Explosão acionada por via remota, processo desvendado em detalhes (Anadolu Agency)

O ataque terrorista do dia 8 na ponte da Crimeia foi planejado pela Diretoria Principal de Inteligência do Ministério da Defesa da Ucrânia, e seu chefe, Kirill Budanov, afirmaram o Serviço Federal de Segurança (FSB) e o Comitê de Investigação da Rússia (TFR). Já estão detidos oito dos envolvidos na execução: cinco russos, três ucranianos e um armênio. Pelo menos 12 pessoas, segundo o órgão, estiveram envolvidas na operação.

A bomba foi acionada remotamente. Cinco pessoas morreram no atentado, incluindo o motorista da bomba sobre rodas, Makhir Yusubov, e o juiz de arbitragem de Moscou Sergei Maslov, que estava de férias com amigos. Os corpos de um casal foram retirados da água na tarde de sábado.

Na segunda-feira, o presidente Putin já havia classificado o atentado na ponte como um ato de “terrorismo” contra uma “infraestrutura crítica” russa. A explosão causou a queda de dois trechos superpostos de rodovia, mas duas faixas já voltaram a funcionar; depois de algumas horas, o tráfego pela ferrovia foi normalizado. Os arcos do vão da ponte não foram afetados. Foi estabelecido um sistema de barcaças para transportar caminhões provisoriamente.

O presidente russo indicou que, caso o regime de Kiev continue com “tentativas de realizar ataques terroristas” em solo russo, as respostas de Moscou serão “duras e correspondentes ao nível de ameaças” criadas contra o país. Já entra no terceiro dia a ofensiva russa com mísseis contra a infraestrutura ucraniana usada para transportar armas e pessoal contra o Donbass.

As investigações prosseguem e o FSB assegurou que “todos os organizadores e cúmplices, incluindo estrangeiros, serão responsabilizados conforme a lei russa”.

Atentado a caminho desde agosto

De acordo com as investigações, a execução do ato terrorista começou no início de agosto, com a carga de bombas prevista para chegar à ponte no dia do aniversário de Putin, mas por algum motivo acabou só acontecendo no dia seguinte.

Ao longo da rota, a carga letal – 22,7 toneladas de explosivo camufladas em rolos de filme de polietileno de construção – foi mudando de destinatário e remetente, para evitar detecção.

O ponto inicial foi o porto de Odessa, com destino a Ruse, na Bulgária, envolvendo um contrato assinado entre as empresas Translogistik UA (Kiev) e Baltex Capital SA (Ruse). O barco que fez o transporte costeou em direção a oeste, ingressando no rio Danúbio.

Da Bulgária, foi levada para Poti, na Geórgia, e, dali, redirecionada para Yerevan, na Armênia. Em 4 de outubro, o caminhão DAF registrado na Geórgia cruzou a fronteira georgiana-russa no posto fronteiriço de Verjni Lars e, em 6 de outubro, a carga foi transportada para a base logística de Armavir na região russa de Krasnodar.

O que pode ter sido executado através de uma ‘bolsa eletrônica de cargas’ com sede em São Petersburgo e com pontas em várias áreas da União Eurasiática, em que é possível contratar online envio de cargas e veículos.

Segundo o FSB, a rota foi organizada pelos cidadãos ucranianos Mikhail Tsyurkalo, Denis Kovacs e Roman Solomko, bem como pelos cidadãos georgianos Sandro Inosaridze e um corretor conhecido apenas pelo nome de Levan. O cidadão armênio Artur Terchanyan os ajudou. Nova troca de remetente e destinatário: o expedidor da carga de Yerevan para a Rússia passou a ser GU AR GROUP LLC (República da Armênia, Alaverdi), para entrega à Lider LLC (Moscou).

Lá, em 7 de outubro, os documentos de carga foram falsificados mais uma vez com a ajuda de Vladimir Zloba (ucraniano nascido em 1987) e cinco cidadãos russos que já foram identificados.

Há a troca de veículo – se mantido o de placa da Geórgia, seria revistado até o último parafuso na ponte – e é aí que entra o infeliz Yusubov. Nova falsificação de remetente e destinatário, desta feita, a empresa TEK-34 (de Ulyanovsk, Rússia) para uma empresa fictícia de Simferopol, Crimeia.

Nesse mesmo dia os pacotes [com os explosivos camuflados] foram carregados no caminhão de Yusubov (russo nascido em 1971), que partiu para Simferopol e, em 8 de outubro, ao atravessar a ponte, foram detonados.

‘Coordenador Ivan’

Um agente ucraniano, que se apresentou como “Ivan Ivanovich”, coordenou o atentado, tendo utilizado para se comunicar com seus cúmplices um número virtual anônimo adquirido na internet e outro número de celular registrado em nome de Sergei Andreichenko (ucraniano nascido em 1988), da cidade ucraniana de Kremenchug.

O FSB publicou um vídeo da fiscalização do caminhão que explodiu na ponte. As imagens mostram como um homem, aparentemente o motorista do veículo, abre a porta do caminhão e um policial dá uma olhada no interior antes de dar o sinal de que ele pode passar.

O infeliz Yusubov

Na avaliação do jornal russo liberal Kommersant, “é possível que os organizadores do ataque terrorista pudessem ter usado o motorista do caminhão ‘no escuro’ e que o Sr. Yusubov pudesse não saber que a carga que transportava – filme de embalagem – continha explosivos”.

As circunstâncias da detonação dão motivos para acreditar que a bomba foi detonada remotamente e no exato momento em que um trem com combustível passava de cima. Segundo o Kommersant, o proprietário nominal do caminhão que explodiu é o primo de Yusubov, Samir, residente do Território de Krasnodar, o que este já reconheceu em vídeo.

Makhir Yusubov, de 51 anos, natural da Geórgia, que há muito se estabeleceu na Rússia, já fazia transporte de carga há muitos anos e, segundo relatos, registrou um caminhão em nome de seu sobrinho após um acidente em que sofreu em janeiro de 2022 em Kazan, para poder continuar trabalhando.

“Estava devendo dinheiro a alguém. E fora de perigo, ele registrou novamente o ganha-pão do caminhão para seu sobrinho, para que não fosse levado. Os credores virão – e ele não tem nada. É por isso que a princípio o jovem Samir Yusubov se tornou o primeiro suspeito, embora o motorista do caminhão claramente visível na gravação de vídeo no posto de controle perto da ponte da Crimeia, nem de perto se parecesse com o jovem e atlético Samir”.

Manejando explosivos com empilhadeira

Outros envolvidos/manipulados são da família Azaytan, cuja empresa Agro Service, que cultiva soja e existe há mais de 20 anos, recebeu em Armavir a carga letal: o pai, Samvel, e seu filho Georgiy, nativos do Donbass, que se mudaram para o território de Krasnodar há muito tempo, como registra o jornal russo.

O filho mais novo Artyom há algum tempo foi viver na Crimeia. Foi Artyon quem, na véspera do ataque terrorista, ligou de Simferol para o pai e pediu-lhe que ajudasse um amigo, que lhe pedira um dia para manter em seu armazém uma carga, para a qual outro caminhão viria de Krasnodar.

O irmão mais velho Georgiy relatou ter ficado muito surpreso com o caminhão com placa estrangeira (georgiana). “O motorista me entregou uma pilha de faturas para eu assinar, mas eu as devolvi a ele. Por que devo ler e assinar documentos de outras pessoas? Pai e irmão concordaram, eu ajudei”, explicou. História normal para o norte do Cáucaso.

Assim, Georgy Azatyan e um funcionário da empresa, o motorista de trator Yuri Postnikov, fizeram o descarregamento dos paletes de um caminhão georgiano usando uma empilhadeira. Se Postnikov tivesse cometido um erro qualquer com a empilhadeira, se ele deixasse cair o próprio palete, “metade do Armavir voaria pelos ares”, observa o Kommersant.

Artigo 205 do código penal russo

Na noite de domingo, o chefe do ICR, Alexander Bastrykin, relatou ao presidente Putin os primeiros resultados da investigação sobre a explosão na ponte da Crimeia e a abertura de um processo criminal nos termos da Parte 2 do art. 205 do Código Penal da Federação Russa (ataque terrorista).

Descobriu-se que as explosões, e houve pelo menos duas delas, trovejaram às 06:07. Já as primeiras imagens das câmeras de CFTV permitiram concluir que o epicentro foi no local por onde o caminhão estava passando, segundo o jornal.

O brilho do fogo causado pela explosão na ponte da Crimeia foi visível por muitos quilômetros: a força da explosão foi tal que dois vãos da ponte desabaram e um trem de carga que transportava combustível também pegou fogo e consumiu sete vagões tanques. As fotografias do local mostram buracos nos tanques queimados, aparentemente deixados por fragmentos da estrutura da ponte arrancados pela explosão.

Identificados doze envolvidos, os mandantes e a rota para plantar na ponte o caminhão transformado em bomba, é preciso ainda determinar quem fazia parte do grupo terrorista e quem foi usado à revelia. O que será esclarecido pela

equipe do vice-chefe do departamento de investigação criminal, Ivan Zipunnikov, com larga folha de casos, como o ato terrorista na escola de Beslan e a apuração das circunstâncias do acidente do Tu-154 no aeroporto de Smolensk com o presidente polonês Lech Kaczynski a bordo.

Euforia de Kiev durou pouco

O jornal russo Vzglyad registrou como Kiev festejou euforicamente o atentado, inclusive com edição de selo comemorativo, instalação de painéis com foto gigante das explosões na ponte da Crimeia e manipulação das redes sociais.

Para um especialista ouvido pelo jornal, Garnik Tumanyan, o atentado serviu de cenário para um ataque maciço ao espaço de informação, destinado a três grandes públicos – russo, ucraniano e ocidental – e “preparado com antecedência”. Um grande número de vídeos curtos, memes, quadrinhos foram preparados.

“No segmento russo da Internet, uma linha de pânico foi praticada”, sobre o suposto “desamparo da liderança e a desorganização das agências policiais”. Para o público ucraniano, foram preparados materiais que buscavam induzir “orgulho”, apesar da “natureza terrorista do incidente”.

Para o público ocidental, tentaram passar a tentativa de explodir a ponte por um “sucesso militar da Ucrânia” e esconder a orientação terrorista”, acrescentou o especialista.

Tumanyan observou ainda que a liderança ucraniana preparou com antecedência edições comemorativas de selos e cartões postais. E nas cidades da Ucrânia foram abertas zonas especiais para posar junto a fotos da ponte com explosões.

Ele acrescentou que a euforia entre a parte radical da sociedade ucraniana terminou “rapidamente”, quando se tornou visível que a ponte não fora derrubada e que o pânico não havia se espalhado pela Crimeia, nem na Rússia. E que, ao contrário, a resposta russa ao terrorismo viria com toda a força.

Papiro