Para desembargador, crime de assédio eleitoral é grave afronta aos direitos humanos
A violência do bolsonarismo vem se manifestando das mais diversas formas nestas eleições. Uma delas passa muitas vezes despercebida para boa parte da opinião pública, mas nem por isso é menos grave: o assédio eleitoral. Especialmente após a realização do primeiro turno, vieram à tona diversas denúncias relacionadas a crimes deste tipo pelo país, sobretudo onde o apoio a Jair Bolsonaro (PL) é mais forte, como os estados do Sul.
Até esta quinta-feira (13), o Ministério Público do Trabalho (MPT) já havia contabilizado ao menos 242 casos de assédio eleitoral em 25 estados e no Distrito Federal. Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina respondem por 46% das ocorrências registradas. Há casos, relatados por policiais ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em que patrões cogitam reter os documentos de seus funcionários para impedir que votem no dia 30.
A gravidade do cenário levou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, a buscar novas formas de coibir tais crimes. Em breve, ele fará uma reunião com representantes do Ministério Público Eleitoral (MP Eleitoral) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) para alinhar e tornar mais efetivo o combate a esse tipo de crime.
Na avaliação do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), Marcelo D’Ambroso, “exigir voto em determinado candidato sob a coação da perda do emprego é ameaça que constitui, além de crime, grave afronta ao direito humano de votar secretamente em candidatos e candidatas de livre escolha, pilar da democracia”.
D’Ambroso — que também preside o Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (Ipeatra) e coordena o núcleo da Associação Juízes para a Democracia no Rio Grande do Sul (AJD/RS) — defende que além das ações que vêm sendo realizadas pelos ministérios públicos e pela Justiça Eleitoral, haja um “chamado cívico nacional pela preservação da democracia”, de maneira a conscientizar para o fato de que o assédio eleitoral constitui uma forma de violência política que deve ser repelida.
Acompanhe abaixo a entrevista que o desembargador concedeu ao Portal Vermelho.
Violência política contra o trabalhador
“O assédio eleitoral feito por empresários e empresárias para que trabalhadores e trabalhadoras votem em seu candidato, mais que assédio propriamente dito, é um ato de violência política. Quero frisar a violência porque é importante tratar as coisas pelo que elas efetivamente são, já que a ideia de um assédio implica um impacto menor na pessoa que está se informando sobre o assunto pela primeira vez, do que se o tema fosse apresentado como violência política ou violência eleitoral, até porque o assédio é uma forma de violência”.
Grave afronta ao direito humano
“Exigir voto em determinado candidato sob a coação da perda do emprego é ameaça que constitui, além de crime, grave afronta ao direito humano de votar secretamente em candidatos e candidatas de livre escolha, pilar da democracia. O constrangimento ao voto de cabresto é um ato covarde exercido por quem, tendo poder econômico, ameaça a subsistência da pessoa que necessita trabalhar para sobreviver. A razão de tal repugnante prática persistir em pleno século 21 se explica, em parte, pelo avanço do neofascismo”.
Tática fascista
“Estamos numa época de uma profunda crise do sistema capitalista, capitaneada pela hegemonia do neoliberalismo nos últimos 40 anos, que nos trouxe de volta a uma situação de desigualdade social equivalente à do século18, pré-Revolução Francesa, quando 1% da população detém o equivalente às riquezas dos demais 99%. A ideia dos fascismos é desviar o foco da população do debate político, da discussão das medidas para redução da desigualdade social, ao mesmo tempo que desacredita a política (com o eterno discurso da corrupção) e apresenta ao povo candidatos populistas anti-sistema, mas que são, no fundo, mais do mesmo, isto é, representam os interesses de manutenção do controle do Estado pelo grande capital. Daí se vê a importância de determinados candidatos apresentarem “pautas de costumes”, pautas conservadoras, discursos de ódio e outras técnicas de desvio de atenção, evitando o debate político sobre o que realmente importa como renda universal, moradia para todas as pessoas, saúde e educação públicas de qualidade, redução do custo de vida, redução da desigualdade social, fortalecimento do sistema previdenciário e das leis trabalhistas, tributação do grande capital etc.”.
“Inimigo interno”
“Muita gente acaba enganada pelo discurso anti-sistema que tem base em apelos emocionais fortes e respostas fáceis, que passam a falsa ilusão de solução rápida dos problemas sociais e das insatisfações típicas da vida neoliberal na sociedade do rendimento. Estes discursos neofascistas também direcionam as pessoas contra um suposto inimigo interno, adotando práticas criminosas que variam do racismo, xenofobia, aporofobia, discriminação ou simples ódio a quem se oponha a essas ideias, promovendo uma perversão da alteridade. Então, determinadas pessoas hipnotizadas pelo neofascismo e que se encontram em uma condição social mais confortável, sobretudo quando estão empregando outras, estimuladas por esse ódio, começam se achar no direito de impor cabresto eleitoral a quem está em situação de dependência econômica (relação assimétrica de poder), no caso, a classe trabalhadora. Empresas se transformam em currais eleitorais e seus proprietários em chefetes políticos”.
Situação distópica
“Ou seja, o neofascismo nos traz a uma situação distópica da lei da selva na qual passa a valer a lei do mais forte. E o sistema recrudesce em uma forma de capitalismo selvagem em que o lucro acima de tudo e a ganância acima de todos passa a ser a lógica de gestão da vida. A política que o neofascismo apresenta, portanto, não é política, mas violência explícita ou implícita ditada por uma pulsão de morte, uma necropolítica direcionada para eliminar os mais fracos”.
Chamado cívico pela preservação da democracia
“O Ministério Público (do Trabalho, Eleitoral, Federal, dos Estados) e a Justiça Eleitoral têm feito sua parte atuando nas denúncias. Mas é preciso avançar e se antecipar às denúncias porque uma vez ocorrido o fato, é difícil mensurar a efetividade da reversão da coação promovida. Assim, entendo que é necessário um chamado cívico nacional pela preservação da democracia, com uma grande campanha oficial massiva na mídia (rádio, televisão, imprensa escrita, principalmente redes sociais), conscientizando que práticas de assédio eleitoral (que pode ocorrer nas igrejas também, pela manipulação ou deturpação da fé das pessoas em favorecimento de determinado candidato) constituem violência política e crime, na forma da lei. Este chamado cívico passa por um grande compromisso feito por empresas e igrejas, confederações, federações e sindicatos empresariais e lideranças religiosas junto à Justiça Eleitoral e ao Ministério Público. Não pode ser um compromisso como ato de boa vontade, mas um ato concreto que, se vier a ser descumprido, implicará consequências”.
Punição exemplar
“Destaco que as penas econômicas devem ser altas porque se a quantia não for significativa pode se tornar interessante para o infrator promover o assédio e dele se beneficiar, pagando a multa como uma espécie de compra de voto legalizada (o pagamento da multa esgotaria a pena). E a ocorrência não pode ficar limitada ao ressarcimento civil, é necessário que para cada ato de assédio seja promovida a respectiva ação penal, pois, como dito, estamos tratando de práticas de violência política que colocam em risco a democracia e não podem ficar impunes. Em resumo, não é mais possível tolerar que empresas e igrejas se transformem em currais eleitorais e que seus gestores e líderes sejam os chefetes, mandatários de plantão para candidatos manipuladores. Há um grave ataque em andamento à democracia brasileira que tem de ser rapidamente debelado”.