Foto: Fabio Rodrigues Pozzebon/Agência Brasil

O retrato do próximo parlamento, que assume em 2023, mostra que o Congresso mantém seu caráter conservador, com maior prevalência da direita e do centrão, mas com avanços da esquerda, de setores mais progressistas e da diversidade. Tais avanços resultam da resistência desses segmentos frente ao bolsonarismo num cenário em que ficou patente a importância da interlocução entre forças diferentes do campo democrático, para garantir conquistas também no parlamento. Ainda que o contexto futuro dependa de quem sairá vitorioso no pleito presidencial, a ampliação do diálogo deverá marcar também a próxima legislatura. 

Segundo dados atualizados, neste domingo (2), o PL, que abriga o atual presidente Jair Bolsonaro fez 99 deputados, 23 a mais do que tem hoje, figurando como primeira força da Casa. 

A Federação Brasil da Esperança, que reúne PT, PCdoB e PV, vem na segunda posição em número de cadeiras, com 80, 12 a mais do que tem atualmente. Na FE Brasil, o PT, que tem 56, fez 68. O PCdoB, que tinha oito, fez seis e o PV saiu de quatro para seis. 

Também no âmbito da esquerda, a federação PSol-Rede elegeu quatro deputados a mais, chegando a 14: o PSol fez 12, quatro a mais do que tem atualmente, e a Rede mantém dois. Por outro lado, o PSB sai de 24 para 14 e o PDT vai de 19 para 17.

Perfil conservador

“Uma bancada grande, conservadora, na Câmara não é exatamente uma novidade.  O fato de o PL ser a maior bancada tem precedentes. Quando  Fernando Collor se elegeu, o PRN saiu do nada para ser um dos maiores partidos e desapareceu antes do final do mandato. O PSL teve destino semelhante na eleição de 2018, surgindo como uma grande legenda e depois da desfiliação do Bolsonaro, seus membros foram migrando até acabar com uma fusão. Então, o PL surge como um grande partido, mas não se sabe, dependendo do resultado da eleição, se essa bancada vai durar até o final da legislatura”, avalia Rodrigo Stumpf Gonzales, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Na nova legislatura, Gonzalez aponta ainda que o o PT recuperou o peso que teve em eleições anteriores. “O partido havia perdido parte da bancada em 2018 e retoma o tamanho que teve no passado”. 

Para ele, no entanto, a principal característica desse novo quadro é a fragmentação. “Mesmo com o PL tendo uma bancada grande, essa bancada não chega a 1/5 do total e a maior parte dos partidos não chega a ter 40 ou 50 deputados”. 

Nesse contexto, no caso da eleição de Lula, que foi para o segundo turno com mais de seis milhões de votos de vantagem sobre Bolsonaro, Gonzalez diz que poderá haver mais dificuldades na Câmara do que no Senado. “Na  Câmara provavelmente vai ser eleito um presidente articulado com a bancada de oposição, talvez o atual seja reeleito. Pode ser que surja alguma cara nova, mas também articulada a essa bancada mais conservadora. Porém, ainda que conservadora, grande parte do bloco que poderíamos continuar chamando de ‘centrão’ — embora o mais correto fosse ‘direitão’ — é venal, ou seja vai trocar o apoio por obras, nomeações. Então, provavelmente um governo Lula terá de ter novamente uma grande coalizão”. 

O PL provavelmente ficará na oposição, mas, lembra, “há partidos como o PSD, por exemplo, que tradicionalmente negociam. Os antigos democratas (do DEM), hoje no União Brasil, também formam um partido que não tem uma ideologia muito definida e provavelmente aderiria”. 

No Senado, diz, “a dúvida é se haverá também um presidente abertamente de oposição. O PL se cacifa para propor a presidência por ser o maior, mas ali a divisão também é maior e eu acredito que algum tipo de partido mais moderado, o próprio MDB, talvez pleiteie retornar à presidência da Casa com uma posição mais aberta à negociação”. 

Diversidade

Outro ponto destacado pelo professor é a conquista de algum grau de diversidade frente ao conservadorismo vigente. “É positivo no que diz respeito ao ponto de onde partimos, mas insuficiente no que tange a representação do espectro da sociedade brasileira. Há muito tempo não havia uma eleição de representantes da população indígena como agora, ou seja, isso é realmente novo; houve crescimento da bancada identificada com a questão étnica, com a população negra e houve um avanço das mulheres”. 

Nesta eleição, lembrou, “houve uma distribuição mais equitativa dos valores para as campanhas e acho que isso permitiu maior sucesso no resultado das eleições. Mas ainda é bastante insuficiente se pensarmos na própria composição do Congresso. Porém, isso tem a ver também com a própria identidade da população brasileira, que continua tendo um voto bastante conservador. E esse voto acaba priorizando figuras representativas de igrejas, do setor da segurança pública, ou seja muitos capitães, coronéis, sargentos, delegados, e poucas pessoas ligadas a movimentos sociais ou a grupos étnicos específicos. Mas isso é um retrato da sociedade brasileira”.