A 27ª conferência do clima da ONU (COP27) terminou neste domingo (20), após duas semanas de debates, conseguindo dar passos inéditos na implementação da agenda climática global, mas em alguns temas, como combustíveis fósseis, é mais um ano perdido. Apesar disso, a COP da África empoderou os países em desenvolvimento e conseguiu avançar em conversas mais francas sobre justiça climática e divisão de responsabilidades entre os países.

A mudança climática avança sem tréguas, causando cataclismas em várias partes do mundo rico e, principalmente, do mais pobre. Desde 2015, os países assumiram com o Acordo de Paris o compromisso de reduzir emissões de carbono para evitar o aquecimento global. No entanto, após a pandemia e em meio à guerra na Europa, a 27a Conferência sobre Mudanças Climáticas ocorrida no Egito, termina com avanços tímidos diante da enorme expectativa, principalmente dos países mais atingidos.

No cômputo geral, os países ricos demonstraram estar dispostos a gastar algum dinheiro para amenizar o impacto de quem já sofre com catástrofes climáticas, mas não estão muito interessados em reduzir o consumo de petróleo, carvão e gás. Países como o Paquistão, viveram um inferno de inundações, este ano, que cobriram um terço do país, deixando centenas de milhares de famílias desabrigadas e bilhões em prejuízos.

A principal conquista da conferência será a composição desse fundo de compensação de danos climáticos a países em desenvolvimento ou impactados diretamente pelos efeitos da mudança climática, mas a transição energética continua indefinida. O ambientalista José Bertotti, ex-secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco e mestre em Engenharia de Produção (UFPE), concorda com essa análise, em comentário ao PCdoB.

“O único fato novo é a decisão da criação desse fundo de perdas e danos, que ainda vai ser implementado, embora já seja uma decisão”, reafirmou. No entanto, ele ressalta que não existe ainda uma definição de como cada país vai colocar o seu plano de redução de emissões de gases, para garantir que cheguemos em 2030 com menos 43% das emissões que são necessárias para iniciar uma trajetória de descarbonização.

As economias desenvolvidas, que são responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa, sempre resistiram às compensações por receio de que, ao realizar os pagamentos, ficariam expostas a processos judiciais.

“Fica uma situação de países ricos e pobres, mas, na realidade, os grandes componentes são o uso de combustíveis fósseis que precisam ser substituídos, algo que é individual de cada país, fazer com que em função de suas emissões reduzam drasticamente”, pontua Bertotti. Ele também diz que outro componente é a perda de biodiversidade na queima de florestas, que também causa a mudança climática, porque reduz o estoque de carbono armazenado.

Acusações, culpas e Lula

Durante a conferência, os Estados Unidos e a União Europeia exigiam que a China – potência emergente e maior emissora de gases de efeito estufa – aceitasse contribuir para o mecanismo, segundo a agência RFI. Mas os chineses rejeitam pagar enquanto os países desenvolvidos, responsáveis históricos pelo aquecimento, não cumprissem as promessas passadas de financiamento.

“Os históricos de emissão de cada país permitiriam criar mecanismos para definir quais os compromissos individuais deles. Se todos são responsáveis pelo aquecimento global, alguns fizeram mais emissões”, diz o ambientalista.

Para situar o papel da China, ele observa que as emissões de gases sempre têm algum mecanismo de cálculo por renda per capita. “A China é o país que mais emite gases, mas na conta da renda per capita, é menos que os EUA. Por isso, é uma questão fundamental a proposta de uma nova governança mundial, e Lula foi protagonista nisso”, afirmou.

Bertotti se refere ao discurso do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu uma nova governança global com critérios inquestionáveis, para dirimir essas diferenças entre os países.

“Lula acertou em cheio quando falou em um novo mecanismo de governança. As indicações de emissões que a COP faz, além de serem suaves, digamos assim, não impõem sanções àqueles que não cumprem os compromissos”, declara o especialista.

Na realidade, Bertotti denuncia que os países sequer colocam claramente quais são suas trajetórias de descarbonização para chegar em 2050 na neutralidade ou 2030 na redução das emissões. Daí, a necessidade de critérios claros de governança global.

Mitigação e redução

Ainda assim, as negociações aceleraram depois que o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, propôs, em uma sessão plenária na quinta-feira, abordar a criação de um “Fundo de Resposta” aos desastres climáticos, dedicado aos países mais vulneráveis, em troca basicamente de duas condições.

A primeira era “ampliar a base de doadores”, ou seja, integrar os países que se tornaram grandes emissores de gases do efeito estufa, como a China. E a segunda condição é obter um compromisso forte e explícito a respeito da mitigação, para manter o objetivo do limite de +1,5ºC.

A recusa da China em contribuir para o fundo, tem menos a ver com compromisso, do que com prioridades diferentes. Bertotti citou João Cumaru, que diz que a delegação chinesa se preocupou mais em apontar diretrizes sustentáveis e verdes para investimento em outros países, como o Brasil, do que se engajar em compensações financeiras. Ele acredita que isso abre enormes oportunidades para o Brasil de Lula.

Em sua declaração final, a COP27 ressalta a necessidade urgente de reduções imediatas, profundas, oportunas e sustentadas nas emissões globais de gases de efeito estufa, assunto que acabou ficando sem renovação de compromisso.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, lamentou que a COP27 não tenha optado por uma frase mais forte que proclamasse a necessidade de “reduzir drasticamente as emissões”. A declaração final fala em “reduções imediatas, profundas, rápidas e sustentáveis das emissões mundiais de gases do efeito estufa”.

Além disso, o texto pede o fim dos “subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis” e a “aceleração para transições limpas e justas às energias renováveis”. Muitos países haviam solicitado uma menção à saída progressiva do uso de petróleo e gás, e não apenas a redução dos subsídios ineficazes.

Resolução final

A conferência no Egito adotou dois textos: uma declaração final e uma resolução sobre perdas e danos sofridos pelos países mais vulneráveis. O principal ponto do acordo prevê a criação do fundo de compensação de danos climáticos a países em desenvolvimento ou impactados diretamente pelos efeitos da mudança climática.

A criação de um fundo para financiar perdas e danos climáticos é a grande conquista da conferência, mas foi deixada de lado uma discussão mais profunda sobre o aumento das médias de temperatura globais devido a divergências entre países ricos e em desenvolvimento. Em meio à tensão, a União Europeia ameaçou abandonar as negociações.

Assim, o encontro termina sem um acordo substantivo sobre como acelerar o corte de emissões de modo a evitar que o aquecimento global ultrapasse 1,5ºC neste século.

Pressões de potências petroleiras como a Arábia Saudita e a Rússia fizeram com que a menção de Glasgow a uma redução gradativa dos combustíveis fósseis fosse eliminada da resolução final.

Quanto ao financiamento de iniciativas climáticas, os US$ 100 bilhões anuais de 2020 a 2025 prometidos pelos países desenvolvidos, continuam sem definição sobre quando, como e por quem serão pagos. A decisão faz apenas um convite aos bancos multilaterais de desenvolvimento e às instituições financeiras internacionais a reverem suas práticas e instrumentos de financiamento climático.

O rascunho da decisão do Plano de Implementação Sharm El-Sheikh conseguiu tratar de diversos temas difíceis na agenda política, e estabelecer mandatos e caminhos de implementação claros para a maioria, mas boa parte foi revertida no documento final.

O principal é que saiu enfraquecida a luta pela transição energética, com a substituição da expressão “importância de melhorar a participação das energias renováveis” por “melhorar o mix de energias limpas, incluindo energias renováveis e de baixa emissão”.

Apesar da falta de ação concreta, os governos reconheceram que a crise energética global exige a transformação dos sistemas de energia em “sistemas mais seguros, confiáveis e resilientes, acelerando transições limpas e justas para a energia renovável”.

Repetiu-se os textos de decisão da COP 26 em Glasgow a respeito do carvão mineral, o que representa um adiamento da substituição dos combustíveis fósseis. O tema fica, mais uma vez, para a próxima reunião em Dubai, no final de 2023.

(por Cezar Xavier)