Estímulo às armas e à violência cria cenário propício a ataques em escolas
Numa sociedade brutalizada pelo ódio ao diferente, pelo estímulo à violência e pelo acesso facilitado a armas de fogo, intensificados sobremaneira durante o governo de Jair Bolsonaro, casos como o do atirador de Aracruz (ES) podem se tornar cada vez mais comuns. Basta lembrar que antes, episódios semelhantes aconteceram em Sobral (CE), Barreiras (BA) e Vitória (ES).
O jovem de 16 anos que invadiu duas escolas do Espírito Santo e, armado, atirou e matou quatro pessoas, ferindo outras 12, choca pela violência e pelos elementos envolvidos.
Com uma suástica no braço e usando roupa camuflada, típica de forças de segurança, o rapaz — que conforme noticiado costumava ser recluso — usou as armas de seu pai, um policial militar. Depois, almoçou tranquilamente como se nada tivesse acontecido e seguiu para a casa de praia com a família. Segundo as investigações, o rapaz ganhou do seu pai e leu parte do livro “Minha Luta”, escrito em 1932 por Adolf Hitler.
No dia 5 de outubro, um adolescente de 15 anos atirou em três estudantes numa escola estadual de Sobral (CE), usando uma arma registrada para um CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador). Um deles morreu depois de ficar três dias internado.
Em setembro, na cidade baiana de Barreiras, um atirador de 14 anos, que chegou a fazer uma espécie de passo a passo do ataque pelas redes sociais e propagava discurso de ódio, atirou contra colegas da escola e matou uma estudante cadeirante. E em agosto um jovem de 18 anos invadiu uma escola em Vitória (ES) com dispositivos de disparo de flechas, facas e garrafas de coquetel molotov, mas a PM foi acionada e ninguém foi ferido.
Esses casos — somados a outros tantos de ferimentos e assassinatos por motivação política ou desentendimentos fúteis, bem como o fato de que armas de fogo compradas dentro da legalidade estabelecida pelo atual governo alimentam organizações criminosas —, deixam explícita a contradição do discurso bolsonarista de que mais armas poderiam significar mais segurança e “direito à liberdade”. Além disso, esse cenário tem sido fatal sobretudo para os adolescentes, que costumam ser mais vulneráveis a esse clima altamente belicoso.
Combinação explosiva
“Os episódios mostram que o Brasil passa a ter uma combinação bastante nociva para sociedade em geral, vista em outros países, principalmente nos Estados Unidos, que leva a esse tipo de situação em que adolescentes entram em escolas com o intuito de matar outras pessoas. É uma combinação de fatores que infelizmente o Brasil passa a ter de maneira farta, com todos os seus componentes”, explica Ivan Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Ele aponta que comportamentos que buscam a vingança e a expressão individual por meio da violência, quando associados à larga distribuição e oferta de armas de fogo, podem gerar esse tipo de episódio. Marques aponta que a política de estímulo à aquisição de armas de fogo, somada a um ambiente coletivo de ódio e divisão política, também são fatores importantes para esse tipo de ocorrência. “Se esses adolescentes não tivessem fácil acesso a armas de fogo, dificilmente conseguiriam produzir o dano que produziram”, argumenta.
Marques explica ainda que a relação do caso do Espírito Santo com traços nazistas “também é um sinal da deterioração da capacidade das instituições e da sociedade como um todo em identificar e coibir esse tipo de associação com ideologias que não só pregam a violência, mas também a distinção entre pessoas. Você associar uma política de acesso facilitado a armas de fogo com esse tipo de ideologia, com esse tipo de seita, é uma uma combinação explosiva”.
Ocorrências relacionadas ao nazismo no país também têm crescido e mais recentemente foram noticiados casos de grupos descobertos em Santa Catarina, além das associações entre o bolsonarismo, incluindo membros do governo, e a ideologia de Hitler.
Nesse cenário, Marques volta a chamar atenção para o acirramento das divisões na sociedade brasileira. “Somos um país em que um desses polos estimula a violência, não só política, mas baseada também na distinção entre um lado e o outro, fazendo com que um lado seja o paladino da justiça, da verdade, da moral, dos bons costumes, da tradição, enquanto o outro acaba sendo relegado ao papel de inimigo”.
Apesar da dificuldade de prever crimes como o de Aracruz, Ivan Marques defende medidas que podem evitá-los. “É preciso ter mecanismos e políticas públicas que consigam diminuir o isolamento social de jovens que são preteridos dentro do seu ambiente”. Nesse sentido, é preciso haver acolhimento ao indivíduo que não se sente ajustado ao ambiente escolar ou mesmo à sociedade por meio da educação, da assistência social e psicológica, além da atenção familiar.
Por fim, Marques aponta a necessidade urgente de haver uma política de controle ao acesso às armas de fogo e acrescenta: “Também é preciso combater duramente a promoção de ideologias excludentes, agressivas e violentas como o nazismo e o fascismo, que acabaram se tornando parte da vida política e da violência política promovida nos últimos anos”.