Falência da corretora FTX expõe suas relações espúrias com Zelensky
A falência da corretora de derivativos em criptomoedas FTX na semana passada, capitaneada por um ‘gênio’ da especulação virtual, Sam Bankman-Fried, aliás, SBF, que segundo a Reuters pode afetar até “1 milhão” de ‘investidores’ e na qual já se constatou o sumiço de “entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões em fundos de clientes”, tem todos os ingredientes para se tornar uma bomba-relógio cheia de fios desencapados, que pairam desde a Casa Branca e o Comitê Nacional Democrata, até o governo Zelensky, passando por imponentes arenas de esportes nos EUA.
Registrada nas Bahamas e considerada a quarta maior bolsa de criptomoedas do mundo, com US$ 32 bilhões, a FTX deixou de existir em menos de uma semana. A bolsa usou fundos de clientes para apoiar uma ‘afiliada’, o fundo de hedge Alameda, também fundado por SBF, resultando no desaparecimento de bilhões de dólares de clientes.
O problema se tornou público no início de novembro, quando um site especializado, CoinDesk, advertiu sobre os problemas de Alameda. Não apenas ativos de qualidade muito ruim estavam no balanço do fundo, mas também quase 40% desses ativos eram tokens emitidos pela própria FTX.
Em consequência, em três dias a FTX foi para o vinagre, com US$ 6 bilhões sendo retirados da plataforma às carreiras. Tentativa de ter o controle da FTX assumido pela bolsa concorrente Binance, uma plataforma árabe-chinesa, gorou após exame do tamanho do rombo que havia. A partir daí, ficou impossível deter o desastre, e SBF já está sob investigação criminal.
O desenlace ocorreu em 11 de novembro, quando a FTX, sua divisão americana FTX.US e Alameda declararam falência. Quase simultaneamente, um ataque de hacker atingiu a bolsa, resultando no desaparecimento de outros $ 600 milhões das carteiras dos investidores lá registrados. Ainda não está claro se isso foi apenas uma coincidência ou se os funcionários da bolsa, incluindo seus fundadores, fizeram um esforço extra de retirada.
“NÃO PERCEBEU”
Ao New York Times, SBF disse que expandiu seus negócios muito rápido e não percebeu sinais de problemas na bolsa, cuja queda causou ondas de choque na indústria de criptomoedas. “Se eu estivesse um pouco mais concentrado no que estava fazendo, teria sido mais minucioso”, disse candidamente Bankman-Fried em entrevista ao jornal.
Quando perguntado se a FTX usou fundos de clientes para sustentar a afiliada, Bankman-Fried disse ao NYT que a Alameda havia acumulado uma grande “posição de margem” na FTX. “Era substancialmente maior do que eu pensava”, disse ele e acrescentou, sem fornecer detalhes, que o tamanho da posição – isto é, do rombo – estava “na casa dos bilhões”.
A Reuters informou na semana passada que SBF havia transferido secretamente US$ 10 bilhões em fundos de clientes da FTX para a Alameda.
Em 1º de agosto, a revista americana Fortune havia publicado uma manchete quase profética sobre a estrela das moedas virtuais: “O bilionário Sam Bankman-Fried, de 30 anos, já foi apelidado de o próximo Warren Buffett. Sua estratégia de investimento contra-intuitiva fará dele um império – ou terminará em desastre.”
ASCENSÃO
Segundo Bernhard Loyen, da RT em alemão, a história toda da ascensão e queda de SBF é tão sui generis, que os roteiros enviados para Hollywood ou Netflix seriam devolvidos para revisão. É ele quem indaga: como foi que “um homem de vinte e poucos anos” teve a oportunidade, a partir de 2019, de ter acesso às mais altas rodas?
SBF cresceu “no ambiente protegido, rico e solidário de dois professores reconhecidos”, cursou Física de 2010 a 2014, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), e depois virou “trader de arbitragem” na Jane Street Capital, uma corretora dos EUA com escritórios em Nova York, Londres, Hong Kong e Amsterdã.
“Arbitragem”, explica Loyen, é uma estratégia de negociação. “O objetivo é lucrar com pequenas diferenças de preço entre ativos semelhantes ou idênticos”. Em 2017, Bankman-Fried “descobriu o brilhante mundo digital das criptomoedas para aplicar imediatamente sua erudita especialização em arbitragem neste campo”, segundo informações do site financeiro norte-americano Capital.
Ele começou a comprar bitcoin nos EUA e vendê-lo no Japão, obtendo até 10% de lucro com base nas diferenças de preço. Mais tarde naquele mesmo ano, Bankman-Fried fundou sua própria empresa de negociação de criptomoedas, a Alameda Research, que oferecia liquidez nos mercados de ativos digitais.
Um termo do mundo criptográfico paralelo, “Kimchi-Premium”, colocou SBF “na liga dos bilionários”. A página Trending Topics explica: “Kimchi-Premium é uma discrepância entre o preço do bitcoin em grande parte da Ásia e no resto do mundo. De acordo com a Sequoia Capital, Bankman-Fried é o único varejista conhecido por efetivamente superar essa disparidade. Dessa forma, ele conseguiu acumular $ 25 milhões em criptoativos em um único dia.”
Em maio de 2019, o expert em criptomoedas fundou sua segunda empresa, a bolsa de criptomoedas FTX. Quatro semanas antes, em 25 de abril de 2019, Joe Biden havia anunciado sua candidatura às eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos como potencial candidato dos democratas.
Mundo pequeno: em julho de 2018, “a mãe de SBF, a professora de Stanford, Barbara Fried, fundou um comitê de ação política (PAC) para os democratas com dois colegas de Stanford, o ‘Mind the Gap”, registra Loyen.
Segundo um artigo citado por ele, “Mind the Gap” é conhecido “por suas operações secretas, nas quais o comitê tenta arrecadar fundos rapidamente e em um curto período de tempo para evitar que os republicanos mobilizem seus próprios doadores.”
Em janeiro de 2020, a mídia americana lançou luz sobre a eficiência arrecadadora da mãe de SBF. “Informações sobre o misterioso grupo do Vale do Silício que doou mais de US$ 20 milhões para os democratas. Há uma razão pela qual você nunca ouviu falar de Mind the Gap: sua ‘razão de ser é o sigilo’.”
Em 2020, apenas um ano após o início do FTX, SBF emergiu como um dos principais financiadores dos democratas. De acordo com OpenSecrets, Bankman-Fried “deu quase $ 37 milhões para democratas no ciclo eleitoral de 2021-2022. SBF foi o segundo maior doador único para os democratas, apenas … superado pelos US $ 128 milhões de George Soros”.
Em maio deste ano a emissora NBC News escreveu: “O fundador da bolsa de criptomoedas democrata Sam Bankman-Fried diz que espera investir ‘mais de US$ 100 milhões’ em 2024 (a próxima data eleitoral nos EUA) com um ‘soft cap’ de US$ 1 bilhão.”
Muitas digitais deixadas pelo caminho. De acordo com os registros de visitantes da Casa Branca, SBF se reuniu com o principal conselheiro de Biden, Steve Ricchetti, em 22 de abril e 12 de maio de 2022. Umas boas quatro semanas depois que Gabe Bankman-Fried – irmão de SBF e lobista – visitou anteriormente a Casa Branca em 7 de março. Na época, estava em discussão no Congresso e no executivo a regulamentação da ‘indústria cripto’.
Este ano, a SBF financiou amplamente o comitê “Proteja Nosso Futuro”, que por sua vez só foi fundado em maio de 2022. O site Politico escreveu sobre seus planos em abril deste ano:
“Bankman-Fried e Nishad Singh, FTX CTO, estão financiando o Super PAC Protect Our Future, que busca apoiar os democratas ‘que têm uma visão de longo prazo do planejamento de políticas’, particularmente no que se refere à preparação e prevenção de pandemias”. Singh também doou US$ 1 milhão para o Mind the Gap, um Super PAC com sede no Vale do Silício, liderado por professores de Stanford – aliás, por sua mãe – e focado em votar nos democratas.
Coincidência: Amy Wu,CEO aposentada da FTX Ventures, foi contratada pela Fundação Clinton no início de sua carreira.
“AJUDA” PARA ZELENSKY
Polifacético, adivinhem onde Sam Bankman-Fried, aliás, SBF, esteve em fevereiro de 2022: na Conferência de Segurança de Munique, onde era o convidado do painel intitulado “Ganho ou Dor: Segurança das Criptomoedas Nacionais”. Aquela conferência onde o presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, foi o convidado de honra, inclusive anunciando sua vontade de ter armas nucleares e de se anexar à OTAN.
Em 26 de fevereiro, o canal do Twitter “Organização do Governo da Ucrânia” anunciou que agora “estamos aceitando doações em criptomoedas, fique com o povo da Ucrânia”.
Resumo da ópera: na segunda-feira, o vice-ministro da Transformação Digital da Ucrânia, Alexander Bornyakov, veio a público negar os insistentes rumores que circulavam nas redes sociais de que o governo ucraniano havia investido milhões, senão bilhões de dólares em apoio financeiro correspondente dos EUA na guerra da Ucrânia em FTX – que agora estariam completamente perdidos na bancarrota da bolsa de criptomoedas.
“Toda a narrativa de que a Ucrânia supostamente investiu na FTX, que doou dinheiro aos democratas, é francamente sem sentido”, asseverou Bornyakov.
O que é contestado pelo site especializado CoinDesk, o mesmo que, ao tornar o trambique transparente, implodiu a farra. Segundo o qual a Ucrânia fez parceria com a FTX para converter doações criptográficas em munição e ajuda humanitária nesta primavera, juntamente com “uma campanha fiduciária tradicional para apoiar sua população militar e civil para arrecadar centenas de milhões em criptomoedas”. A FTX também “se tornou uma plataforma para converter criptomoedas em commodities físicas junto com a bolsa de valores ucraniana Kuna”, acrescentou.
O versátil SBF também foi palestrante no Fórum Econômico Mundial (WEF) em maio passado, onde discorreu sobre o tema “Criptomoeda e Web 3.0”. Caído em desgraça, a FTX já não consta mais no site do WEF como “parceira”.
SBF nos últimos tempos também andou fechando acordos com arenas esportivas nos EUA, pelos ‘naming rights’, no valor de centenas de milhões de dólares. Tem muita gente tendo urticária só em lembrar disso.
Ao concluir, o articulista Loyen registra a declaração, dada por SBF, à Sequóia, em 2021: “Quero que o FTX seja um lugar onde você pode fazer o que quiser com seu próximo dólar. Você pode comprar bitcoin, enviar dinheiro em qualquer moeda para qualquer amigo em qualquer lugar do mundo ou comprar uma banana. Você pode fazer o que quiser com seu dinheiro da FTX.”
Papiro
(BL)