O presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e secretário de Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes, voltou entusiasmado da reunião da transição de governo com um conjunto de especialistas e instituições de Saúde, que acabou contando com a participação do presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva, em Brasília, nesta quinta-feira (24), para discutir os desafios do Ministério a Saúde. 

“Esta reunião com o Lula foi um gol da saúde para o povo brasileiro”, disse o médico sanitarista, em meio às comemorações dos dois gols do capixaba de Nova Venécia, Richarlison de Andrade, no primeiro jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo, que derrotou a Sérvia.

“A sensação é de alívio, outro ar!”, disse ele, sobre o clima na reunião de transição de governo, embora pudesse estar falando também do jogo envolvente no Catar. A presença de Lula não havia sido anunciada, anteriormente. E fez toda a diferença. O objetivo era discutir vacinação.

Segundo ele, Lula fez uma abertura impressionante, deixando claro que a prioridade da saúde está envolvida em questões que o angustiam muito. Ele expressou muito senso de urgência em relação a três temas principais: gestão da pandemia, vacinação e coberturas vacinais e melhoria do acesso a consultas, exames e tratamentos de alta complexidade para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Lula disse que “o povo está muito sofrido, até consegue ir numa UPA, mas depois não consegue mais nada”.

“Ele desafiou a todos que não faltará recursos para resolver isso. ‘Se vocês apresentarem propostas para que o sistema de saúde funcione e dê resultado para que o povo não fique um ano esperando um procedimento, não faltarão recursos’. Ele foi enfático nisso. Proponham, criem, eu não quero repetir o passado. Ele foi muito sagaz”, descreveu o gestor capixaba.

Lula disse expressamente que o governo federal não pode somente reclamar da falta de recursos para a saúde. “Nosso trabalho será encontrar esses recursos e investir no SUS, em especial no resgate do Programa Nacional de Imunização para retomar a confiança da população nas vacinas”, disse o presidente eleito durante a reunião.

“O dirigente principal do Brasil está dando novo teto institucional e político para o SUS. Durante a pandemia quiseram ajoelhar a ciência e as vacinas. Lula quer fazer o SUS voar. Ele não pediu, ele encomendou as melhores propostas para melhorar o acesso aos serviços assistenciais do SUS e para recuperar rapidamente as coberturas vacinais. Nós topamos o desafio”, afirmou Nésio, durante a reunião.

O gestor público salientou que este ambiente faz um contraponto muito forte com o que os gestores de saúde e a comunidade científica viveram no período Bolsonaro. “Alguns temas eram proibidos e tutelados no âmbito de saúde. A vacinação pediátrica como questão de direito das crianças não podia ser falada em voz alta”, lamenta.

Com Lula, ele afirmou que a comunidade científica se sentiu muito à vontade, com densidade intelectual e capacidade criativa, enquanto Lula prestou atenção a tudo e apresentou uma síntese ao final sobre o que ouviu.

Alguns dos participantes da videoconferência de médicos e gestores de saúde com Lula

Desafios do governo

Diante do acúmulo de notícias ruins na saúde, nos últimos dias, os desafios sanitárias do governo são gigantesco. O noticiário está dominado por temas como o desabastecimento de medicamentos básicas em farmácias públicas e privadas, o corte de 65% no orçamento da Farmácia Popular, a queda brutal nas coberturas vacinais das crianças, assim como o aumento de internações de crianças com desnutrição, somados ao avanço da pandemia, com aumento de internações e óbitos com uma nova variante.

Tudo isso, com a transição de governo tendo que administrar o orçamento de terra arrasada deixado por Bolsonaro. Por conta do teto de gastos, há uma defasagem de aproximadamente R$ 22 bilhões do que deveria ser o orçamento da saúde para 2023, que a transição pretende recompor até o final do ano.

Para Nésio, o êxito de Lula vai depender da sabedoria do presidente de escolher “pessoas com experiência no âmbito da gestão, com capacidade técnica, e protagonismo para ter coragem de tomar decisões e liderar o país na recuperação do papel de liderança do Ministério da Saúde em questões de saúde pública”.

Para ele, este é o principal desafio do presidente Lula, neste momento. “Vemos uma disposição de todos os atores da sociedade civil e da política, a comunidade científica e os gestores públicos, de apostar e apoiar as iniciativas para recuperar a Saúde Pública no país, e, principalmente, da instituição Ministério da Saúde”, afirma o conselheiro. 

“O presidente Lula acertando na liderança e na composição do Ministério, terá muito apoio institucional, político e popular”, apontou.

Vacinação

Na mesma reunião, o presidente eleito disse que os primeiros 100 dias de seu governo terão como foco a recuperação do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o aumento da cobertura vacinal e a restauração da confiança da população sobre o tema, —que, segundo ele, foi afetada por fake news sobre o tema.

As últimas notícias dão conta de uma queda drástica na cobertura vacinal, inédita em décadas, que já se reflete no retorno de doenças vacináveis e internações desnecessárias de crianças. O programa Bolsa Família cumpria um importante papel ao exigir que as mães fizessem acompanhamento médico das crianças para receber o benefício. Com o desmonte do programa e criação do Auxílio Brasil, Bolsonaro cumpriu sua meta de impedir que milhões de crianças sejam vacinadas.

“Vai ser necessário conciliar diversas estratégias para recuperar as coberturas vacinais. Estratégias de comunicação, mobilização, de vinculação compulsória da vacinação a acesso a benefícios como distribuição de renda e matrícula escolar, questões que convergem para adesão a vacinação”, apontou Nésio.

Nésio explica que o bolsonarismo dedicou muito tempo em redes sociais e orgânicas influenciando grupos populacionais muito bem definidos, como os evangélicos, consolidando e ampliando a difusão de informações que geram medo e pânico em relação a vacinas. 

“Nós precisamos construir pontes com esse grupos populacionais. Precisamos dialogar e envolver esses atores no processo de imunização, para envolvê-los nisso, que é um direito das crianças brasileiras de serem vacinadas contra doenças que matam. É disso que se trata”, disse o médico.

Em sua opinião, é preciso que todos se mobilizem, e as políticas sociais podem ser instrumentos de recomposição do diálogo nacional. “Elas podem reunir grupos que estavam envolvidos em polarizações para recuperar o ambiente de normalidade democrática no país”.

Fizeram parte do encontro cinco ex-ministros da Saúde: Humberto Costa (PT), Arthur Chioro, Alexandre Padilha (PT), José Gomes Temporão e José Agenor.

Também participaram representantes do Instituto Butantan, da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), da Fiocruz, do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde) e ex-chefes de PNI, entre outros órgãos.

(por Cezar Xavier)