Não deu para Jair Bolsonaro (PL). Se o presidente dependia de um bom desempenho no debate da TV Globo para manter vivas suas chances de reeleição, coube a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em noite inspirada, frustrar os planos bolsonaristas. O último encontro entre os candidatos ao Planalto, realizado nesta sexta-feira (28), nos Estúdios Globo, no Rio de Janeiro, terminou com clara vantagem para o ex-presidente.

Conforme pesquisa qualitativa do AtlasIntel, Lula superou Bolsonaro em cada um dos quatro blocos de confrontos diretos. Para avaliar o desempenho dos presidenciáveis, o instituto monitorou as impressões de cem eleitores indecisos durante o debate. Na média final, 51,5% afirmaram que Lula venceu o duelo, contra 33,7% que indicaram Bolsonaro como o vencedor. Outros 14,9% não sabiam opinar.

Outro levantamento, a cargo da Quaest Consultoria, comparou as menções aos dois candidatos nas redes sociais ao longo do debate. Com Lula, houve equilíbrio: 51% das citações foram positivas, e 49%, negativas. No caso de Bolsonaro, as menções negativas (64%) suplantaram as positivas (36%). Nem mesmo o poderio bolsonarista nas redes foi capaz de encobrir a noite infeliz do presidente na Globo.

Salário mínimo

A superioridade do petista ficou evidente já na primeira rodada de perguntas, quando Bolsonaro pôs em discussão uma das pautas que mais o prejudicaram neste segundo turno: o futuro do salário mínimo. “Ao longo dos últimos dias, Luiz Inácio, o seu partido foi com toda vontade, na televisão e nas inserções de rádio, dizer que eu não ia reajustar o mínimo, que eu não ia reajustar as aposentadorias – e também que eu ia acabar o 13º, com as férias e com as horas extras. Tu confirmas isso?”, questionou Bolsonaro, recorrendo a uma colinha em sua mão esquerda.

Era a deixa para o presidente tentar negar essas ameaças – as quais, por sinal, foram gestadas no seio de seu governo. Estudo interno do Ministério da Economia estimou os impactos do congelamento do piso salarial dos trabalhadores – o documento falava em desatrelar a correção do salário mínimo da inflação anual. Para sorte dos brasileiros, a maldade do ministro Paulo Guedes foi revelada pela Folha de S.Paulo. Dias depois, o Estadão divulgou novos documentos do ministério que tratavam iguualmente de ataques a direitos trabalhistas.

Lula não apenas explicou esse dado constrangedor para Bolsonaro como também deu início à sua principal tática no debate: comparar o legado de seus dois governos (2003-2010) com a herança da gestão Bolsonaro (2019-2022). “Não sei o que nosso adversário está vendo porque a verdade nua e crua é que o salário mínimo dele hoje é menor do que quando ele entrou. A verdade é que durante o meu governo eu aumentei o salário mínimo em 74%”, disse Lula

“Ele (Bolsonaro) não aumentou o salário mínimo. Ele apenas concedeu a inflação e, em alguns anos, menos que a inflação”, lembrou o ex-presidente. “Agora é muito fácil chegar perto das eleições e prometer. Eu quero que o candidato diga claramente: por que, durante quatro anos, o senhor não aumentou o salário mínimo?”

“Conversar com o povo”

Esta foi a tônica do debate na Globo. Mesmo quando a prerrogativa da pergunta estava com Bolsonaro, Lula respondia com firmeza e procurava emendar um questionamento para seu oponente. Quando o presidente insistia em voltar à pergunta original e cobrava resposta, Lula contornava a situação com habilidade: “Eu não vim aqui para responder para o candidato. Eu vim aqui para conversar com o povo brasileiro”.

No primeiro bloco, houve até um inusitado esclarecimento do apresentador William Bonner, depois que Bolsonaro insinuou uma tabelinha entre o ex-presidente e o jornalista: “Eu de fato disse, na entrevista do Jornal Nacional, que o candidato Lula não deve nada à Justiça. Mas, como jornalista, eu não digo coisas da minha cabeça”, declarou Bonner. “Eu disse isso baseado em decisões fundamentadas do Supremo Tribunal Federal.”

Lula, particularmente afiado nos dois blocos iniciais, emendava mais indagações a Bolsonaro a cada réplica. Foi assim que ele lembrou retrocessos do governo, em especial os cortes expostos na peça orçamentária de 2023, encaminhada pelo governo ao Congresso no último mês de agosto.

“Esse homem governou por quatro anos e não deu um aumento para merenda escolar, que hoje é de apenas 36 centavos”, disse o ex-presidente, num bloco. “Por que você cortou praticamente toda verba dos programas que protegem as mulheres da violência?”, emendou Lula, dois blocos depois.

Gafe

Ao longo do debate, Bolsonaro abusou do vício de falar especificamente para sua bolha. A exemplo do que havia feito no debate da Band, em 16 de agosto, ele voltou a criminalizar moradores de favelas: “Lula, você esteve no Complexo do Alemão esses dias, não foi para ver o povo trabalhador, o povo ordeiro, 99% ou mais da população cidadãos de bem. Você esteve lá se encontrando com o chefe do narcotráfico, os chefões”, cutucou o presidente.

Detalhe: apesar de ter turbinado o Auxílio Brasil de modo temporário e oportunista, Bolsonaro continua esnobado pelo eleitor de baixa renda. Pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira (27) mostra que, entre aqueles que ganham até dois salários mínimos, a vantagem de Lula para Bolsonaro disparou em oito dias – de 57% a 37% para 61% a 33%. Nem esse revés pareceu o suficiente para poupar o presidente de uma nova gafe.

Lula, para todos efeitos, não passou recibo:  “Eu fui ao Complexo do Alemão visitar gente extraordinária, porque eu sou o único presidente da República que tem coragem e moral de entrar numa favela antes e depois, ser tratado como ser humano e tratar todo mundo com respeito. Todo mundo ali (é) gente trabalhadora extraordinária, gente que quer chance de estudar, gente que não quer ser vitimado pela polícia feroz”.

Fake news

O ex-presidente, do alto de seu melhor momento em quatro debates eleitorais neste ano, continuou a ditar o ritmo do confronto, dominando a cena. Lula nem sequer permanecia no centro do palco enquanto Bolsonaro estava com a fala. Era um Lula diferente daquele que vimos no debate da Band.

Da parte de seu rival, não faltaram fake news. Sem provas, Bolsonaro acusou novamente Lula de apoiar o aborto, a legalização das drogas e a desmilitarização da polícia. Citando números fora de contexto, insinuou que seu governo foi mais bem-sucedido na questão ambiental do que a Era Lula. Não colou.

De resto, o ex-presidente manteve a calma e não deu corda à baixaria bolsonarista. Nos momentos em que o presidente trazia o tema da corrupção para o debate, Lula rebatia citando as inúmeras denúncias de rachadinhas e de compras de 51 imóveis em dinheiro vivo pela família do presidente. “O sistema está todo contra mim”, choramingou Bolsonaro. “Se você quiser um tempo, eu te dou um tempo. Descansa e conversa com a sua assessoria para a gente ver se faz um debate aqui pensando no futuro deste país”, respondia o petista.

É como se Lula, líder na pesquisa de intenções de votos, tratasse Bolsonaro como um personagem do poema de Affonso Romano de Sant’Anna: “Mentem partidariamente, / mentem incrivelmente, / mentem tropicalmente, / mentem hereditariamente, / mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente / constroem um país de mentiras diariamente”.

27,1 pontos de audiência

A dois dias da eleição, Lula se posicionou como o líder desse projeto de reconstrução nacional, legitimado para enfrentar e reverter os quatro anos de destruição sob Bolsonaro. O desempenho do ex-presidente no debate reforça seu favoritismo na reta final da disputa.

“A gente pode reconstruir este país, depende única e exclusivamente de você ir votar no domingo”, disse Lula, nas considerações finais. “Eu espero que tenha merecido a sua consideração e peço para você votar no 13. Vote no 13 para a gente poder voltar a consertar esse país, fazer o país crescer, gerar emprego, distribuir renda e o povo voltar a comer bem.”

Considerado o último grande evento desta campanha eleitoral, o debate na Globo alcançou 27,1 pontos de audiência média na Grande São Paulo, com pico de 29,6. O ibope, medido em tempo real pela Kantar, foi superior até ao da novela Travessia, que marcou 21 pontos, em média.