“Oposição à minha iniciativa impediu diálogo Rússia-Europa”, diz Merkel
Em entrevista à revista alemã Der Spiegel publicada na quinta-feira (24), a ex-primeira-ministra alemã Angela Merkel disse ter buscado, junto com o presidente francês Emmanuel Macron, criar em 2021 um formato de discussão europeu independente com Putin por meio do Conselho Europeu, mas enfrentou oposição de outros membros do órgão superior da UE e esse esforço acabou por dar em nada.
“No verão de 2021, depois que os presidentes [americano e russo] Biden e Putin se encontraram, eu queria estabelecer um formato de debate europeu separado com Putin, novamente com [o presidente francês] Emmanuel Macron no Conselho da UE”, contou.
No entanto, vários líderes europeus se opuseram a tal ideia, então Merkel não tinha mais “força” porque “todos sabiam que ela iria desaparecer no outono”. Nesse sentido, a ex-chefe do governo alemão contou que perguntou a alguns colegas do bloco europeu: “Por que vocês não entram em contato? Outro apenas deu de ombros [e disse]: ‘ Os grandes teriam que fazer isso.’”
Ela salientou que os Acordos de Minsk – que haviam sido mediados por Berlim e Paris em 2014 – “foram corroídos”, portanto, a ofensiva russa na Ucrânia em fevereiro “não foi uma surpresa”.
Merkel acrescentou que na visita de despedida a Moscou, ela sentiu que já não tinha mais a capacidade de influenciar Putin.
A ex-líder alemã disse ainda que “desejava por um período mais pacífico” após sua partida e teria “pressionado por [sua iniciativa] ainda mais” se tivesse decidido liderar seu partido nas eleições parlamentares de 2021 e vencido.
A ex-premiê não se arrepende de deixar o comando do governo, porque “alguém novo tinha que fazer isso” com uma abordagem renovada. Ele também acrescentou que não pretende se envolver na política atual e é guiada por uma “abstinência consciente” que está “na ordem do dia”.
Na entrevista, Merkel defendeu sua oposição à admissão da Geórgia e da Ucrânia na OTAN e também a decisão de comprar gás de Moscou, que insistiu ser o melhor caminho para o enfrentamento da crise climática e para o abandono do uso do carvão.
Opção que observadores com um mínimo de isenção consideram que permitiu à Alemanha por décadas o fornecimento confiável de gás russo barato, uma das grandes razões para o sucesso e competitividade da indústria alemã.
Merkel alertou que a Alemanha não deve ser “a primeira nação a enviar tanques de última geração” para Kiev, o que só prejudicaria as relações de Berlim com Moscou. “A Rússia, então, só ficaria ainda mais contra a Alemanha”, disse ela.
Anteriormente, ela já advertira que, até por razões geográficas, a Rússia tem que ser levada em consideração para a paz e a segurança no continente.
Ela admitiu não ter avançado “nem um milímetro” na resolução não só da crise da Ucrânia, mas das tensões entre “Transnístria e Moldávia, Geórgia e Abkházia”, bem como as crises na Síria e na Líbia. “Era hora de uma nova abordagem”, salientou.
BIDEN E SEU PACOTE ANTI-EUROPA DE US$ 369 BI
A entrevista de Merkel vem à tona em um momento em que Paris e Berlim se dão conta de quem está ganhando com a crise na Ucrânia são os Estados Unidos, com o governo Biden, e seu pacote ‘anti-inflação’ de US$ 369 bilhões, chamando as empresas europeias a mudarem fábricas de veículos elétricos e as intensivas em energia para solo norte-americano, onde o gás é 4-5 vezes mais barato do que os europeus estão tendo de pagar aos norte-americanos, após embarcarem nas sanções contra a Rússia. E o complexo industrial-militar norte-americano, com a venda em massa de armas aos europeus, sob o pretexto da Ucrânia.
As políticas de subsídios dos EUA e os altos preços da energia estão cada vez mais ofuscando as relações de Washington com seus aliados da União Europeia e expondo-os ao risco de que a opinião pública da UE se volte contra o apoio militar à Ucrânia e à aliança transatlântica, relata o portal alemão-americano Politico .
As autoridades europeias estão “furiosas” com o governo Biden, assinalou o portal. Indignação que se baseia no fato de os Estados Unidos serem “o país que mais beneficia” com o conflito armado, “porque vendem mais gás e a preços mais elevados e porque vendem mais armas”, disse um dos responsáveis consultado.
Por um lado, a interrupção do comércio normal na Europa está levando as economias da região à recessão, enquanto o maior ponto de tensão nas últimas semanas tem sido exatamente os subsídios e tarifas aprovados por Biden, medidas que, segundo Bruxelas, alienam injustamente a UE do comércio com os EUA enquanto ameaçam destruir a indústria europeia.
De acordo com o portal, ministros e diplomatas de países da UE estão “frustrados” e expressam sua desaprovação ao governo Biden, que simplesmente ignora o impacto de suas políticas econômicas sobre seus aliados europeus.
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, pediu a Washington que respondesse às preocupações europeias denunciando o “impacto econômico” causado nos Estados comunitários pelas decisões que são tomadas do outro lado do Atlântico. O ministro da economia alemão, Robert Habeck, pediu mais “solidariedade” dos EUA e redução dos custos de energia, mas sem sucesso.
Conforme Politico, quando os líderes europeus levantaram a questão dos altos preços do gás com Biden na cúpula do G20 em Bali na semana passada, o presidente dos EUA simplesmente parecia não estar ciente do problema.
Na opinião de um diplomata que falou sob condição de anonimato, é a Lei de Redução da Inflação dos Estados Unidos que “muda tudo”. Para Biden, trata-se de uma conquista climática histórica, enquanto na UE é vista de outra forma, como um conjunto de “subsídios discriminatórios que vão distorcer a concorrência”, segundo outro diplomata francês.
“A Lei de Redução da Inflação é muito preocupante”, disse a ministra holandesa do Comércio, Liesje Schreinemacher. “O impacto potencial na economia europeia é muito grande”, criticou.
“Os EUA seguem uma agenda interna que, infelizmente, é protecionista e discriminatória contra os aliados dos EUA”, denunciou o eurodeputado croata Tonino Picula.
Um dos entrevistados apontou que após a concessão de subsídios às indústrias ‘verdes’ no valor total de 369 bilhões de dólares, é legítimo levantar a questão de saber se o país norte-americano continua aliado da UE ou não.
“Se a economia europeia não vai bem, é bom para os EUA”, país que “vê na União Europeia um rival econômico”, disse à RT o vice-diretor da revista La Comuna, Pablo Garcia Varela. “Ele não vê um aliado, não vê amigos” a quem vai ajudar “enquanto eles estão passando por um momento ruim e a Rússia tem que ser parada”, continuou Varela.
“Ao aumentar o custo da energia e tornar menos competitivas as indústrias [rivais europeias], os EUA podem se posicionar melhor no comércio internacional”, concluiu.
Papiro
(BL)