Manifesto pede responsabilização de Bolsonaro por violação de direitos de meninas
Parlamentares e entidades sociais pedem investigação por Jair Bolsonaro declarar que “pintou um clima” com adolescentes, violando o ECA.
Um grupo de parlamentares e entidades da sociedade civil lançaram nesta segunda-feira (24) um manifesto com pedido de investigação e responsabilização do presidente Jair Bolsonaro (PL) por ter declarado em entrevista que encontrou adolescentes venezuelanas numa comunidade carente do Distrito Federal e que foi à casa delas depois que “pintou um clima”.
A socióloga Rosângela da Silva, a Janja, casada com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), participou do evento, que ocorreu em auditório da PUC-SP. A socióloga vestia uma camiseta da campanha Faça Bonito, de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes. O ex-presidente usou um broche dessa campanha durante sua participação no debate presidencial na TV Bandeirantes no último dia 16.
A cerimônia foi conduzida pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), com participação do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Orlando Silva (PCdoB-SP). Também estavam presentes, entre outros, a professora Ana Estela Haddad, casada com Fernando Haddad, a candidata a vice-governadora de São Paulo Lucia França (PSB), a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), o senador Humberto Costa (PT-PE), o vereador Eduardo Suplicy (PT) e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Como representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, o deputado Orlando subscreveu o manifesto que, segundo ele, propõe medidas para “romper definitivamente com qualquer atitude pusilânime que agentes públicos e a sociedade em geral venham a ter com a violação de direitos da nossa infância”. Ele afirmou que este é um dos temas-chave para garantir direitos para populações vulneráveis, contra o racismo, o genocídio indígena e a violência contra a infância.
Com o título “Manifesto pela dignidade da infância e em repúdio a ações e omissões de autoridade pública diante de violações de direitos”, o documento é assinado pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e pela Coalizão Brasileira pelo fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, entre outros, estando aberto a adesões.
O texto faz diversas acusações contra o presidente, como ter desrespeitado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não ter cumprido seu dever legal ao tomar conhecimento de possível violação de direitos humanos de crianças e adolescentes, além de fomentar estigmas contra a população imigrante e promover uma “perversa banalização das violações de direitos em nosso país.”
O documento também pede a investigação e responsabilização do presidente.
Por Cezar Xavier
Leia a íntegra do documento
Manifesto pela Dignidade da Infância e em Repúdio a Ações e Omissões da Autoridade Pública diante de Violações de Direitos
Este Manifesto é por todas as meninas e meninos. Em respeito àquelas e àqueles que já foram e estão sendo vítimas da exploração sexual e para que nenhuma criança ou adolescente venha sofrer tal violência.
A sociedade civil organizada em defesa da infância, parlamentares, famílias, mães e pais de crianças e adolescentes, cidadãs e cidadãos brasileiros que reconhecem seu dever legal e ético para com a proteção integral das meninos e meninos, vêm a público denunciar os crimes cometidos pelo Sr. Jair Bolsonaro contra os direitos das crianças e adolescentes em nosso país e exigir que esses crimes não fiquem impunes, pois nenhuma autoridade política nacional está acima da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Convenção de Direitos da Criança das Nações Unidas, tratado que o Brasil é signatário.
As pessoas dignas do nosso país estão estarrecidas pela forma perversa e abusiva utilizada pelo Presidente da República ao referir-se a meninas que segundo ele, teriam 14 e 15 anos e “estariam se arrumando para programas”. A naturalidade com que o Presidente trata o fato que ele próprio relata, desrespeita toda a norma legal brasileira, para qual nenhuma criança ou adolescente “se prostitui ou faz programa”, sendo, nessas circunstâncias sempre considerada vítimas pela condição de exploração sexual.
Tão ou mais grave é o fato de um homem adulto e investido de poder colocar-se diante de meninas, de acordo com seu relato, apresentando tal cena com a expressão “pintou um clima”, que em tal contexto não está associada à proteção das crianças, mas sim a erotização a partir de seu olhar de adulto.
Necessário frisar que o Sr. Presidente não tomou qualquer medida cabível para proteção das meninas ou para responsabilização de agressores que possivelmente frequentassem esse lugar que ao “pedir pra entrar”, ele próprio julgou e divulgou como destinado à exploração sexual.
Ademais, desmentido que as meninas estivessem em condição de exploração sexual, fica claro que foi o Sr. Jair Bolsonaro quem tratou as meninas de forma sexualizada. Neste caso, independentemente do que aconteceu no local e data da tal visita de moto, o que deve ser rigorosamente investigado, ele expôs à condição vexatória e degradante meninas com 14 ou 15 anos. Por este tratamento, já fere o Estatuto da Criança e Adolescente e outras normas legais brasileiras.
Ou seja, o Presidente da República, ao tomar conhecimento de possível violação de direitos humanos de crianças e adolescentes, não cumpriu seu dever moral e legal de denunciar e encaminhar o caso para investigação no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Mas o atual Presidente fez o contrário: “supôs” que as meninas estavam em situação de abuso e exploração sexual, violou o ECA e a Lei da Escuta Protegida, expôs as mesmas a condição vexatória, fomentou estigmas contra a população imigrante e promoveu uma perversa banalização das violações de direitos em nosso país.
Com o único objetivo de se autopromover eleitoralmente, Jair Bolsonaro usou do cargo que ocupa para cometer crimes contra a infância, previstos nos Arts. 4º e 5º do ECA (Lei 8.069/1990), no Art. 20º da Lei º 9.459/1997 e no Art. 13º da Lei da Escuta Protegida (Lei nº 13.431/2017), e no Art. 319 do Código Penal, pois prevaricou; e são essas ações e omissões que não podem ficar impunes. Tal legislação obriga a todos a denunciar nos canais institucionais as possíveis violações de direitos de crianças e adolescentes, bem como protegê-las em suas especificidades, como são as crianças imigrantes.
Por este motivo, nós parlamentares, sociedade civil, famílias, mães e pais de crianças e adolescentes, há décadas assumimos o compromisso pela salvaguarda de direitos das meninas e dos meninos de todas as formas de violência, em especial o combate ao abuso e à exploração sexual. Não nos calaremos diante dos crimes cometidos pelo atual Presidente da República contra a infância.
Recordamos também que o atual governo federal cortou recursos no orçamento público para a prevenção e o enfrentamento do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes, bem como impediu a participação e o controle social, impedindo o funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e o cumprimento de suas atribuições. A violência sexual pode ser prevenida e isso começa no orçamento público e na participação e controle social!
Ao descumprir o Art. 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o governo federal desconsiderou a absoluta prioridade com que o tema deve ser tratado nas políticas públicas, além de enfraquecer o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e o Disque 100, o principal canal de denúncias de violação de direitos humanos em nosso país.
É preciso dar um basta em tantas violações de direitos das crianças e adolescentes. Por ação ou omissão, nenhuma das nossas filhas e filhos, nenhuma criança ou adolescente, podem ser vítimas de qualquer tipo de violência! Juntos e juntas, construímos uma das mais completas legislações, promovemos políticas públicas e um sistema de garantias de defesa e proteção aos direitos. Construímos a campanha FAÇA BONITO!, contra o abuso e à exploração sexual, e a Lei da Escuta Protegida, que garante que meninos e meninas não sejam revitimizados pelas autoridades públicas.
Neste momento, nos unimos à indignação das famílias atingidas pelo descaso com que o atual Presidente trata o tema e repudiamos as estratégias de coação às vítimas. Jamais aceitaremos o uso inescrupuloso do sofrimento de crianças e adolescentes com a finalidade de manutenção no poder.
É inaceitável a postura do Presidente da República e seus apoiadores(as) próximos(as) que violam a Doutrina de Proteção Integral e promovem uma verdadeira banalização da violência contra crianças e adolescentes, inclusive procurando-as para pressioná-las. Por isso, exigimos a imediata investigação e responsabilização.
Ninguém, nenhuma pessoa ou instituição pode ser indiferente diante desta conduta pedofilizada e criminosa. Cabe ao Ministério Público e a Justiça agirem nessa situação emblemática para que ela não represente o incentivo aos que abusam e exploram a infância, sobretudo meninas que vivem ainda maior vulnerabilidade por sua condição de risco social, econômico ou discriminações por serem imigrantes, negras, indígenas ou de grupos étnicos vulneráveis. Não é aceitável qualquer omissão diante de condutas criminosas! Estamos em unidade na defesa de nossas crianças e adolescentes para cumprir o que elas mesmas já nos pediram: “Faça Bonito”!
Esquecer é Permitir,
Lembrar é combater!
São Paulo, 24 de outubro de 2022
Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
Deputada Federal Maria do Rosário – Coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no Congresso Nacional
Coalizão Brasileira pelo fim da Violência contra Crianças e Adolescentes
Senador Humberto Costa – Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal
Deputado Federal Orlando Silva – Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Documento aberto para assinaturas e apoiamentos, por meio deste link