivo: a EC 123, que reconheceu o Estado de Emergência em função dos preços dos combustíveis e abriu caminho para despesas excepcionais. Mas a maioria delas não implicava em alterações profundas ou nocivas à constituição do estado nacional e podem ser consideradas atualizações necessárias diante das mudanças tecnológicas e da emergência sanitária.

O número de promulgações de 2022 é quase o dobro do ano recordista anterior — 2014, com oito emendas promulgadas. Além destes, em apenas cinco outros anos houve pelo menos seis promulgações, e dois deles também integram a legislatura atual (2019-2022). A única exceção é o ano de 2020, primeiro da pandemia de covid-19.

Ainda em julho, o PCdoB consultou o assessor técnico da Câmara dos Deputados, Flávio Tonelli, que explicou que o mais grave é que poucas emendas foram discutidas a contento. “Emendas à Constituição têm que ser feitas com mais vagar, com mais atenção para não gerarem efeitos inesperados e nocivos, como já ocorreu”, disse ele, citando as reformas previdenciárias e trabalhistas. A pressa do centrão aprovar mudanças importantes para beneficiar a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro (PL) pegou atalhos nos regimentos internos com manobras que driblam regras eleitorais e até o sagrado ajuste fiscal da direita. 

Tonelli também pondera que esse conjunto de emendas significa a força do Centrão, o agrupamento de parlamentares de partidos fisiológicos, movidos a trocas de favores com o governo. Ele concorda que a votação virtual da pandemia também favorece esse ambiente de “votação às cegas” em que “meia dúzia de líderes ditam como 300 deputados vão votar”.

Ao todo, a legislatura atual promulgou 29 emendas, ou 22,6% de todas as emendas constitucionais até hoje.

As emendas promulgadas em 2022 não seguiram um padrão temático único. Elas tocam em vários assuntos, como tributação, regras eleitorais, orçamento, administração pública e direitos trabalhistas. Nenhuma delas, no entanto, veio do Poder Executivo.

Uma emenda que também estava no radar do governo, mas, neste caso, do próximo: a EC 126, oriunda da PEC da Transição, autorizou gastos fora do teto para o Orçamento do ano que vem. As demais emendas do ano foram bancadas pelo Legislativo.

Houve uma simplificação do procedimento de aprovação de emendas constitucionais, o que leva a aprovações mais rápidas, sem passar por comissões ou receber destaques. Quase todas as PECs foram aprovadas por unanimidade. Como os temas são gestados dentro do próprio Congresso ficam menos sujeitos a obstruções. Além disso, as votações remotas também agilizaram pautas.

A capacidade de articulação do próximo governo vai demonstrar se, a tendência do Legislativo adquirir mais força nas suas relações com o Executivo e se impôr na definição da pauta nacional, será duradoura.

A Constituição foi modificada 140 vezes desde 1988. Além das 128 emendas regulares, há as seis emendas aprovadas durante a revisão de 1994 (quando se adotou um procedimento simplificado) e seis tratados internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados pelo Congresso.

EMENDAS CONSTITUCIONAIS DE 2022
EC -115              Inclui a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais (fevereiro)
EC -116 Isenta templos religiosos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) (fevereiro)
EC -117Determina percentual mínimo de recursos do fundo partidário para candidaturas de mulheres (abril)
EC -118Quebra monopólio estatal sobre produção de radioisótopos de uso médico (abril)
EC- 119Isenta estados e municípios de cumprir gastos mínimos com educação durante a pandemia de covid-19 (abril)
EC -120Estabelece piso salarial nacional para os agentes comunitários de saúde (maio)
EC -121Retoma benefícios tributários para empresas de tecnologia da informação e comunicação e de semicondutores (maio)
EC -122Eleva limite de idade para a indicação de ministros de tribunais superiores e juízes de segunda instância (maio)
EC -123Reconhece estado de emergência e autoriza gastos fora do teto para combater alta do preço dos combustíveis (julho)
EC -124Prevê que lei federal deve instituir piso salarial nacional para os enfermeiros (julho)
EC -125Limita a apresentação de recursos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (julho)
EC -126Autoriza gastos fora do teto para complementar o Orçamento de 2023 (dezembro)
EC -127 Direciona recursos de fundos para financiar o piso salarial da enfermagem (dezembro)
EC -128Impede lei federal de criar despesa sem fonte de receita (dezembro)

Cezar Xavier com informações da Agência Senado