Nobel de Economia vai para pesquisa sobre bancos e crises financeiras
O ex-presidente do Federal Reserve Ben S. Bernanke, Douglas W. Diamond da Universidade de Chicago e Philip H. Dybvig da Universidade de Washington em St. Louis receberam o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas nesta segunda-feira por seu trabalho sobre bancos e crises financeiras.
A Real Academia Sueca de Ciências de Estocolmo disse que a pesquisa publicada pelos três americanos em 1983 e 1984 forneceu uma nova compreensão do papel que os bancos desempenham para fazer a economia funcionar e fazê-la mergulhar em crise.
“Suas descobertas melhoraram a forma como a sociedade lida com crises financeiras”, disse o comitê, creditando aos acadêmicos por mostrar aos formuladores de políticas que é fundamental evitar que os bancos falhem.
O prêmio vem enquanto os líderes financeiros mundiais estão se preparando para a reunião anual desta semana do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial em Washington, com a economia global desacelerando em meio à alta inflação.
No artigo Bernanke: Nobel por ‘serviços prestados’- uma nota, o economista Aloisio Sérgio Barroso comenta a premiação. Para ele, o modo como Bernanke se espantou com a crise de 2008, e agiu para criar nova bolha de papéis podres, ampliando a dimensão neoliberal da economia, foram motivos suficientes para um prêmio consagrador do capitalismo.
Leia a íntegra do artigo, abaixo.
Grandes depressões
Bernanke, que liderou o Fed durante a crise financeira de 2008, foi reconhecido por sua análise pioneira de 1983 sobre a Grande Depressão. O comitê disse que sua pesquisa mostrou como as corridas aos bancos transformaram uma recessão comum na década de 1930 na pior crise econômica global da história.
Bernanke demonstrou que as falências bancárias – em vez de resultarem da recessão – foram responsáveis por torná-la tão profunda e tão longa. Quando os bancos entraram em colapso, informações valiosas sobre os mutuários desapareceram, tornando difícil para as novas instituições canalizar as economias para investimentos produtivos, disse o comitê.
Durante a crise de 2008, Bernanke conduziu o Fed a um uso expansivo dos poderes do banco central, reduzindo as taxas de juros para quase zero e acumulando ativos no valor recorde de US$ 4 trilhões em uma tentativa de estimular a atividade econômica.
Bernanke é lembrado também por defender uma atuação conjunta entre o estado e o Banco Central no combate ao desemprego e à inflação. Ele criticou o Congresso por se concentrar em aumento de impostos e juros, e redução de gastos públicos, num momento em que a economia precisa do oposto para a retomada. Segundo ele, os políticos querem que o Fed resolva tudo sozinho, na base da taxa de juros.
Papel do estado na crise bancária
Diamond e Dybvig foram homenageados pelo trabalho teórico pioneiro, também em 1983, que explicava o papel dos bancos em vincular poupadores e mutuários em um relacionamento mutuamente benéfico.
Os dois homens mostraram como os bancos resolvem um conflito inerente entre aqueles com excesso de fundos a qualquer momento e aqueles que precisam de mais dinheiro do que têm. Os poupadores querem acesso imediato ao seu dinheiro em caso de despesas inesperadas, enquanto os mutuários querem a garantia de que não serão forçados a pagar seus empréstimos prematuramente, disse o comitê.
Atuando como intermediários, os bancos agrupam as poupanças de vários indivíduos, permitindo-lhes satisfazer as demandas dos poupadores por acesso fácil aos seus depósitos, ao mesmo tempo em que oferecem empréstimos de longo prazo para empresas e outros.
Diamond e Dybvig também mostraram como a função essencial dos bancos os deixa vulneráveis a rumores de um possível colapso. Se os poupadores ficarem preocupados que um banco esteja prestes a falir, as retiradas podem se transformar em uma “corrida” desestabilizadora e auto-realizável no banco. Esse resultado terrível pode ser evitado, como nos Estados Unidos, fazendo com que o governo ofereça um seguro de depósito que proteja os poupadores contra tais perdas e fazendo com que o banco central opere como um emprestador de última instância.
Diamond também foi reconhecido por seu trabalho de 1984, mostrando que os bancos desempenham um papel vital ao reunir informações valiosas sobre os mutuários, avaliar sua credibilidade e garantir que os empréstimos sejam usados para empreendimentos sólidos.
O comitê de premiação acordou Diamond com a notícia de seu Nobel e o encaminhou para a cerimônia.
“Foi uma surpresa”, disse Diamond por telefone. “Eu estava dormindo muito profundamente.”
Os três economistas dividirão o prêmio em dinheiro de 10 milhões de coroas suecas, ou cerca de US$ 885.810.
A cerimônia de premiação foi transmitida ao vivo no site da instituição Nobel.
Antes do anúncio de segunda-feira, um total de 89 pessoas haviam recebido o prêmio, conhecido formalmente como Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel.
O prêmio do ano passado foi dividido entre David Card, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que recebeu metade do prêmio, e dois outros economistas, Joshua Angrist, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e Guido Imbens, da Universidade de Stanford, por seus trabalhos tirando conclusões observando a causa e o efeito das ações econômicas do mundo real.
Com informações do Washington Post
Bernanke: Nobel por ‘serviços prestados’ – uma nota
A. Sérgio Barroso
O economista e professor norte-americano Benjamin Shalom Bernanke (Ben Bernanke), de origem judia, foi laureado com o prêmio Nobel de economia 2022. Junto a Douglas Diamond e Philip Dybvig, o galardão foi concedido por estudos sobre “bancos e sua relação com as crises financeiras”.
Bernanke dirigiu o Federal Reserve (BC americano) pelo longo período que abrange 2006 a 2014. Esteve, assim, no comando do poderoso Fed no período da gigantesca tormenta que se inicia em agosto de 2007 e mergulha o mundo numa depressão em setembro de 2008. Sabidamente, questões fundamentais da grande crise estão irresolutas, e os impasse do capitalismo financeirizado se aprofundaram junto ao ocaso do neoliberalismo.
Logo a seguir à debacle financeira de 2008, o Congresso dos EUA aprovou um pacote de US$ 700 bilhões em apoio ao sistema financeiro. Começava aí a inundação trilionária assentada no que ficou denominado “Quantitative Easing” (QE, expansão quantitativa), cujos cálculos atingiram, nos EUA, cerca de 11 trilhões de dólares na compra estatal de ativos podres, e antes da (benévola) farra fiscal na deflagração da pandemia de Covid-19 1.
Em resumidas contas, Bernanke, em verdade, teve a competência de encabeçar o salvamento de parte substantiva da economia movida pela grande finança norte-americana e internacional, endividando-a às custas do Estado, e assim desmoralizando o paradigma central do capitalismo contemporâneo. Gestor institucional eficaz das instituições do neoliberalismo, fez uma operação keynesiana radical (de novo tipo) de deixar estupefato o professor John Maynard Keynes!
Crise, desfaçatez e “autocrítica”
Ora, o economista da Universidade de Princeton Ben Bernanke, então governador do Federal Reserve Board, discursara na “Eastern Economic Association” (20 de fevereiro de 2004), intitulando sua fala em “The Great Moderation” (A grande moderação), então teorizando que a política monetária havia-se tornado tão refinada que era capaz de eliminar a volatilidade na economia. Para ele, em função do avanço das técnicas monetárias, “as recessões tornaram-se menos frequentes e menos severas”. (Apud BARROSO, idem, p. 40).
Na prática, repetira as teses neoclássicas do economista Robert Lucas , da Universidade de Chicago (vencedor do Nobel em economia (1995), que também declarara no seu discurso presidencial à “American Economic Association” que a depressão econômica era fenômeno do passado, e que, “o problema central da depressão-prevenção” havia sido “resolvido, para todos os propósitos práticos” (BARROSO, idem, ibidem).
Outrora especialista no estudo das depressões, Bernanke agora é auto-crítico de não ter, antes, alcançado a profundidade da crise da economia global financeirizada. Curiosamente, coisa que a finada rainha Elizabeth II tinha dito, no sermão que fez a economistas britânicos, em 2009! Disse ela então: “Como ninguém viu que isso fosse acontecer?”2
Ensaia Bernanke – cutucando a tradição neoclássica -, na “Introdução” de “Apagando o incêndio. A crise financeira e suas lições” (Todavia, 2020):
“Os sistemas financeiros são inerentemente frágeis e o risco financeiro tende a desviar de obstáculos regulatórios, como um rio que corre em torno das rochas. Não há maneira segura de evitar um pânico, porque não há uma maneira segura de evitar excesso de confiança ou confusão”.
Bernanke, no mesmo passo, afirmou ali recentemente: “Felizmente, antes da crise [de 2008], o arsenal keynesiano dos Estados Unidos estava razoavelmente bem abastecido. (…) Hoje, o arsenal keynesiano parece muito mais restrito, o que poderia ser uma desvantagem significativa numa crise séria”.3
Como não poderia deixar de ser, a dívida pública norte-americana subiu de 64,61% do PIB (Produto Interno Bruto), em 2007, para 108,80% do PIB em 2019, ou seja, antes da pandemia. Também em 2019, a ultravalorização acionária em Wall Street foi a maior em uma década!4
Deificado pelos donos do dinheiro, a contrapartida a Ben Bernanke foi uma prestigiosa bonificação.
Parabéns, doutor Bernanke!
1 Ver: “Uma economia política da grande crise capitalista. Ascensão e ocaso do neoliberalismo (2007-2017), A.S. BARROSO, Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois/EDUFAL, 2021, p.278.
2 Ver: “Alavancagem, estabilidade financeira e deflação”, A. TURNER, em: “O que nós aprendemos? A política macroeconômica no pós-crise”, G. ARKLOF, J. STIGLITZ, D. ROMER, O. BLANCHARD, Alta Books, 2016, p. 133.
3 Ver aqui: https://www.resenhacritica.com.br/todas-as-categorias/bernanke-b-et-al-apagando-o-incendio-fspi/“Apagando o incêndio: A crise financeira e suas lições – BERNANKE et al”.
Publicado originalmente no Portal Grabois