Xi Jinping chama Biden a respeitar soberania chinesa e restaurar relações bilaterais
Atendendo pedido do lado norte-americano, os presidentes Xi Jinping e Joe Biden se reuniram, na véspera da cúpula do G20, na segunda-feira (14), em Bali, na Indonésia, com o líder chinês instando o mandatário norte-americano a “recolocar nos trilhos” as relações bilaterais, respeitar as linhas vermelhas chinesas – a primeira delas, Taiwan –, abandonar a política de ‘soma zero’ e aderir às normas básicas das relações internacionais, enquanto o chefe da Casa Branca concordava em melhorar as relações e até comentou com repórteres não ser necessária “outra Guerra Fria”.
A reunião, que durou três horas, restabeleceu as comunicações entre Pequim e Washington, que estavam virtualmente cortadas desde a provocação em agosto da presidente da Câmara dos Deputados, terceiro mais alto posto da hierarquia de poder norte-americana, Nanci Pelosi, visitando Taiwan e passando por cima do fundamento das relações EUA-China, a política de ‘Uma Só China’, em vigor desde a década de 1980. A troca de opiniões Xi-Biden foi considerada “franca e construtiva”.
Como registrou a agência CGTN, Xi apontou que a China e os EUA devem, com uma atitude responsável em relação à história, ao mundo e aos povos, “explorar a maneira correta de lidar um com o outro na nova era e encontrar o caminho certo para o desenvolvimento das relações binacionais, de modo a colocá-las de volta aos trilhos, no caminho de um desenvolvimento saudável e estável, para o benefício de ambos os países e do mundo”.
Biden por sua vez disse que EUA e China “têm a responsabilidade compartilhada de mostrar ao mundo que podem gerenciar suas diferenças e impedir que a competição se transforme em algo próximo ao conflito e encontrar maneiras de trabalhar juntos em questões globais urgentes que exigem nossa mútua cooperação.”
“Os laços China-EUA não devem ser um jogo de soma zero com um vencendo ou prosperando à custa do outro”, enfatizou o presidente Xi. A Terra é grande o suficiente para acomodar o respectivo desenvolvimento e prosperidade comum de ambos os países, acrescentou.
“Dada a profunda integração das duas economias e as novas tarefas de desenvolvimento enfrentadas por cada uma, é do nosso interesse comum beneficiar do desenvolvimento uma da outra”.
Xi disse ainda levar na devida conta os “cinco nãos” declarados por Biden no encontro: “os EUA respeitam o sistema da China e não procuram mudá-lo. Os EUA não buscam uma nova Guerra Fria, não buscam revitalizar alianças contra a China, não apóiam a “independência de Taiwan”, não apóiam “duas Chinas” ou “uma China, uma Taiwan”, e não têm intenção de ter um conflito com a China. O lado norte-americano não tem a intenção de buscar a “dissociação” da China, de desacelerar o desenvolvimento econômico deste país ou de contê-lo”.
Em um balanço que fez do encontro, Biden – segundo observou a Associated Press – descreveu Xi “não mais conflituoso ou mais conciliador, mas ‘do jeito que ele sempre foi: direto e reto’”.
UNIPOLAR VS MULTILATERAL
A primeira reunião presencial Xi-Biden desde a posse do presidente norte-americano em 2021 acontece após o acirramento dos conflitos envolvendo as duas maiores economias do planeta.
Em um documento de estratégia de segurança nacional divulgado no mês passado, Biden pela primeira vez identificou a China como o “desafio geopolítico mais consequente da América” e escreveu que o país era o “único concorrente com a intenção de reformular a ordem internacional e, cada vez mais, com poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para avançar nesse objetivo” [além de apontar a Rússia como a ameaça mais imediata].
Documento que almeja manter os EUA como poder unilateral e incontrastável no planeta, apesar de toda a decadência norte-americana.
Em setembro o governo Biden agravou a guerra tecnológica contra a China iniciada por Donald Trump, proibindo que até mesmo fabricantes de terceiros países, se usarem alguma tecnologia de procedência norte-americana, de fornecer à China microchips e equipamentos de ponta para sua fabricação. Até os norte-americanos que estiverem trabalhando na China no setor de chips foram ordenados a abandonar o país, sob pena de perda da cidadania norte-americana.
Nos últimos meses, Washington acelerou as tratativas para esticar a Otan até a região Ásia-Pacífico, além de criar blocos militares análogos, como o Aukus (Austrália, Reino Unido e EUA).
Já a China está empenhada em “aprofundar e expandir as parcerias globais, defendendo o sistema internacional centrado na ONU e a ordem internacional baseada no direito internacional e promovendo a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”.
Continuará “a buscar o desenvolvimento pacífico, aberto e em que todos ganham como participante e promotor do desenvolvimento global, para realizar o desenvolvimento compartilhado com todos os outros países”, ressaltou o presidente chinês, que acrescentou que o mundo está em um momento histórico importante, com os países precisando não apenas responder a desafios sem precedentes, mas também aproveitar oportunidades sem precedentes. “Devemos visualizar e abordar os laços sino-americanos desta altura”.
Quanto à tentativa de Washington de conter o desenvolvimento chinês, Xi advertiu que “iniciar uma guerra comercial ou uma guerra tecnológica, construir muros e barreiras e pressionar pela dissociação e corte das cadeias de suprimentos contraria os princípios da economia de mercado e prejudica as regras do comércio internacional”. Opomo-nos à politização e ao uso como arma dos intercâmbios econômico-comerciais e científico-tecnológicos entre a China e os Estados Unidos, acrescentou.
No encontro, Xi falou sobre o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh) e seus resultados. “Promovemos de forma abrangente o grande rejuvenescimento da nação chinesa com a modernização chinesa, continuamos a ter como ponto de partida a realização das aspirações das pessoas por uma vida melhor, avançamos resolutamente a reforma e a abertura e promovemos a construção de uma economia mundial aberta”.
“A China não procura mudar a ordem internacional existente ou interferir nos assuntos internos dos EUA, nem pretende desafiar ou substituir os EUA”, reiterou Xi, insistindo no “respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação ganha-ganha”.
TAIWAN
“A questão de Taiwan está no cerne dos interesses centrais da China, a base da fundação política das relações China-EUA, e a primeira linha vermelha que não deve ser cruzada nas relações China-EUA”, disse o presidente Xi em um comunicado publicado pela agência de notícias Xinhua. Ele acrescentou que a resolução da questão de Taiwan “é assunto próprio dos chineses e assunto interno da China”.
“Salvaguardar a reunificação e a integridade territorial da pátria é a aspiração comum do povo chinês e da nação chinesa. Qualquer um que pretenda separar Taiwan da China prejudicará os interesses cardeais da nação chinesa, e o povo chinês de forma alguma permitirá isso”, afirmou o líder chinês.
“Esperamos ver e estamos sempre comprometidos com a paz e a estabilidade em todo o Estreito de Taiwan”, acrescentou. “No entanto, a paz e a estabilidade através do Estreito e a suposta ‘independência de Taiwan’ são tão irreconciliáveis quanto o fogo e a água”.
DEMOCRACIA
O presidente Xi Jinping destacou que a liberdade, a democracia e os direitos humanos são a esperança comum da humanidade e a aspiração consistente do PCCh. “Assim como os EUA têm uma democracia de estilo americano, a China tem uma democracia de estilo chinês”, sublinhou.
“As duas democracias são consistentes com suas respectivas realidades nacionais. Todo o processo de democracia popular da China está enraizado em nossas condições nacionais, história e cultura, e reflete a vontade de nosso povo. Estamos extremamente orgulhosos dela”, disse Xi.
“Nenhum país tem um sistema democrático perfeito, e sempre há necessidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento. Quanto às diferenças concretas, ambas as partes podem discuti-las, e sempre com a condição de igualdade”.
O presidente Xi Jinping destacou ainda que os dois países estão tomando caminhos diferentes: “os EUA estão praticando o capitalismo enquanto a China está praticando o socialismo”. Essa diferença não é novidade e continuará existindo. “A liderança do PCCh e o sistema socialista da China são apoiados por 1,4 bilhão de chineses e constituem a garantia fundamental para o desenvolvimento e a estabilidade do país”.
“A China tem uma gloriosa tradição de auto-aperfeiçoamento contínuo, e qualquer repressão e restrição apenas fortalecerá a vontade e o moral do povo chinês”, disse Xi.
A repórteres, Biden asseverou ter sido “claro” sobre a defesa dos “interesses e valores americanos”. “Promoveremos os direitos humanos universais, defenderemos a ordem internacional [sob regras, claro] e trabalharemos em sintonia com nossos aliados e parceiros”, disse o chefe da Casa Branca. Ele prometeu “competir vigorosamente”, mas não estar “procurando conflito.”
UCRÂNIA
Os dois presidentes também trocaram opiniões sobre a crise na Ucrânia e outras questões. “A China apoia e espera a retomada das negociações de paz Rússia-Ucrânia”, afirmou o presidente Xi, esboçando um roteiro para a superação da crise.
“Diante de uma crise global e complexa como a da Ucrânia, precisamos refletir cuidadosamente sobre o seguinte: primeiro, em um conflito ou em uma guerra não há vencedores; segundo, não há soluções simples para questões complicadas; terceiro, devemos evitar o confronto entre os grandes países. A China sempre esteve do lado da paz e continuará a promover negociações de paz”.
“Ao mesmo tempo, esperamos que os EUA, a Otan, a UE e a Rússia desenvolvam diálogos abrangentes”: uma referência à conhecida posição de Pequim de que foi a recusa dos EUA de deter a expansão da Otan para as portas da Rússia e em respeitar o princípio da segurança coletiva e abrangente o que levou à crise na Ucrânia, cuja anexação pela Otan foi proposta ainda no governo de W. Bush. O que só se agravou com o golpe de 2014 em Kiev.
Por sua vez Biden tentou apresentar a declaração conjunta de que a ameaça ou uso de armas nucleares é “totalmente inaceitável” como algum tipo de endosso de Pequim a Washington e sua acusação de que é a Rússia que vem ameaçando usar armas nucleares na Ucrânia, quando se sabe que esse não é o ponto de vista chinês, nem o russo.
A Rússia jamais ameaçou usar as armas nucleares contra o povo eslavo irmão, e o que Putin fez foi advertir, diante de ameaças de guerra nuclear explicitadas pela britânica Liz Truss – e não só por ela -, que Moscou também tinha essas armas, e que a “rosa dos ventos” poderia mudar de direção.
NA MÍDIA DOS EUA
Segundo a agência de notícias AP, “o presidente Joe Biden se opôs às ‘ações coercitivas e cada vez mais agressivas’ da China em relação a Taiwan durante a primeira reunião pessoal de sua presidência com Xi Jinping, já que os dois líderes das superpotências pretendiam ‘gerenciar’ suas diferenças na competição pela influência global”.
Mais sereno, o Washington Post destacou que “Biden diz que não há necessidade de uma nova Guerra Fria depois de conversação com Xi da China”. No mesmo tom, o Wall Street Journal estampou que “Presidentes Biden e Xi se movem para estabilizar as relações EUA-China”, acrescentando que os líderes “buscaram deter uma rápida espiral descendente nas relações, enquanto reconhecendo áreas de profundo desacordo que poderiam romper esses esforços” .
Papiro
(BL)