Em jogo mais quente da Copa, Irã e EUA levam a campo rivalidade histórica
Irã e Estados Unidos se enfrentarão nesta terça-feira (29), no Qatar, na partida mais “quente” da Copa do Mundo de 2022. O jogo, marcado para as 16 horas (horário de Brasília), sela o destino das duas seleções no Grupo B do Mundial. A seleção norte-americana precisa vencer para garantir a classificação às oitavas-de-final. Já os iranianos também precisam de uma vitória, embora possam avançar com um empate, desde que País de Gales não vença a Inglaterra no outro jogo do grupo.
Não tanto pela qualidade do futebol ou pela disputa da vaga, mas sobretudo pela rivalidade histórica, o duelo entre Irã e EUA será acirrado tanto dentro de campo quanto fora das quatro linhas. Desde a Revolução Iraniana de 1979 – que depôs o xá Reza Pahlevi e levou ao poder o aiatolá Ruhollah Khomeini –, os dois países estão conflito.
Pahlevi liderava uma monarquia alinhada aos interesses norte-americanos desde 1941 e teve apoio dos EUA – especialmente da CIA – para derrubar o governo democrático e progressista do primeiro-ministro Mohammed Mossadegh (1951-1953). Em 1979, foi a vez de o próprio xá ser alvo de um golpe de Estado, que transformou o Irã numa república islâmica.
O xá se refugiou justamente nos EUA, o que levou apoiadores do novo regime a invadirem a embaixada norte-americana em Teerã e manterem 52 pessoas reféns por 444 dias. Os dois países romperam relações diplomáticas em 1980, e Pahlevi recebeu asilo político no Egito, morrendo poucos meses depois.
Durante a Guerra Irã-Iraque (1980-1988), os EUA apoiaram em vão a invasão das tropas iraquianas de Saddam Hussein ao Irã. Em vez de abalar o regime iraniano, a guerra virou um trunfo para o governo de Khomeini, que teve sua popularidade testada e ampliada. Nem mesmo a morte do aiatolá, em 1989, desestabilizou o Irã.
As tensões – políticas, diplomáticas, religiosas – se entenderam para o esporte. Em 21 de junho de 1998, na Copa do Mundo da França, as seleções dos EUA e do Irã caíram no mesmo grupo e fizeram o chamado “jogo da paz” no Stade de Gerland, em Lyon. Na entrada em campo, jogadores do Irã entregaram flores brancas aos atletas norte-americanos.
Após o confronto, que terminou com vitória iraniana por 2 a 1, as duas equipes voltaram a posar juntas para fotos. Em Teerã, dezenas de milhares de moradores tomaram as ruas. “Mais uma vez, nosso poderoso e arrogante inimigo conheceu a força do Irã”, provocou o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo da república islâmica.
As hostilidades não cessaram. Os dois republicanos que chegaram à Casa Branca desde então, George W. Bush e Donald Trump, intensificaram a crise. O governo Bush (2001-2009) inseriu o Irã no chamado “Eixo do Mal”, ao lado do Iraque e da Coreia do Norte. Já a gestão Trump (2017-2021) chegou a promover um ataque aéreo fatal no Irã em 2020. O atentado causou a morte do herói nacional Qasem Soleimani, general das forças Quds, braço de elite da Guarda Revolucionária Iraniana (GRI).
Vinte e quatro anos após o “jogo da paz”, a sorte está novamente lançada para as seleções do Irã e dos EUA. Desta vez, não há clima para gestos simbólicos no estádio Al Thumama, em Doha. Às vésperas da partida, a federação de futebol dos Estados Unidos, a US Soccer, divulgou uma versão alterada da bandeira iraniana, alegando “solidariedade às mulheres do Irã”. Em represália, a federação iraniana apresentou uma queixa formal à Fifa e afirmou que pediria a exclusão dos EUA da Copa.
Em meio a isso, os jogadores parecem alheios à rivalidade. Em 1998, Irã e Estados Unidos tinham poucas chances de classificação – e, de fato, foram eliminados na primeira fase. Agora, apenas uma das duas seleções pode fazer história, e o futebol falará mais alto. Fora do campo, entre cartolas, políticos e governantes, o tom bélico continua.