No Brasil, 80% dos 4.500 profissionais de saúde mortos na pandemia eram mulheres
Entre março de 2020 e dezembro de 2021, morreram mais de 4.500 profissionais da saúde pública e privada no Brasil. 80% dentre os que morreram salvando vidas na pandemia eram mulheres, metade negras, a maioria enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem. Elas são a maioria da força de trabalho nos hospitais.
A secretária-geral do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo, Solange Caetano, relatou que as entidades dos trabalhadores já esperavam que os números fossem altos. “Desde o início da pandemia pedimos, através de ofícios ao Ministério da Saúde, que informasse o número de profissionais de saúde, dentre estes os de enfermagem, que perderam a vida durante a pandemia. Tínhamos o levantamento apresentado pelo Observatório da Enfermagem, mas sempre chamamos a atenção por serem dados informados espontaneamente por chefias ou gerências dos Serviços de Enfermagem”, explicou. O Observatório da Enfermagem do Conselho Federal (Cofen) contabilizou, dentro dos seus limites metodológicos, 872 óbitos.
O levantamento divulgado nesta quinta (13), pela Internacional de Serviços Públicos (PSI, Public Services International), cruza dados de fontes oficiais (Ministério da Saúde e pelo Ministério do Trabalho), feito pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data. A Internacional de Serviços Públicos é uma Federação Sindical Internacional que reúne mais de 700 sindicatos que representam 30 milhões de trabalhadores em 154 países.
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Dois terços desses que morreram de covid não tinham contrato formal de trabalho, portanto nenhum direito trabalhista, segundo informações sobre desligamentos por morte no Novo Caged. Trabalhadoras sem vínculo formal têm menos garantias e menos acesso a atendimento de saúde, o que arrisca suas próprias famílias.
Erros cometidos
Para Solange, este número apresentado pela ISP demonstra o descaso do governo com as mortes dos trabalhadores, que poderiam ter sido evitadas. Entre os motivos que ela atribui ao alto número de mortes, está o fato do governo federal não ter tratado a covid, desde o início, como um agente altamente perigoso e contaminante, sendo providenciados os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) de qualidade e em quantidades necessárias para atender aos profissionais de saúde. “Se o Ministério da saúde tivesse imposto aos empregadores a urgência de implantar protocolos, e a vacina tivesse sido comprada em quantidade para proteger a todos, e se tivesse havido testagem em massa, poderíamos ter evitado muitas dessas perdas de vidas”, afirmou a sindicalista.
A análise foi feita a partir do cruzamento de microdados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados e Registros de profissionais do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).
Os dados revelam que as mortes entre os profissionais brasileiros de saúde se avolumaram mais rapidamente do que o observado na população geral, especialmente nos meses em que faltaram equipamentos de proteção individual para esses trabalhadores. E o impacto da doença foi maior nas ocupações com menores salários e mais próximos dos pacientes. Médicos (5%), por exemplo, foram menos atingidos que enfermeiras (25%), que foram menos atingidas por auxiliares e técnicos (70%).
Pelas regras do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), cada enfermeiro atende até 18 pacientes e cada técnico/auxiliar de enfermagem, 9 doentes. Em Manaus, por exemplo, cada enfermeiro atendeu 40 pacientes com o auxílio de dois técnicos/auxiliares.
Ainda segundo a pesquisa, nos primeiros meses da pandemia, os profissionais da saúde morriam proporcionalmente mais que outras profissões em atividade no país.
O levantamento também mostra claramente que quando finalmente o Brasil avançou na vacinação prioritária dos profissionais de saúde, a mortalidade entre eles caiu mais rápido do que no resto da população, que demorou mais para ser vacinada. Mortes poderiam ter sido evitadas se houvesse zelo ou empenho governamental, segundo a análise da ISP.
Em março de 2021, com a pressão pela volta das atividades presenciais, apesar da baixa vacinação, as mortes de covid explodiram no país todo, com o maior pico da pandemia. Os profissionais da saúde sentiram esse impacto, embora por menos tempo devido ao avanço da vacinação prioritária.
A sindicalista também apontou a importância do levantamento, especialmente neste momento eleitoral, em que o atual presidente disputa a reeleição. “Este levantamento nos mostra as consequências de um governo genocida, preconceituoso, desinformado, que está preocupado somente consigo e não pensa no povo brasileiro. Serve para demonstrar à população o que acontece quando temos um governo reacionário”, criticou.
A pesquisa faz parte de uma campanha documental da ISP que denuncia a situação de quatro países nos momentos mais intensos da pandemia de covid-19. Além do Zimbábue, Paquistão e Tunísia, o Brasil foi escolhido pela abordagem negacionista do governo Bolsonaro. Veja o vídeo produzido pela campanha no Brasil:
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(por Cezar Xavier)