Bloqueios golpistas pró-Bolsonaro colocam vidas e abastecimento em risco 
Os bloqueios feitos em estradas e vias brasileiras por golpistas bolsonaristas que não aceitam o resultado das urnas têm provocado uma série de reflexos graves para a população e para a economia. Nesses últimos dias, acumulam-se relatos e notícias mostrando o grau de irresponsabilidade desses apoiadores mais radicais do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na manhã desta quinta-feira (3), segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), havia ainda 73 pontos de interdição, em seis estados. Já de acordo com o ministro da Justiça, Anderson Torres, em postagem feita logo cedo pelas redes sociais, seriam 158.
Na noite desta quarta-feira (2), Bolsonaro veiculou vídeo em suas redes sociais pedindo, de maneira mais enfática do que no primeiro pronunciamento pós-eleição, ocorrido na terça-feira (1º), que seus apoiadores liberassem as estradas.
Ainda na segunda-feira (31), o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a PRF e as polícias militares estaduais tomassem as medidas necessárias para desobstruir as vias. E o Ministério Público Federal (MPF) pediu que a Polícia Federal (PF) abra investigação para apurar a responsabilidade do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, por possíveis crimes relacionados à sua atuação e da corporação nesses episódios, além de investigação relativa às blitz realizadas no dia do segundo turno, prejudicando o acesso dos eleitores aos locais de votação, sobretudo em regiões onde Lula (PT) tinha maioria, como no Nordeste.
Segundo a PRF, até esta quarta-feira (2), R$ 18 milhões em multas a motoristas foram aplicadas devido aos bloqueios somente nas rodovias federais, em mais de quatro mil autuações. O Ministério da Justiça informou ainda que houve 37 prisões.
Descaso com a vida
Apesar de todas essas determinações, houve vários episódios de omissão e leniência de policiais e a manutenção dos bloqueios trouxe transtornos sérios à vida da população em diversos pontos do país, mostrando que a gravidade desses atos atentam tanto contra a democracia quanto contra os direitos dos cidadãos à saúde, ao transporte e a produtos básicos para o cotidiano, como alimentos, remédios e combustíveis.
Em Santa Catarina, um dos estados que tiveram o maior número de bloqueios golpistas, a secretaria da Saúde informou que 47 cirurgias eletivas foram canceladas, assim como consultas, além de ter havido prejuízos para o transporte de vacinas. E crianças com câncer, que se dirigiam a sessões de quimioterapia, também foram obrigadas a ficar paradas na estradas devido à irresponsabilidade dos manifestantes pró-Bolsonaro, até provarem que de fato tinham a doença.
Também no estado e em Pernambuco, houve casos de grávidas em trabalho de parto que tiveram de ter sua passagem forçada para chegarem a tempo no hospital.
Em Taquara (RS), foi noticiado que ao menos cinco pacientes com câncer perderam atendimento por ficarem retidos na estrada, além de uma paciente ter deixado de fazer uma cirurgia oncológica. E também houve casos de pacientes que precisavam fazer hemodiálise retidos na estrada, assim como profissionais de saúde que não conseguiam chegar aos seus locais de trabalho. Medicamentos para doenças graves, como leucemia, tiveram sua entrega atrasada em São Paulo, por exemplo.
Outro ponto grave dessas interdições antidemocráticas diz respeito aos estoques de produtos nas cidades. Segundo declaração emitida pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), há risco real de desabastecimento e de desperdício de alimentos. A partir dessa sexta-feira (4), se os bloqueios não cessarem, cerca de 500 mil litros de leite de uma única indústria podem se perder por dia. O abastecimento de carne e outros itens também podem ser bastante prejudicados.
Além de dificultar a entrega dos produtos, os bloqueios podem gerar ainda mais inflação sobre os alimentos, que já é alta, prejudicando sobretudo as famílias de menor poder aquisitivo. E já foram detectados problemas no abastecimento em mercados e postos de combustíveis de vários estados e no Distrito Federal. As viagens rodoviárias também foram prejudicadas.
Os atos têm sido repudiados por diversas lideranças do mundo político, jurídico e da sociedade civil. Na avaliação do jurista Pedro Serrano, professor da PUC-SP, em declaração ao jornal Extra Classe (RS), “a revanche e a vingança são sentimentos não democráticos, mas a democracia pressupõe cumprimento da lei”.
O ex-juiz, ex-governador e senador eleito do Maranhão, Flávio Dino, destacou, pelas redes sociais, que tal movimento é “absolutamente ilegal, puramente ideológico” e defendeu como urgentes “o bom senso e a ação das autoridades federais, inclusive da Polícia Rodoviária Federal, Procuradoria da República e Justiça Federal”.
Ao site Consultor Jurídico, Pierpaolo Cruz Bottini,advogado e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, destacou: “A atuação dos caminhoneiros no sentido de bloquear estradas não é um movimento político legítimo, mas um movimento destinado a causar desordem e tumulto pelo puro e simples fato de eles não estarem de acordo com o resultado das eleições”.
Desumanidade em alta
Como se não bastassem todos esses ataques aos direitos básicos dos cidadãos, os atos antidemocráticos promovidos pelos bolsonaristas interferiram até mesmo no dia de Finados, data em que muitas pessoas visitam os túmulos de seus parentes.
Mas a irresponsabilidade e a perversidade não param por aí. O Ministério Público de Santa Catarina vai investigar o uso de crianças como “escudo” nessas interdições golpistas. Casos como este, no entanto, podem ter ocorrido em outros locais também.
O artigo 227 da Constituição estabelece como dever de todos garantir que crianças não sejam expostas à violência e, segundo o artigo 132 do Código Penal, é crime “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aponta como crime submeter crianças a vexames, constrangimentos, bem como à negligência e violência, o que pode levar os responsáveis a detenção de seis meses a dois anos.
Outro fato grave foi a morte de um empresário que, ao não ver um caminhão parado e mal sinalizado, bateu seu veículo em Várzea Grande (MT).
Neste cenário de degradação democrática promovida pelo bolsonarismo, também é grave o episódio ocorrido em São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, onde manifestantes, durante protesto ao som do Hino Nacional, fizeram saudação nazista com a mão estendida. O caso é apurado pelo Ministério Público do estado.