Eleitores do Estado da Geórgia onde a decisão para o Senado vai para 2º turno (foto Político)

Entre a cruz e a caldeirinha – isto é, entre a política de promoção da guerra, sanções e crise econômica de Joe Biden e o negacionismo e furdunço fascista no Capitólio de Donald Trump -, o eleitorado norte-americano, que foi às urnas no pleito de meio de mandato, saiu pela tangente, nem carimbou a alardeada “onda vermelha” na Câmara, cujas previsões apontavam maioria avassaladora republicana, nem deixou o quase octagenário presidente ir dormir sossegado quanto ao Senado, cuja disputa está no fio da navalha.

Até aqui, a tendência é que os republicanos retomem a Câmara, mas por estreita margem, restando a Biden torcer para que o tênue controle democrata do Senado não lhe escape entre os dedos.

O que agravaria o risco de, na metade do mandato e em meio à crise, tornar-se um “pato manco” – zombeteira designação, no imaginário político de Washington, para presidentes sem apoio em nenhuma das casas do Congresso.

A propósito, uma pesquisa de boca de urna encomendada pela CNN registrou que mais de dois terços dos eleitores norte-americanos não querem que Biden dispute a reeleição em 2024.

Pela bagunça que é a eleição nos EUA, onde não existe sequer uma legislação eleitoral nacional unificada e o partido governante em cada estado é que ‘imparcialmente’ comanda a eleição e a apuração, o resultado no Senado poderá inclusive ficar para só se definir em dezembro.

Na noite de quarta-feira (9), a Associated Press registrou que os republicanos “se aproximam da vitória na Câmara; Senado pode depender do segundo turno”.

Na Câmara, os republicanos “estavam a uma dúzia de cadeiras das 218 necessárias para assumir o controle”, enquanto os democratas mantinham cadeiras em distritos da Virgínia à Pensilvânia e Kansas e muitas disputas da Costa Oeste ainda eram muito cedo para serem conclamadas.

Ainda segundo a AP, em Nova York “o chefe da campanha democrata na Câmara, Sean Patrick Maloney, perdeu sua candidatura para um sexto mandato”, o que a agência de notícias classificou de “vitória particularmente simbólica para o Partido Republicano”.

Além da tendência histórica do partido que está na oposição de ganhar as eleições intermediárias, jogavam a favor dos republicanos a enorme reprovação a Biden por causa da inflação e dos problemas na economia, além dos questionamentos à capacidade – e até mesmo, à sanidade – dele para exercer a presidência.

NO PLACAR

De acordo com as agências de notícias, até o fechamento da edição desta matéria, o placar na Câmara de deputados norte-americana é 184 democratas a 207 republicanos, faltando definir 44 cadeiras. As projeções da manhã de quarta-feira sugeriam um ganho republicano longe dos 20-30 previstos na semana que antecedeu a votação.

No Senado, considerando as cadeiras em disputa e as que não estiveram em disputa, o placar está 48 a 49, segundo a AP, e o desfecho ficará dependendo do segundo turno no Estado da Georgia no dia 6 de dezembro entre o democrata Raphael Warnock e o republicano apoiado por Trump, Herschel Walker, já que nenhum dos dois conseguiu 50% +1.

O desfecho no Senado pode vir a ser mais célere caso ambas as cadeiras em disputa – Arizona e Nevada – sejam ganhas pelo mesmo lado, democrata ou republicano. Na eleição anterior, a decisão sobre o controle do Senado veio também do segundo turno na Georgia.

Atualmente, o placar no Senado é 50 a 50, cabendo à vice-presidente Kamala Harris dar o voto de desempate. O que foi essencial para Biden aprovar, via um atalho regimental, seus principais projetos de governo até aqui.

Na Pensilvânia, na disputa pela cadeira deixada pelo senador republicano Pat Toomey, quem venceu foi o democrata John Fetterman, vice-governador, que derrotou o candidato de Trump, Mehmet Oz. No Arizona, com 67% dos votos, o atual senador democrata Mark Kelly está à frente do republicano Blake Masters por 107.883 votos. Já em Nevada, com 80% dos votos, é o republicano Adam Laxalt que está à frente da senadora democrata em exercício Catherine Cortez Masto, por 22.595 votos.

Nos governadores, o republicano Ron DeSantis, que quer disputar com Trump a indicação a candidato do partido à presidência em 2024, venceu por larga margem – quase 20 pontos – na Flórida, até aqui considerado um Estado-pêndulo, que ora vota democrata, ora vota republicano. No pleito de 2018, ele havia vencido o candidato democrata por

mero 1% e perdera no condado de Miami-Dade, de maioria hispânica, por 20% – onde venceu agora, a primeira vez que isso acontece desde Jeb Bush em 2002.

Conforme a BBC, a multidão presente no comício da vitória de DeSantis na noite de terça-feira gritava “mais dois anos” — em referência a que, para concorrer à presidência, ele teria que renunciar ao cargo de governador na metade do mandato.

Nos dias que antecederam a eleição, ele foi brindado por Trump com um de seus característicos apelidos, DeSanctimonious, “hipócrita”. O bilionário jura que votou no futuro concorrente.

A governadora de Michigan, a democrata Gretchen Whitmer, contra a qual uma milícia trumpista conspirou, foi reeleita. Na Geórgia e no Texas, os democratas fracassaram em derrotar os republicanos incumbentes. Stacey Abrams — que havia sido derrotada por uma pequena margem pelo republicano Matt Kemp há quatro anos — vai terminar bem atrás dele agora. Já Beto O’Rourke perdeu para o governador republicano Greg Abbott por uma margem maior do que havia perdido para o senador Ted Cruz há quatro anos.

Democratas conquistaram governos ocupados pelos republicanos em Massachusetts e Maryland e lideravam no Arizona, enquanto mantinham o controle ou lideravam em Estados disputados como Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Minnesota, Kansas e Oregon.

Os republicanos lideravam em apenas um Estado controlado pelos democratas, Nevada. Entre os maiores e mais populosos, os republicanos mantiveram o controle facilmente em Ohio, Geórgia, Flórida e Texas, enquanto os democratas venceram na Califórnia, Nova York e Illinois. Foram eleitas 12 governadoras [o que inclui ambos os partidos], o número mais alto já ocorrido.

De acordo com a entidade não-partidária OpenSecrets, as eleições intermediárias deste ano são as mais caras da história, US$ 16,7 bilhões, quase o dobro do custo das eleições intermediárias de 2010.

“DERROTA MENOR”

Na quarta-feira, Biden falou pela primeira vez sobre o resultado das eleições, se gabando de que a “derrota azul” foi menor do que se esperava e que a “gigante onda vermelha não aconteceu” [azul é a cor dos democratas e vermelho, a dos republicanos].

Após exaltar a excelência da economia sob seu governo, Biden voltou momentaneamente à realidade, se dizendo “preparado para trabalhar com meus colegas republicanos” e esperar “que eles estejam preparados para trabalhar comigo”.

Ele insistiu na tese de que a taça está meio cheia – ou meio vazia-, dependendo de por onde se olha. “Alguns bons democratas não venceram ontem, mas outros democratas tiveram uma ótima noite”, filosofou Biden.

No entanto, o atual inquilino da Casa Branca admitiu que o recado dos eleitores é que estão frustrados com a inflação recorde, o crime e outras questões. “Captei”, asseverou.

Difícil de acreditar: o regime Biden segue focado na guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia e na preparação para a guerra contra a China a pretexto de Taiwan. A carestia trazida pelas sanções e pelas tarifas da guerra tecnológica são um subproduto disso, apesar de recair sobre a própria população norte-americana.

Se retomarem no todo ou em parte o Congresso, os republicanos deverão lançar contra Biden investigações sobre temas que vão da “retirada do Afeganistão” ao famoso notebook de seu filho, Hunter. Animados pela perspectiva – que não se confirmou – da ‘onda vermelha’, republicanos andaram inclusive ameaçando abrir um processo de impeachment contra Biden.

Em referendos em vários Estados, os eleitores reagiram à tentativa dos juízes nomeados por Trump de recriminalizar o aborto, aprovando medidas em sentido contrário, no espírito da revogada decisão da Suprema Corte de 1973 Roe v. Wade.

Também chamou a atenção o fracasso de muitos dos candidatos mais enfaticamente apoiados por Trump, como parte de sua estratégia de voltar a disputar a Casa Branca e de apertar as cravelhas sobre o Partido Republicano.

O chabu da suposta onda vermelha republicana, partido no qual atualmente é o bilionário ex-presidente quem manda e desmanda, deverá de alguma forma impactar em sua anunciada “grande notícia” ao povo norte-americano de que ele, o incomparável Donald Trump, pretende de novo se apossar da Casa Branca.

Assessores do bilionário já estão o aconselhando a deixar a boa nova para depois do segundo turno do Senado na Geórgia. Vai que…

Tradicionalmente nos EUA, o partido no poder perde as eleições intermediárias – o que talvez traduza o descontentamento popular com o costumeiro estelionato eleitoral, o rompimento das promessas de campanha. Derrota governista que no último século só não aconteceu em três oportunidades. No governo Obama, os democratas chegaram a perder 63 cadeiras, sob a baderna desencadeada pela ala republicana do ‘Tea Party’, que depois se tornaria a base trumpista.

Papiro

(BL)