Nord Stream no momento da explosão subaquática (foto tirada de helicóptero dinamarquês)

Após na véspera ter classificado as explosões no sistema Nord Stream 1 e 2 como “ato de terrorismo internacional”, o presidente russo Vladimir Putin, foi ainda mais explícito, na sexta-feira (30), ao afirmar que “as sanções não são suficientes para os anglo-saxões [o eixo Washington-Londres], eles mudaram para a sabotagem. Incrível, mas é verdade”.

“É óbvio para todos quem se beneficia com isso. Aqueles que se beneficiam, são os que fizeram isso”, sublinhou Putin. .

Ele acrescentou que “ao organizar explosões nos gasodutos internacionais do Nord Stream, que correm ao longo do fundo do mar Báltico, eles realmente começaram a destruir a infraestrutura de energia pan-europeia”.

As declarações são parte do discurso de Putin deacolhida do Donbass, Zaporozhia e Kherson de volta à histórica pátria russa, em que ele reafirmou a falência do mundo neocolonial sob Washington.

No discurso, o presidente russo também se referira aos dirigentes europeus que “entendem claramente que os EUA, empurrando a completa rejeição da UE aos fluxos de energia russos e outros recursos, está praticamente levando à desindustrialização da Europa”. Eles – acrescentou Putin – “entendem tudo, são elites europeias, mas preferem servir aos interesses dos outros”. “Mas, que Deus se apiede, isso é problema deles”.

A Rússia encaminhou ao Conselho de Segurança da ONU a discussão sobre esse ato de terrorismo internacional e exige uma investigação que aponte autores e mandantes. O chefe do serviço de inteligência internacional russa, Sergei Naryshkin, afirmou que a Rússia já detém evidências sobre os perpetradores.

O secretário de Estado Anthony Blinken, depois de haver, logo após o atentado, em resposta a um repórter, dito candidamente que se tratava de uma “oportunidade” para a Europa se livrar da “dependência do gás russo de uma vez por todas”, amuou-se com as afirmações do Kremlin. O Pentágono asseverou que “não estar absolutamente envolvido” em “incidentes em gasodutos”.

Fontes ouvidas pela revista alemã Der Spiegel afirmaram que os danos nos dutos são comparáveis aos causados por um explosivo com 500 quilos de TNT. Para essa conclusão, os especialistas analisaram dados medidos por diversas estações sísmicas pouco antes do início dos vazamentos. Autoridades suecas detectaram o quarto vazamento no Nord Stream.

DIGITAIS DE WASHINGTON

Imediatamente após as explosões, começaram a aparecer as digitais. “Obrigado, EUA”, registrou nas redes sociais o ex-ministro das Relações Exteriores polonês e atual eurodeputado, Radoslaw Sikorski, sobre uma foto do local onde ocorreram as explosões, em que esclareceu do que se tratava: “uma operação especial de manutenção”. Depois apagou.

Também o vídeo de Biden, em fevereiro, à ABC News, prometendo acabar com o Nord Stream 2: “seremos capazes de fazer isso”. Agora, a Casa Branca alega que era só o “descomissionamento” do gasoduto.

E, no mundo inteiro, de várias fontes, vão surgindo novos indícios que apontam para Washington e seus cúmplices, sob o lema de “cui bono”. É praticamente unânime a percepção que se tratou de um ato patrocinado por um ente estatal, pelos recursos especializados exigidos.

A conceituada articulista Diana Johnstone repercutiu observações feitas por Jens Berger no blog alemão, Nachdenkseiten, que mostram que as águas em que foram cometidos os atentados estão sob constante vigilância militar tanto da Dinamarca quanto da Suécia. O Mar Báltico é um corpo de água quase fechado, com acesso ao Atlântico através dos estreitos dinamarquês e sueco.

“Parece completamente impossível que um ator estatal possa realizar uma grande operação naval no meio dessa área densamente monitorada sem ser notado pelos inúmeros sensores ativos e passivos dos estados litorâneos; certamente não diretamente da ilha de Bornholm, onde dinamarqueses, suecos e alemães se encontram para monitorar as atividades de superfície e submarinas”, escreve Berger no excelente site alemão Nachdenkseiten.

Berger assinala que em junho passado a manobra anual da Otan Baltops ocorreu no Mar Báltico. “Sob o comando da 6ª Frota dos EUA, 47 navios de guerra participaram do exercício este ano, incluindo a força da frota dos EUA em torno do porta-helicópteros USS Kearsarge”.

De especial importância – salienta Berger – é “uma manobra particular conduzida pela Força-Tarefa 68 da 6ª Frota – uma unidade especial para descarte de munições explosivas e operações submarinas dos fuzileiros navais dos EUA, a mesma unidade que seria o primeiro endereço para um ato de sabotagem em um oleoduto submarino.”

Em junho deste ano esta mesma unidade estava envolvida em uma manobra ao largo da ilha de Bornholm, operando com veículos submarinos não tripulados.

Berger considera que uma grande operação de sabotagem “não poderia ter sido realizada diretamente sob o nariz de vários Estados litorâneos sem que ninguém percebesse”.

Mas ele acrescenta esta observação inteligente: “se você quiser esconder algo, é melhor fazê-lo em público”, assinala Johnstone.

“Para poder anexar dispositivos explosivos a um gasoduto sem ser notado, seria necessária uma distração plausível – uma razão para mergulhar perto de Bornholm sem ser imediatamente suspeito de cometer um ato de sabotagem. Nem precisa estar diretamente relacionado a tempo com os ataques. Dispositivos explosivos modernos podem, é claro, ser detonados remotamente”.

USS KEARSARGE NA FITA

Eureca: “quem vem realizando tais operações na área marítima nas últimas semanas? Por sorte, exatamente a mesma força-tarefa em torno do USS Kearsarge [porta-helicópteros] estava novamente na área marítima ao redor de Bornholm na semana passada”.

O articulista russo Alexander Timokhin registrou que a partir de 2 de setembro, helicópteros MH-60S da Marinha dos EUA iniciam voos intensivos sobre os dois oleodutos a leste de Bornholm. Está na web. “O que os americanos estavam fazendo lá?”, ele indaga. A questão está em aberto. Os norte-americanos também praticaram a entrega de drones subaquáticos não tripulados.

A presença de helicópteros militares voando regularmente ao redor da ilha de Bornholm em setembro – onde os gasodutos vazaram depois – está documentada ainda pelo Flightradar 24, um serviço de monitoramento de voos.

A conclusão de Johnstone/Berger é que “em suma, durante as manobras da OTAN [de julho], algum participante poderia ter colocado os explosivos, para serem explodidos em um momento escolhido posteriormente”.

CÚMPLICES

Outros analistas observam que tal operação não poderia ser levada a efeito sem a cumplicidade da Dinamarca e, possivelmente da Suécia. Vários apontam para o precedente, em abril de 2021, quando navios e helicópteros poloneses assediaram o navio Fortuna, que estava na época colocando dutos no fundo do mar para término do NS2.

A bem da verdade, nos bons tempos da constituição da Standard Oil nos EUA, no final do século XIX, era comum resolver as diferenças entre concorrentes com dinamite e outros meios de persuasão. Durante a guerra suja de Reagan ao governo sandinista, os norte-americanos também explodiram um oleoduto em um porto nicaragüense em 1983.

No dia 22, houve também uma tentativa de atingir o Turk Stream, o gasoduto que opera no Mar Negro. Na véspera, drones navais com identificação em inglês foram encontrados na Crimeia.

A falta de escrúpulos também não é propriamente coisa nova: os falsos incidentes do Golfo de Tonkin serviram de pretexto para os bombardeios ao Vietnã do Norte. W. Bush inventou ‘armas de destruição em massa’ de Saddam para saquear o Iraque e seu petróleo – e não faltou sequer a foto histórica de Colin Powell mentindo para a ONU com um tubinho cheio de pó branco. E Trump assassinou em atentado com míssil o principal líder militar iraniano, Qassem Soleimani, atraído a Bagdá em missão de paz. Voltando no tempo, o “incêndio do encouraçado Maine”, no porto de Havana, em 1898, deu início à guerra dos EUA contra a Espanha.

DESINDUSTRIALIZAÇÃO AMEAÇA EUROPA

Nas últimas semanas, vêm se repetindo em publicações alemãs os alertas sobre o risco de desindustrialização, com setores inteiros da indústria, intensivos em uso de energia, tornando-se economicamente inviáveis – simplesmente não é

lucrativo operar a esses preços de gás e eletricidade -, havendo empresas que, em busca de sobreviver, estudam mudar plantas para os EUA.

É que o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, se referiu ao comentar os atentados contra o Nord Stream. “Para a Alemanha, o ataque representa uma ameaça ao desenvolvimento futuro de sua indústria, bem como sua lucratividade e competitividade”.

Vai ser um inverno difícil, assim como o do próximo ano. A recessão se avizinha.

Ao mesmo tempo em que os EUA ganham um mercado enorme para seu gás liquefeito, com lucros extraordinários. As entregas de GNL dos EUA para a Europa aumentaram de 7 bilhões para 20,2 bilhões de metros cúbicos somente no primeiro semestre do ano. Em outras palavras, os Estados Unidos venderam quase tanto GNL para a Europa em seis meses quanto em todo o ano passado.

INTERESSES NORTE-AMERICANOS NO CENTRO VIA OTAN

Sob o ponto de vista de Washington, a Europa, economicamente, tem que ser como a Otan, “os americanos dentro, os russos, fora, os alemães por baixo”. Agora, atualizando, os europeus por baixo, e os chineses também de fora.

Por outras vias, o governo Obama, quando desencadeou o golpe de 2014 em Kiev, estava trabalhando com esse sentido ‘estratégico’, com os tratados Transpacífico (sem a China) e o Transatlântico. Na época, na undécima hora o bloco europeu pulou fora.

Não mais, se depender da máfia de Bruxelas. A questão é se as ruas da Europa vão engolir o remédio amargo que está sendo prescrito.

No entanto, a pujança do novo mundo multipolar, centrado na industrialização na Ásia, no avanço da China, no futuro compartilhado, vai seguir disputando a Europa com o projeto de Washington de um mundo centrado no cassino de derivativos de Wall Street, na opressão e racismo – processo que a soberanização da Rússia só faz reforçar.

Como acaba de admitir Angela Merkel, não exatamente agora, daqui a certo tempo, será preciso “envolver a Rússia na arquitetura de segurança europeia”.

MOBILIZAÇÕES PELA ATIVAÇÃO DO NS2

No curto prazo, ao explodir o sistema Nord Stream, uma palavra de ordem que começava a se popularizar, primeiro em manifestações em várias cidades alemães, e já na República Checa, repudiando as sanções contra a Rússia e exigindo o imediato início de operação do Nord Stream 2 (NS2), pronto mas vetado por Berlim, questão cada vez mais premente à medida da aproximação do inverno que se prevê rigoroso.

Há três semanas, o próprio Putin havia se prontificado a ativar o Nord Stream 2, como parte de uma negociação na Ucrânia, para minorar o sofrimento das famílias europeias e o aperto sofrido pelo setor produtivo europeu.

Como assinalou Johnstone, “o primeiro significado dramático” da sabotagem é inviabilizar a oferta. “O Nord Stream 2 teria sido a chave para algum tipo de acordo entre a Rússia e os europeus. A sabotagem anunciou virtualmente que a guerra só pode se intensificar sem fim à vista”. Para ela, os atentados – com digitais de Washington, como vimos – “invalidou, assim, a principal demanda de potenciais movimentos de paz na Alemanha e na Europa”.

Papiro