Recessão global em 2023 aponta para necessidade de Estado forte
Nesta terça-feira (11), o Fundo Monetário Internacional (FMI) apresentou um relatório no qual apontou que o mundo deverá ter uma crise econômica mais profunda no próximo ano, além de rebaixar suas projeções de crescimento global em 2023. O alerta reforça o que tem sido noticiado há algum tempo com relação a uma piora no quadro geral do capitalismo, o que certamente afetará com maior força os países e populações mais vulneráveis, incluindo o Brasil.
Previsão recente feita também pela instituição destaca que ao menos 1/3 do planeta deverá entrar em recessão — e quem não entrar, vai sentir seus reflexos. Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) projeta que o crescimento global cairá para 2,2% em 2023 — a estimativa para este ano é de 2,5%. A agência da ONU alerta ainda que se não houver mudanças urgentes nas políticas locais, o mundo caminhará para uma recessão global.
Segundo o mesmo relatório, “todas as regiões do mundo estão sendo afetadas por esse quadro, mas os países em desenvolvimento são os mais vulneráveis. Cerca de 60% das nações de baixa renda estão em situação de superendividamento ou quase chegando a esse quadro”.
Fatores preponderantes da recessão
Na avaliação de Daniela Cardoso Pinto, economista e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), há a possibilidade de termos recessão em 2023 a depender de dois fatores: o aprofundamento da guerra na Ucrânia, “que afeta e encarece os fatores de produção, atingindo principalmente o continente europeu; e o aumento superior aos 4,5% na taxa de juros norte-americana, uma vez que a economia estadunidense demonstra desaquecimento e a continuidade da elevação da taxa de juros diminuirá a capacidade de consumo deste mercado”.
Quanto aos impactos desses dois elementos em nível mundial e no Brasil em particular, a professora destaca que no caso do aprofundamento da Guerra na Ucrânia, “o reflexo global ocorre pelo aumento dos preços dos produtos exportados pela Ucrânia e pela Rússia, em especial fertilizantes, trigo e produtos feitos à base deste, uma vez que com o aumento do preço da matéria-prima, independentemente de onde o produto final seja fabricado, haverá repasse do aumento de custo, e pelo encarecimento do preço do petróleo, haja vista que mesmo o Brasil não consumindo petróleo russo, em virtude das sanções impostas a este país, as demais nações europeias buscarão alternativas, o que fará valer a lei da oferta e demanda: quanto maior a procura por um produto, maior o seu preço”.
No caso da elevação dos juros dos EUA, diz, “o impacto maior se dará pela pequena redução no volume de exportáveis a este país, uma vez que a população consumidora (que inclui indústrias) restringirá seus gastos e, principalmente, por uma apreciação do dólar, pois considerando a perspectiva de redução da Selic, haja vista que a inflação começou a desacelerar, teremos fuga de capital, já que a remuneração de taxa de juros dos EUA se mostrará mais atrativa”.
Cenário no Brasil
Daniela salienta que em relação à Guerra na Ucrânia, o impacto no Brasil poderia ser atenuado se o país tivesse estoque regulador, que resultaria na “diminuição do valor dos produtos importados pelo estoque nacional”. Lamentavelmente, acrescenta, “desde o governo Dilma, este estoque tem diminuído até praticamente desaparecer no governo Bolsonaro”.
Outro ponto que a professora destaca no que tange ao preço do petróleo é que “ao contrário do que diz o atual presidente, o melhor seria aumentar os investimentos na Petrobras de modo a sermos menos dependentes do petróleo refinado e, em longo prazo, sermos menos vulneráveis à alteração do preço internacional. Em médio prazo, a proposta que considero mais viável é a criação de um fundo para amenizar a variação dos preços internacionais e este fundo seria composto pela parcela de dividendos recebida pelo governo”.
Para Maurício Weiss, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Brasil “não precisava aplicar esse aumento do preço da importação porque isso afeta em torno de 15% a 20% do custo da Petrobras, mas ele resolveu, pela política, passar tudo”. Ele acrescenta que “algumas commodities subiram, os alimentos subiram, os preços dos combustíveis e outras fontes de energia subiram muito nos Estados Unidos e na Europa. Então, esses países passaram a elevar a taxa de juros”.
Contexto dramático
Weiss lembra ainda que além da elevação da taxa de juros, “houve uma interrupção de diversos programas sociais, de estímulo de renda, que eram efetuados no pior momento da pandemia e que foram sendo cortados”, gerando um contexto ainda mais dramático para sociedades em que os salários já estavam historicamente defasados em termos de ganhos reais. Soma-se a isso o forte aumento dos preços e a queda dos incentivos. “Isso gera uma pressão de redução do poder de consumo dos trabalhadores e quando você aumenta a taxa de juros, você torna outros mercados menos atrativos; então você faz com que o dinheiro saia dos países emergentes e vá para os Estados Unidos”.
O professor critica ainda a alta financeirização da economia mundial no atual estágio do capitalismo, que leva a crises e recessões frequentes, como tem sido visto em especial nas últimas décadas. “Se essa recessão vai se transformar em crise, eu não tenho os dados precisos para dizer, mas nessa lógica da economia, de crescer com base nas finanças, o mundo sempre está suscetível a crises”, afirma.
Nesse contexto, diz, “as crises financeiras tendem a ser cada vez mais frequentes — desde 1980, quando vigora a financeirização da economia, a lógica das finanças ser reproduzida em toda a sociedade, juntamente com a globalização financeira em que está tudo unificado, o problema de um país acaba se refletindo nos demais. Assim, qualquer operação de liquidez, de corte de estímulo do setor público, pode sempre vir a gerar crise”.
Papel do Estado
Weiss analisa que o capitalismo “está sempre dependendo de uma valorização da riqueza financeira e isso pode acontecer mesmo sem estímulo do Estado, mas me parece que está cada vez mais difícil que isso aconteça por um período mais longo, sem crises mais fortes. É preciso haver muita liquidez e eu vejo que hoje para um país ser competitivo, cada vez mais o Estado tem de estar presente. A Alemanha, por exemplo, está fazendo reestatização de empresas, os Estados Unidos estão fazendo incentivos, subsídios, investimento público para determinados setores”. Para ele, a saída, por ora, é haver “uma retomada mais forte do papel do Estado. Essa dinâmica baseada nas finanças é cada vez mais limitada”.
Levando em conta esse papel do Estado no enfrentamento da situação atual, e considerando que a economia brasileira vem acumulando baixo crescimento, Weiss diz esperar que, no caso da eleição do ex-presidente Lula (PT), haja “um aumento do investimento público, com potencial para retomar a atividade e ter um bom crescimento econômico”.
Mas para isso, defende, “é preciso acabar com o teto dos gastos ou ter uma alteração significativa que possibilite ao setor público retomar o investimento, retomar o poder de compra dos servidores, que foi muito afetado nos últimos anos e que também gera um encadeamento positivo para o restante da economia, com o aumento do consumo”. Ele defende ainda a valorização das estatais e políticas de estímulo à indústria, à ciência, tecnologia e inovação, a tributação da riqueza e critica o uso do orçamento secreto, que inviabiliza um planejamento e uma distribuição adequada dos recursos para as áreas prioritárias. Sem mudanças desse tipo, adverte, “fica muito difícil haver uma dinâmica positiva para o próximo ano”.