Médicos fazem treinamento no hospital de campanha para tratamento de covid-19 do Complexo Esportivo do Ibirapuera.

A diminuição dos casos de Covid-19 nos últimos meses deixou o país com a sensação de que a pandemia havia acabado – ainda que essa informação nunca tenha existido. Porém, o surgimento de uma nova subvariante, a BQ.1; a baixa adesão às doses de reforço das vacinas e as recentes aglomerações durante o período eleitoral, ocasionaram um aumento nas taxas de transmissão (Rt), nas internações e no risco de uma nova onda às vésperas da Copa do Mundo e festas de fim de ano.

A morte de uma mulher na cidade de São Paulo nesta terça (8), contaminada pela subvariante da Ômicron, colocou o país em estado de alerta. A chegada da BQ.1 gera preocupação por sua capacidade de escapar de anticorpos e amplia a importância das doses de reforço. Dados do Ministério da Saúde divulgados nesta quarta-feira (9), mostram que o Brasil listou, em 24 horas, 9,4 mil novos casos da doença e 80 óbitos.

Laboratórios particulares e farmácias em todo país vêm registrando aumento nos testes positivos para Covid-19 nas últimas semanas, segundo divulgação da BBC. Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) mostra que o percentual de testes positivos saltou de 3,7% para 23,1% entre a primeira semana de outubro e a primeira semana de novembro, fortalecendo os indícios de nova onda.

Fiocruz identifica nova cepa

A nova cepa foi identificada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) por meio de sequenciamento genético, segundo nota divulgada. De acordo com a secretaria, os casos estão sob investigação epidemiológica das vigilâncias municipal e estadual.

Além de São Paulo, estados como Amazonas, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro também detectaram a cepa. A Secretaria de Saúde de São Paulo afirma que “as medidas já conhecidas pela população seguem cruciais para combater a pandemia do coronavírus: higienização das mãos (com água e sabão ou álcool em gel); e a vacinação contra a covid”, destaca a SES.

O uso de máscaras e a execução de testes para confirmar o diagnóstico são reforçados pela pasta. A preocupação da secretaria também se dá em relação a parcela da população que está em atraso na vacinação ou não aplicou as doses de reforço, pois essas pessoas ficam não apenas mais suscetíveis a contrair a doença, como também a apresentarem casos mais graves.

Surto em maternidade e atraso na vacinação de bebês

Um surto de Covid atingiu o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), referência no atendimento a gestantes de alto risco conhecido como Maternidade da Encruzilhada, na Zona Norte do Recife. Ainda nesta terça (8), havia, ao menos, sete bebês e uma mãe com diagnóstico da doença no local, que não dispõe de isolamento ideal por conta da superlotação.

A diretora-executiva da maternidade, Benita Spinelli disse que a unidade foi surpreendida pelo surto e por isso precisou restringir as visitas, desde domingo (6), para evitar transmissão da doença. “A gente tem pedido um apoio incondicional [da regulação de leitos] para dar uma folga para o Cisam, para que a gente possa atender a essa demanda que chegou de uma forma tão inesperada. Conseguimos o mínimo de estruturação interna para isolar, […] mas ainda não é o ideal”, disse Benita. As informações são do g1.

Ademais, existe uma preocupação dos médicos com a saúde dos bebês e das crianças de seis meses a 2 anos e 11 meses, que ainda não foram atendidos pela vacinação. No dia 16 de setembro o governo Bolsonaro recebeu aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para comprar um imunizante da Pfizer que atende ao grupo. A farmacêutica já entregou 1 milhão de doses ao governo federal, porém, os bebês e as crianças ainda não foram incluídas na cobertura vacinal. O Ministério da Saúde alegou que apenas crianças com casos de comorbidades seriam atendidas, porém, esse grupo também segue fora do calendário.

Descaso do governo Bolsonaro

Gonzalo Vecina, médico sanitarista renomado, criticou o governo por, na sua opinião, ter optado por comprar votos ao invés de vacinas. “O problema do Brasil é que estamos sem governo. Essa questão do ‘sem governo’ ficou muito mais grave agora, porque o ‘sem governo’ é também o ‘sem dinheiro’. Todo o dinheiro foi para comprar votos, então não tem campanha e não tem vacina”, disse ao UOL News.

O médico destacou que uma pessoa vacinada tem risco 26 vezes menor ir a óbito por Covid ou ter algum tipo de complicação decorrente da doença. “Falta vacina para crianças. Nós estamos com 1.400 e tantas mortes de crianças abaixo de cinco anos neste ano. São crianças que não deveriam morrer, e 60% dessas mortes são de crianças sadias e sem comorbidades que morreram de covid. Se estivessem vacinadas, estariam protegidas.”, enfatiza.

“O governo nem sequer pensa em comprar esse tipo de vacina que é produzida pela Pfizer. O governo está ‘na rede’. Sem se preocupar com essa nova vacina que pode reduzir ainda mais a mortalidade, porque protegeria pessoas mais indefesas, como os portadores de comorbidades e os mais idosos”, explica o especialista. Vecina alerta que diante do atual cenário, a população deve continuar se protegendo, tomando doses de reforço e usando máscaras. “É importante tomar cuidado. Não precisa pôr máscara andando na rua. Mas se você entra em um ambiente fechado, com pouca circulação de ar e faz parte do grupo de risco, proteja-se.”

Jesem Orellana
Edipemiologista

Portal Vermelho conversou com o epidemiologista da Fiocruz, Jesem Orellana, que também falou sobre a “alta” responsabilidade da gestão negacionista de Bolsonaro que, até hoje, negligencia a crise sanitária. Desde o início o presidente trata a doença como uma “gripezinha”; demorou meses para comprar vacina e, ao comprar, fez campanha contra vacinação; negou evidências cientificas e propagou fake news sobre medicamentos comprovadamente ineficazes.

“[A responsabilidade do governo é] alta, principalmente se levarmos em conta que após a equivocada e precoce suspensão da ESPIN (Fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional), em 17 de abril de 2022, morreram cerca de 22 mil brasileiros por Covid-19. Neste caso, estamos falando de mortes plenamente evitáveis, em sua ampla maioria, das quais os responsáveis precisam prestar contas à justiça. Algo parecido com o que deve acontecer com os desdobramentos da epidemia em 2020 e 2021 no Brasil, onde o ainda Presidente Bolsonaro, induziu milhões de brasileiros a acreditarem em medicamentos sabidamente ineficazes como o Cloroquina e a Ivermectina, por um lado e, de outro, a negarem o consagrado efeito protetor das vacinas, em cenário marcado por cerca de 700 mil mortes conhecidas pela doença”, pontuou Orellana.

Campanha de vacinação agressiva

Orellana também falou sobre a importância das pessoas completaram os ciclos de vacinação, recebendo todas as doses de reforço disponíveis para cada faixa etária. Os reforços fortalecem a proteção contra o vírus e suas variantes. Com o ciclo vacinal completo e nos prazos recomendados, as pessoas estarão com um maior nível de proteção.

“Como ainda estamos em meio a mais grave pandemia do século XXI e estamos assistindo à constante evolução do SARS-COV-2 (novo coronavírus), o que inclui novas descendentes da Ômicron, como a BQ.1, por exemplo, precisamos entender que as vacinas contra a Covid-19 vieram para ficar por muitos anos, tal como ocorre com a vacinação contra a “gripe” (Influenza), voltada para grupos mais vulneráveis. Portanto, de um lado, o Governo precisa fazer uma campanha de vacinação agressiva e, de outro, as pessoas precisam seguir as recomendações do Ministério da Saúde, acerca da necessidade de doses de reforço em pessoas com 12 anos ou mais, sem esquecer que essas doses estão disponíveis e são cruciais para imunossuprimidos, idosos, adultos com comorbidades e gestantes/puérperas, por exemplo. Está muito claro que a atualização do calendário vacinal é fundamental, principalmente à prevenção de casos graves e mortes por Covid-19, independentemente de estarmos falando de vacinas “atualizadas” (fabricadas considerando as novas variantes e suas sublinhagens) ou não”, disse Jesem.

Nova gestão com Lula presidente

Ao Portal Vermelho, o especialista também falou sobre como a gestão do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, poderá atuar para evitar que novas epidemias, ou o agravamento da própria Covid, tenham impacto tão negativo como aconteceu durante a gestão de Bolsonaro.

Segundo ele, a equipe que assumir o Ministério da Saúde a partir de janeiro “deve ser sensível o suficiente para entender o complexo cenário social, econômico, sanitário e ambiental posto nos diferentes contextos do país e o avanço na vacinação contra a Covid-19 deve ser prioridade absoluta”.

Além disso, ele salienta ser “fundamental que o time da saúde tenha participação de colaboradoras e colaboradores de diferentes regiões, profissões de saúde e estratos sociais, pois equipes tendenciadas a enxergarem um Brasil branco, pensado quase que exclusivamente por médicos, homens e para a classe média do Sudeste/Sul do país, tende não só a repetir os erros do Bolsonaro, como também a subestimar os desafios a serem enfrentados em regiões vulneráveis, como a do norte do país, onde ainda há muita pobreza, fome, adoecimento e mortes evitáveis, desigualdade no acesso a serviços de saúde e questões ambientais e climáticas impactando, negativamente, indígenas, quilombolas, imigrantes, ativistas ambientais, ribeirinhos e populações urbanas.”

Ele conclui dizendo que “a recondução do Presidente Lula foi uma vitória da democracia, para dar um basta no Governo da morte de Jair Bolsonaro, mas não podemos ignorar a crucial necessidade de uma frente ampla e diversa, não somente ao exitoso enfrentamento da pandemia de Covid-19 ainda em curso, mas, sobretudo, à mitigação dos seus efeitos de médio e longo prazo”.