Xi Jinping e Olaf Scholz no encontro em Pequim (AFP)

O colunista da edição alemã da RT, Rainer Rup, analisou em detalhes o significado e contradições da visita do primeiro-ministro Olaf Scholz a Pequim em 4 de novembro, quando se tornou o primeiro líder ocidental a se encontrar com o presidente Xi Jinping pós-20º Congresso do PC chinês.

Ele registrou que a visita de um dia de Scholz a Pequim “aparentemente não havia sido acordada com os Estados Unidos”, o que ficou claro “pelas reações de Washington”. Cuja estratégia, como observou, “visa conter politicamente a China e torpedear seu desenvolvimento econômico e social”.

Rup assinalou que no período que antecedeu o congresso quinquenal do PCCh os falcões dos think tanks pró-governo dos EUA “já haviam sonhado com uma divisão na liderança política de Pequim e mudança de regime na China em artigos e ‘análises descerebradas’”.

Para grande desgosto de Washington – acrescentou -, no entanto, as coisas aconteceram de forma “muito diferente”. “Xi não apenas conseguiu fortalecer sua posição pessoal no topo, mas também tornar o partido à prova de crises contra a infiltração política do Ocidente e o aparato estatal pronto para a guerra contra ataques militares ou econômicos dos EUA e seus vassalos ocidentais”.

O fato de que, após esse bem-sucedido fortalecimento e preparação da China para a escalada planejada por Washington e seus vassalos, Scholz haja sido o “primeiro chefe de governo de um país da UE” a visitar Pequim quase imediatamente após o fim do congresso do PCCh, foi registrado com satisfação por Xi em seu discurso de boas-vindas. Em Washington – destacou Rup – isso deve ter sido percebido como um chute poderoso de Scholz na canela dos EUA.

Para o articulista, não está claro se o lado alemão irritou os EUA “por estupidez”, ou se Scholz pretendia que sua visita na época “fosse um sinal a Washington de que a economia alemã não apoiaria o líder dos EUA no caso de novas sanções suicidas, desta vez contra a China, se seguissem”.

QUINTA-COLUNA

Os ataques mais veementes contra Scholz vieram da Alemanha, até mesmo de dentro de sua coalizão governante. Acima de tudo, a ‘quinta coluna’ de agentes de influência de Washington na liderança do partido no Bundestag e nas redações alemãs estava” espumando pela boca”.

Mesmo antes de Scholz partir para Pequim, “eles condenaram veementemente sua visita ao ‘ditador e opressor e violador de direitos humanos e belicista anti-Taiwan’ Xi, que não adere à ‘ordem baseada em regras’” ocidental, ressaltou Rup.

O fato de o chanceler Scholz, na percepção do colunista, ter retornado de mãos vazias de Pequim deu a essa quinta coluna e à mídia “motivação adicional para duras críticas” ao premiê Scholz e “seu gesto de boa vontade para com a China”.

Antes da partida de Scholz para Pequim, circulou amplamente em Berlim a versão de que o primeiro-ministro “exortaria Pequim a condenar a Rússia pela Ucrânia, participar nas sanções ocidentais contra a Rússia e deixar de apoiar Moscou política e economicamente, mudar suas próprias políticas econômicas e comerciais, respeitar a ‘ordem baseada em regras’ encabeçada pelos EUA, e engajar a China de forma construtiva”.

“Scholz não trouxe nada disso de Pequim”, enfatiza Rup, que acrescenta que nada mais vazou sobre a alegada intenção do primeiro-ministro de responsabilizar Xi pelas supostas violações de direitos humanos da China.

LIÇÃO AFIADA

Na verdade – ele sublinha – , “foi Xi quem ensinou uma lição afiada a Scholz e à política alemã”, como se depreende dos relatos da diplomacia chinesa. Mas os críticos pró-americanos de Scholz na coalizão de semáforos e a oposição em Berlim não abordaram isso “de forma alguma”.

Ou eles são muito desajeitados para entender a linguagem refinada da China, ou “ignoraram deliberadamente” o protocolo do Ministério das Relações Exteriores chinês, para não terem que lidar “com seus próprios erros desastrosos na política externa e comercial”.

Na ata chinesa da visita, há por exemplo uma passagem em que o presidente Xi enfatiza a Scholz a importância da confiança política entre os Estados: “É fácil de destruir, mas difícil de reconstruir, por isso deve ser cuidado e protegido por ambos os lados”.

Passagem que soa “como uma repreensão velada a Scholz e a maneira como a Alemanha destruiu seu relacionamento com a Rússia”, em que, como aponta o colunista, “o governo da coalizão semáforo tentou mudar a Rússia e forçar que aceitasse a ideologia do bloco ocidental e tomasse seu lugar nas fileiras de trás da ‘ordem baseada em regras’ do Ocidente”.

CONFIANÇA POLÍTICA

O colunista transcreve na íntegra o trecho do texto oficial do Ministério das Relações Exteriores da China:

“O presidente Xi enfatizou que a confiança política é fácil de destruir, mas difícil de restaurar e que deve ser nutrida e protegida por ambos os lados. devem ter a compostura para aceitar as coisas que não podem mudar, a coragem para mudar as coisas que podem e a sabedoria para distinguir entre as duas.

É importante, que a China e a Alemanha se respeitem, levar em conta os interesses fundamentais de cada um, manter o diálogo e a consulta e juntos resistir à ruptura do confronto do bloco e tentativas de ver tudo através do prisma da ideologia.”

Citando [o ex-premiê] Schmidt que os líderes devem ter a coragem de aceitar as coisas que não podem mudar, “Xi deixou claro que a Alemanha deve respeitar a modernização da China à maneira chinesa e levá-la em consideração nas relações mútuas, porque Pequim está comprometida com seus interesses centrais, o que não pode ser alteradoa por pressão externa”.

Xi então fala sobre a necessidade de aderir ao diálogo e à consulta e resistir coletivamente à ruptura dos confrontos do bloco e às tentativas de ver tudo através do prisma da ideologia. Na superfície, parece que ele está falando sobre as relações sino-alemãs. Mas os problemas mencionados ainda não existem nesta forma aguda entre Pequim e Berlim, mas aplicam-se plenamente às relações germano-russas.

INAPTIDÃO AO COMPROMISSO

E o leitor não pode escapar da impressão de que se trata de uma crítica indireta à Alemanha. Porque o governo semáforo geriu as relações com a Rússia extremamente mal, não só do ponto de vista da China, sobretudo porque descartou os interesses centrais da Rússia como irrelevantes e as ‘linhas vermelhas’.

Até o próprio Scholz, em suas conversas em Moscou pouco antes do início da operação especial russa, não aderiu à necessidade de diálogo e consulta para encontrar um compromisso no interesse de ambas as partes.

“Em vez disso, durante sua última visita a Moscou, ele repetiu teimosamente o mantra do bloco da Otan de que o que acontece na Ucrânia e em suas fronteiras com a Rússia não é da conta de Moscou. E por último, mas não menos importante, o governo federal alemão, sem hesitação, seguiu um curso de confronto excessivo contra a Rússia junto com o bloco da Otan”.

A advertência de Xi para não ver tudo pelo prisma da ideologia também se aplica ao que o governo alemão está fazendo atualmente, quando faz de sua exigência na área de relações comerciais sua máxima para não se tornar dependente de países que não compartilham com a Alemanha os chamados ‘valores ocidentais’.

No entanto, essa máxima é direcionada apenas seletivamente contra a Rússia e não contra estados feudais ditatoriais declarados, por exemplo a Península Arábica, com a qual a Alemanha continua a comercializar e à qual Berlim também fornece armas.

Ao mesmo tempo, em outra parte do protocolo, pode-se ler uma advertência velada à Alemanha para que não faça à China o que Berlim fez à Rússia, abandonando o realismo econômico e político e visando estratégias de confronto de bloco e justificativas ideológicas para arruinar a Rússia, conforme formulado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão há alguns meses.

SEGURANÇA EQUILIBRADA

E então também encontramos uma passagem sobre a Ucrânia que diz o seguinte:

“O presidente Xi reiterou o apoio da China para que a Alemanha e a Europa desempenhem um papel importante na facilitação das negociações de paz e na construção de uma arquitetura de segurança equilibrada, eficaz e sustentável na Europa. exercer moderação em se envolver diretamente o mais rápido possível e preparar o terreno para a retomada das negociações”.

Rup enfatiza que aquilo que “à primeira vista parece apoio à posição alemã e da UE na crise da Ucrânia acaba sendo uma dura repreensão à política alemã e europeia”:

O ‘estabelecimento de uma arquitetura de segurança equilibrada, eficaz e sustentável na Europa’ é exatamente o que o lado russo exigia, e a disposição da Europa ou mesmo da Alemanha de entrar em negociações com Moscou provavelmente já teria levado a cortar a guerra na Ucrânia no nascedouro.

Rup aponta que a exigência de que todas as partes relevantes ‘se mantenham racionais e sejam moderadas’ “exige exatamente o oposto do que Berlim e a UE estão fazendo na Ucrânia, que estão fazendo tudo com sua política e sua ajuda armamentista para agravar a situação e prolongar a guerra com o objetivo declarado de enfraquecer a Rússia, como explicou o chefe do Pentágono durante uma visita à Polônia”.

“Apoiar todos os esforços que conduzam à solução pacífica da crise na Ucrânia” é também um chute na canela do governo alemão, que explicitamente não quer uma solução negociada para o conflito, mas sim sua política para a (impossível) vitória da Ucrânia sobre a Rússia com a qual está alinhado.

E então chegamos ao protocolo para a passagem sobre armas nucleares, ao qual o primeiro-ministro Scholz se referiu com orgulho porque ele a via como uma condenação da Rússia. Só por isso – segundo Scholz – sua viagem a Pequim valeu a pena. Aqui está o texto dessa passagem, segundo a qual Xi exorta as “partes relevantes” no conflito na Ucrânia a “opor-se à ameaça ou ao uso de armas nucleares, defender que as armas nucleares não podem ser usadas e que as guerras nucleares não devem ser travadas e que uma crise nuclear na Eurásia seja evitada”.

Passagem que foi vigorosamente usada por Scholz em seu retorno da China, como registrou Rup, “para atiçar os temores do uso de armas nucleares russas entre o povo alemão e sugerir que ele e Xi, ao condenar “’as ameaças da Rússia de usar armas nucleares na guerra da Ucrânia’, concordam”. Esta é uma desinformação de má qualidade e barata que certamente “não cairá bem em Pequim”.

Rup sublinhou que tal passagem relevante do protocolo “sequer se refere indiretamente à Rússia”. “Não há acusação velada contra a Rússia porque a China sabe muito bem que ninguém, seja na liderança do Kremlin ou nas forças armadas russas, jamais ameaçou usar armas nucleares na Ucrânia”.

O colunista destacou que foram principalmente os belicistas britânicos e norte-americanos nos mais altos cargos de governo aqueles que nos últimos meses usaram cada vez mais a palavra “uso de armas nucleares” pela Rússia na Ucrânia e, assim, amedrontaram a UE com um cenário de ameaça nuclear. “Desde o primeiro-ministro Boris Johnson e sua sucessora Liz Truss ao presidente dos EUA, Joe Biden. Este último até alertou explicitamente sobre um Armageddon nuclear desencadeado pela Rússia”.

SEM TEATRALIDADE

Foi apenas tendo como pano de fundo os principais políticos da Otan citando constantemente um possível conflito com armas nucleares na Ucrânia que o Presidente russo e alguns de seus ministros comentaram sobre o assunto de armas nucleares de maneira prática, “referindo-se sem teatralidade à conhecida doutrina russa do uso de armas nucleares”.

Ela só prevê o uso de armas nucleares se a existência estatal da Federação Russa não puder mais ser garantida com meios militares convencionais. “O uso de armas nucleares, sejam táticas ou estratégicas, não é permitido para operações defensivas normais, muito menos operações ofensivas em um conflito não nuclear”. Mas é “exatamente isso que está previsto na nova estratégia nuclear dos EUA. Pega ladrão, o ladrão grita”

Rup acrescentou que a liderança russa” repetida e explicitamente descartou qualquer uso de armas nucleares” em correlação com os fatos na Ucrânia. Porque não importa quanto tempo dure o conflito na Ucrânia, a Ucrânia não vencerá e certamente não colocará em risco a existência do Estado russo. “Qualquer um que pense que isso é propaganda russa deve perguntar a estrategistas de alto escalão dos EUA, como o ex-militar americano Scott Ritter ou Douglas Macgregor”.

No entanto, a versão de Scholz foi bem recebida na mídia russofóbica, como mostra o exemplo a seguir:

“O chanceler Olaf Scholz (SPD) descreveu uma posição comum com a liderança chinesa contra as ameaças da Rússia de usar armas nucleares na guerra da Ucrânia como um grande sucesso de sua viagem a Pequim. ‘Toda a viagem valeu a pena só por isso’, disse Scholz na convenção de debate do SPD da conferência. Tanto ele quanto a liderança chinesa conseguiram declarar que ‘armas nucleares não devem ser usadas nesta guerra’”.

O problema com esta frase é que os chineses estavam pensando nos norte-americanos e Scholz e seu povo estavam tentando apontar para os russos.

INTERMEDIÁRIO DA PAZ?

“É de se perguntar o que Scholz realmente pretendia com sua visita à China. Podemos encontrar uma pista na seguinte passagem: ‘Xi reiterou o apoio da China para que a Alemanha e a Europa desempenhem um papel importante na facilitação das negociações de paz’.”

Para Rup, isso significa que Pequim “se ofereceu para atuar como intermediário nas negociações de paz”. O fato de isso aparecer na transcrição sugere que Scholz discutiu isso com Xi e não negou. Esse pode ter sido o verdadeiro motivo da visita de Scholz a Pequim, como alguns observadores internacionais, por exemplo, o conhecido comentarista e ex-embaixador da Índia na Alemanha MK Bhadrakumar, suspeitou desde o início.

Rup apontou que logo no início da atual crise na Ucrânia, “Scholz não conseguiu proteger os interesses da Alemanha e se afirmar contra as demandas radicais do bloco anglo-americano russofóbico, que até faz parte de seu próprio governo na forma dos Verdes”.

“Ele desperdiçou outra oportunidade perdida de neutralizar a crise com sua visita extraordinariamente desajeitada a Moscou e seus comentários provocativamente estúpidos sobre a comparação Kosovo-Donbass. Em vez de tranquilizar os russos nesta visita, ele os fez abandonar qualquer esperança de que Berlim entenderia suas preocupações de segurança”.

Para Rup, Scholz poderia ter sido uma ponte entre os russos e os EUA, mas estragou tudo. “Então, após o início do conflito, ele se envolveu na guerra econômica de desgaste planejada pelo bloco anglo-americano, na qual danos maciços e irreparáveis foram e estão sendo infligidos à UE, mas principalmente à economia alemã”.

“Como primeiro-ministro do país economicamente mais importante da Europa, ele criou um caos completo do qual simplesmente não há como escapar. Às vezes parece que Scholz não tem noção do que fez lá. Talvez ele esteja procurando desesperadamente uma maneira de sair dessa situação. Sem outra tábua de salvação à vista, ele pode ter procurado uma em Pequim e, em troca, estava disposto a ouvir algumas lições sobre boa política externa e o valor da confiança nas relações entre os Estados. Vamos ver se ele aprendeu alguma coisa em Pequim”, concluiu em seu artigo à RT na versão alemã.

Papiro

(BL)