Foto: Valter Campanato/AgênciaBrasil

A atitude golpista continua sendo um dos traços mais marcantes de Jair Bolsonaro (PL), mesmo quando o ainda presidente não aparece ou não se pronuncia. Seu silêncio diante dos atos terroristas promovidos por seus apoiadores em Brasília na noite de segunda-feira (12), dia em que o presidente eleito Lula (PT) foi diplomado, é extremamente eloquente. Assim como foi clara, apesar de propositalmente ambígua, a fala que fez na sexta-feira (9), atiçando sua horda mesmo que de maneira dissimulada. 

Ao não falar sobre os atos terroristas de segunda-feira, Bolsonaro não está apenas se esquivando como pessoa física. Na condição de presidente da República ainda em exercício, à frente do principal cargo do poder Executivo do país, a falta de reação de Bolsonaro deixa um recado claro de desrespeito à vontade das urnas e à democracia e de leniência e omissão quanto ao seu papel como dirigente diante de um episódio tão grave de agressão golpista às instituições nacionais. 

Ao não condenar as ações de seus seguidores, Bolsonaro deixa implícito seu apoio, sem, no entanto, se comprometer diretamente com atos que, ele sabe bem, são ilegais e irresponsáveis. 

Na avaliação do jurista Wálter Maierovitch, veiculada pelo UOL, “Bolsonaro está criando um álibi. Mas esse silêncio é falso. Ele quer criar um muro de proteção, dizer ‘não estava lá, não participei, me mantive em silêncio’. Isso é criar um álibi para excluir a responsabilidade criminal”. 

No entanto, argumentou, Bolsonaro “pode ser responsabilizado. É uma omissão e apoio. O álibi significa estar distante, em outro lugar, mas é falso. Ele participa, porque esse silêncio é negativo, porque ele não reprova”. 

Ao mesmo tempo, em sua fala mais recente, no dia 9, Bolsonaro soltou frases como  “quem decide o meu futuro e para onde eu vou são vocês. Quem decide para onde vai [sic] as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara, o Senado, são vocês também”.  Disse, ainda,  “vamos vencer”, sem apontar exatamente a que se referia, e “nada está perdido. Ponto final, somente com a morte”. 

Como diz o ditado, “para bom entendedor, pingo é letra”. E é por esse diapasão que muitos de seus fanáticos seguidores interpretam suas declarações.  

Inércia e reações

A falta de medidas efetivas durante os atos por parte da Polícia Militar do Distrito Federal foi criticada, inclusive por especialistas. Reações por vezes excessivas aplicadas por agentes de segurança pública contra manifestações pacíficas de movimentos sociais em tantas outras ocasiões deram lugar, desta vez, a uma postura passiva e nada efetiva, inclusive com ausência de prisão dos envolvidos.

Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal disse que a falta de prisões teria sido uma estratégica para a “redução dos danos e para evitar uma escalada ainda maior dos ânimos”. Também afirmou que os atos “estão sendo apurados pela Polícia Civil do Distrito Federal e os participantes, uma vez identificados, serão responsabilizados”.

“Se fosse qualquer outro tipo de manifestação, a gente teria a polícia sendo mais enérgica e certamente uma quantidade grande de prisões sendo feitas. A gente não está falando somente de uma manifestação, estamos falando de atos muito graves de vandalismo e, inclusive, há a possibilidade de que isso se enquadre até na legislação de terrorismo”, disse à BBC Brasil a consultora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Isabel Figueiredo. 

“O mínimo que se espera do sistema de segurança do DF é que muito rapidamente prisões sejam realizadas agora. Que seja uma investigação célere. Há material farto de provas nos vídeos (que registraram os atos de vandalismo), não é difícil identificar essas pessoas, e essas pessoas têm que responder”, defendeu.

Na falta de reação por parte do presidente da República e do atual ministro da Justiça, o futuro responsável pela pasta, Flávio Dino, destacou que a partir de 1º de janeiro, quando assume o novo governo, as medidas cabíveis serão tomadas. 

À GloboNews, Dino destacou: “De um lado, temos a redução do tamanho desses grupos, ou seja, são grupos cada vez menores, porém, infelizmente, cada vez mais extremistas. Então, claro que a resposta do Estado, aí inclusos o aparato policial e o poder judiciário, tem de ser cada vez mais proporcional, mais firme, para garantir que esses grupos de arruaça política, de baderna, de terrorismo, de violação do Estado democrático de direito, sejam enquadrados naquilo que a lei manda. Estamos fazendo isso no limite da nossa atribuição e faremos intensamente a partir do dia 1º de janeiro”. 

O novo ministro disse ainda que “não haverá nenhuma anistia mágica no dia 1º de janeiro, tampouco haverá prescrição daqui para lá. Então, todos os crimes, os ilícitos, os atos, serão objeto de análise”. Dino afirmou ainda não haver dúvida de que “independentemente do que vai acontecer daqui até o dia 31 de dezembro no que se refere à atual equipe, a próxima vai adotar todas as medidas para garantir que a lei seja efetivamente cumprida, a ordem pública restabelecida e, ao mesmo tempo, sejam investigados esses fatos lamentáveis, hediondos e inaceitáveis que estão acontecendo”. 

No dia seguinte aos atos, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da Oposição na Casa, pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que as manifestações terroristas sejam investigadas no âmbito do inquérito das milícias digitais. O parlamentar apontou haver uma “escalada antidemocrática”, classificou como “sem precedentes” os atos violentos de segunda-feira e pediu “punição exemplar dos envolvidos, inclusive daqueles que os financiaram e dos que os apoiaram ou incentivaram politicamente”.