Universidades estaduais paulistas

No primeiro turno, o Jornal da USP procurou os candidatos para uma entrevista sobre suas intenções com a universidade paulista. Todos responderam, menos o ex-ministro da infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Agora, quem disputa o segundo turno com o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), é justamente o bolsonarista. No governo, aliados de Jair Bolsonaro ficaram marcados pelo negacionismo científico e pelo desmonte do financiamento da ciência, tecnologia e inovação, assim como das universidades federais. Para piorar o cenário, o senador eleito no estado foi justamente o ex-ministro de Ciência Tecnologia e Inovações de Bolsonaro, Marcos Pontes (PL).

Por isso, os três reitores de universidades públicas paulistas, USP, Unicamp e Unesp, resolveram lançar uma “Carta ao futuro governador paulista”, onde apelam ao financiamento adequada das instituições e tentam provocar alguma resposta formal de Tarcísio. Destacam a importância da produção científica, do Instituto Butantan e dos hospitais universitários. Exigiram um compromisso claro dos candidatos com as instituições. O documento foi publicado na imprensa nacional (Leia a íntegra da carta abaixo).

O direcionamento dado pelos dois candidatos a USP pode ajudar a compreender como um programa de governo deverá tratar as demais instituições. O candidato bolsonarista não menciona explicitamente nenhum projeto concreto para as universidades em sua proposta de governo. Não cita como sua gestão lidaria com investimentos, não apresentou propostas de permanência estudantil universitária e não mencionou a moradia estudantil. Em seu plano de governo, não citou a mobilidade urbana pela Universidade de São Paulo, especificamente. O candidato também não faz menção à política de cotas em nenhum momento e não tem propostas diretamente atreladas à vivência universitária da Universidade. O candidato também não menciona especificamente as universidades estaduais na questão de segurança pública. Sobre este assunto, o candidato apresenta propostas como o incremento de tecnologia e inovação nas frotas, valorização da força policial e endurecimento do combate ao crime prezando pela “garantia da ordem social”.

Já o candidato Fernando Haddad respondeu a todos os questionamentos do Jornal da USP. Disse que o Ensino Superior terá papel central na reconstrução social e econômica do Estado de São Paulo. O ex-ministro da educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito da cidade de São Paulo também leciona na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

“Vamos realizar a integração da pesquisa com as cadeias produtivas e de inovação, e todos nós sabemos da importância da USP nesse sentido. Diante do contexto atual, marcado pela grave crise social imposta pela pandemia, também daremos especial atenção às políticas de cuidado com nossos estudantes e com programas de permanência, sobretudo para estudantes de baixa renda”, afirmou.

“Será proposta a constitucionalização do modelo de financiamento das três universidades públicas. Ao invés de o repasse ficar vinculado apenas a um único tributo (ICMS), nós vamos fazer uma cesta de tributos para dar maior estabilidade e previsibilidade às nossas universidades estaduais, incluindo este modelo de financiamento nas normas da Constituição Estadual de São Paulo”, finaliza. 

orçamento da Universidade de São Paulo aprovado para 2022 foi da ordem de R$ 7,5 bilhões. Desse total, R$ 7,1 bilhões referem-se aos repasses do governo estadual (valor 22,2% mais elevado do que em 2021) e R$ 386,4 milhões são referentes a recursos de receitas próprias. A USP recebe a cota-parte de 5,02% da arrecadação do ICMS do estado.

Sobre os investimentos na instituição, Haddad conta que, diante da possibilidade da perda de recursos advindos do ICMS, “é fundamental garantir o repasse financeiro necessário às instituições de Ensino Superior do Estado de São Paulo a partir do ano que vem”. Ele completa: “Para tanto, ao invés de o repasse ficar vinculado apenas a um único tributo, nós vamos fazer uma cesta de tributos para dar maior estabilidade e previsibilidade orçamentária às nossas universidades estaduais, que prestam um enorme serviço para a produção científica da América Latina”. 

Milhares de estudantes ingressam na universidade anualmente, mas encontram obstáculos para se manterem na instituição. Moradia, alimentação, material de estudos, transporte e saúde são alguns dos tópicos fundamentais para a construção de uma permanência estudantil inclusiva e eficiente. Atualmente, está em vigor o Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE), que oferece benefícios a alunos de graduação com dificuldades socioeconômicas.

Haddad se compromete a criar um Plano Estadual de Assistência Estudantil, “visando ampliar o acesso e a permanência de jovens no ensino superior”, diz. Ele explica: “vamos oferecer auxílio financeiro ou garantia de subsídios a jovens que não têm condições de se manter na universidade, além de implementar um programa de saúde mental para alunos da graduação e pós-graduação”. 

Conjunto Residencial da USP (Crusp) é um patrimônio valioso da Universidade, assim como os demais complexos de moradia universitária. Apesar da importância para alunos em situação de vulnerabilidade, moradores enfrentam uma série de obstáculos que afetam sua permanência no conjunto.

Atualmente, o complexo da USP passa por sua primeira reforma desde os anos 1990. O projeto, que pretende renovar a moradia estudantil, não esconde os sérios problemas na infraestrutura do local. Desde o dia 15 de agosto, por exemplo, o Crusp sofre com a falta de água, fator que persiste no bloco F.

Para evitar o sucateamento do conjunto, políticas públicas direcionadas se tornam imprescindíveis. Haddad reconhece que os alojamentos geram muitas reclamações e, portanto, considera fundamental trabalhar pelo bem-estar e segurança dos universitários. “Ter tranquilidade para se deslocar pelo campus é fundamental para um bom desempenho estudantil, assim como o acesso a um ambiente digno de moradia e alimentação de qualidade”, afirma. O candidato cita como proposta a ampliação do Crusp e também dos bandejões. “Transporte, alimentação e moradia de qualidade e suficientes para toda a demanda. Sim, é prioridade.”

A Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira recebe cerca de 100 mil pessoas por dia. Para atender a demanda de locomoção, em fevereiro de 2012, foram criadas as duas primeiras linhas de ônibus circulares que partem da Estação Butantã do Metrô de São Paulo e passam por diversas Unidades da USP. O serviço é gratuito para os alunos da universidade. Durante os horários de pico, o serviço prestado pela SPTrans acaba por não suportar a grande quantidade de embarques. Manutenções rotineiras são necessárias para o sistema não colapsar.

Haddad relata que o sistema de ônibus circulares da USP gera reclamações há muito tempo. Como proposta, o candidato quer aprimorar o serviço. “A administração é de responsabilidade das prefeituras dos campi. Vamos garantir uma previsão orçamentária para as universidades que seja estável ano a ano e estabelecer programas que garantam o aprimoramento dos sistemas de transporte, alimentação e moradia.”

Sancionada em 29 de agosto de 2012, a Lei de Cotas completou uma década em 2022. O regulamento foi importante para democratizar o acesso às universidades públicas brasileiras para estudantes pretos, pardos e indígenas (PPI) ou provenientes de escolas mantidas por prefeituras, estados ou pelo governo federal.

Apesar de ser um mecanismo importante para derrubar o muro que separa oportunidades educacionais da população de baixa renda da nação, discussões acaloradas sobre a lei ainda são recorrentes na sociedade.

Candidato à prefeitura de São Paulo quando sancionada, Fernando Haddad diz ter orgulho de ter participado da construção da Lei de Cotas. Para que a diversidade continue presente no ambiente universitário, o professor assume um compromisso com o respeito à pluralidade e a promoção da igualdade de direitos. “Temos que garantir uma educação com equidade racial, inclusive, formando os servidores da Educação para que promovam as relações étnico-raciais e trabalhem de forma constante em ações antirracistas”, comenta. “Nesse sentido, vamos criar o Núcleo Afrobrasileiro, Quilombola e Indígena em todas as Diretorias de Ensino do estado, sempre buscando combater as desigualdades em todas as suas dimensões.”

“Vamos trabalhar em prol da igualdade de direitos e oportunidades para as mulheres, o povo negro, os povos indígenas, quilombolas e as comunidades tradicionais. Nossa gestão será compromissada com a defesa da dignidade, o combate a qualquer discriminação e a promoção dos direitos para todas as pessoas”, completa Haddad.

A USP também se faz presente na vida dos estudantes por meio da vivência universitária. Considerando a realidade de jornada dupla (estudo e trabalho) de muitos, somada a longos deslocamentos, como os candidatos pensam garantir a possibilidade dos estudantes – sobretudo aqueles de origem periférica – de vivenciarem a universidade em sua integralidade? 

Haddad pontua que “garantindo moradia, alimentação e transporte na quantidade e qualidade necessárias, reduzem-se as dificuldades de todos que precisam trabalhar enquanto estudam”. O candidato cita como proposta de governo a criação do Bilhete Único Metropolitano para integrar mais cidades à capital. Além disso, o candidato menciona a proposta de criação de um programa de auxílio financeiro aos estudantes de baixa renda e um programa de estágio e inserção no mercado de trabalho que “observe as necessidades logísticas dos estudantes, levando em conta seus locais de moradia e estudo.” 

Em 2015, uma base da Polícia Militar foi instalada dentro do campus do Butantã e, em 2021, foi instalada uma no campus de Ribeirão Preto. A instalação das bases  levantou inúmeras controvérsias, diante da permanência dos problemas de segurança e também da denúncia de casos de violências nas abordagens com pessoas de dentro e fora da comunidade uspiana, ameaçando a autonomia universitária. 

O candidato Fernando Haddad pontua querer promover um “Programa Integrado de Prevenção à Violência” de caráter transversal e em conjunto com secretarias da Saúde, Educação, Esporte, Assistência Social e Cultura. “O objetivo é, além de investir na estrutura necessária para uma vigilância eficaz para garantir a tranquilidade de todos que frequentam o campus, incentivar uma cultura de paz e de valorização das relações humanas com uma convivência solidária no local. Nesse sentido, dentro de uma filosofia de uma Polícia Militar cada vez mais eficiente, valorizada, moderna e humana, vamos criar, por exemplo, uma disciplina sobre racismo estrutural nas escolas de formação das polícias e adotar novos Protocolos Operacionais Padrão (POPs) de abordagem, a fim de garantir uma polícia democrática e cidadã. A problemática do racismo estrutural e suas repercussões devem ser centrais na formação de nossas forças policiais”. 

O ex-ministro da educação salienta a importância da manutenção da autonomia universitária. “Isso deve ser mantido, garantindo a liberdade e todos os preceitos democráticos no ambiente universitário, mas sem abrir mão da força policial quando necessária e solicitada, para garantir a plena segurança da comunidade acadêmica.”

Leia a íntegra da carta dos reitores:

Carta ao futuro governador paulista

Por Carlos Gilberto Carlotti Junior, Antonio José de Almeida Meirelles e Pasqual Barretti, respectivamente, reitores de USP, Unicamp e Unesp

Carlos Gilberto Carlotti Junior – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Antonio José A. Meirelles – Foto: Antonio Scarpinetti/Unicamp
Pasqual Barretti – Foto: Portal Unesp

A sociedade reconhece que as universidades públicas estaduais paulistas são patrimônio essencial para São Paulo e para o Brasil. Gerações de paulistas e brasileiros sabem que a USP, a Unesp e a Unicamp fazem a diferença entre o progresso e o atraso, entre a riqueza e a pobreza, entre o conhecimento e a ignorância.

Ao nos aproximamos do segundo turno de eleições decisivas para a história do estado, nossas três universidades vêm a público para solicitar que os dois candidatos ao governo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad (PT), estabeleçam, com elas, compromisso para sua defesa, manutenção e apoio. A grandeza alcançada ao longo de décadas deve ser mantida e ampliada.

Os investimentos em ensino, pesquisa e ciência asseguraram, ao nosso estado e ao Brasil, soluções de enorme envergadura em diversas áreas, da agricultura à engenharia, da arquitetura ao direito. Quando pensamos em saúde, por exemplo, a universidade pública e os organismos associados, como o Instituto Butantan, asseguram padrões de excelência em atendimento e inovação. É inegável a importância de nossos hospitais como centros de pesquisa e de tratamento avançado.

Nossa atividade acadêmica é reconhecida internacionalmente. Formamos, anualmente, 16.600 estudantes de graduação e 12.500 de pós-graduação. Temos papel preponderante na formação de centros de pesquisa e de pós-graduação e da intelectualidade brasileira.

Geramos riquezas através de nossas pesquisas, a maioria com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Dos US$ 10 bilhões investidos em startups no Brasil nos últimos dez anos, mais de US$ 5 bilhões apoiaram empreendimentos de egressos das universidades estaduais paulistas. Temos colaborado fortemente com o crescimento econômico de São Paulo, tendo como exemplo a parceria científica para aumentar, com responsabilidade ambiental, a produção agrícola nacional.

Portanto, como os candidatos ao governo valorizam projetos que melhoram a vida da população, devem deixar claro que valorizam também a USP, a Unesp e a Unicamp. Assim, propomos a eles dois compromissos.

Em primeiro lugar, com o financiamento das nossas três instituições, com base nos procedimentos adotados com sucesso desde 1989. Nossos orçamentos provêm de parcela fixa do ICMS (9,57%). Temos autonomia acadêmica e financeira, que tem relação direta com nossa posição de destaque em rankings internacionais. Se houver reforma tributária no país, fórmula semelhante deveria ser adotada.

O segundo é o compromisso com a autonomia da gestão universitária. As universidades precisam de liberdade acadêmica para prosperar. Mais do que um método eficiente, a autonomia se impõe como pressuposto racional para a geração de conhecimento.

Devemos aprimorar nossas atividades nos próximos anos e, para isto, a interação com o governo estadual é fundamental. Precisamos construir, em conjunto, políticas públicas de qualidade, ampliando o empreendedorismo e a inovação com empresas e o setor público e colaborando no planejamento do desenvolvimento sustentável do estado.

Os governos democráticos se distinguem pelo respeito que dedicam ao pensamento crítico, às artes e à pesquisa científica para benefício da alegria e da inventividade de sua gente. Nossas universidades conquistaram esse respeito. São espaços cada vez mais plurais e acolhedores, que constroem a justiça social, combatem o racismo, reduzem a desigualdade e fomentam a paz. São antídotos contra a violência e o preconceito e fazem jus aos compromissos sugeridos para os candidatos ao cargo de governador de São Paulo.

Sem a USP, a Unesp e a Unicamp, São Paulo não seria o que é hoje. Sem o apoio às três, nosso futuro seria mais sombrio que nosso presente. Conclamamos o futuro governante para que interaja com as universidades com sabedoria, diálogo e espírito público. O estado de São Paulo sabe que pode contar conosco.

(Texto originalmente publicado na editoria Tendências / Debates, do jornal Folha de S. Paulo, em 11/10/22)

(por Cezar Xavier)