Argentina critica presença de tropas dos EUA no Paraguai: atropelo a convênios estabelecidos (defensa.com)

A infiltração de militares estadunidenses em um projeto do governo paraguaio sob a justificativa de “ampliar a navegação da hidrovia Paraná-Paraguai” foi denunciada esta semana pela Argentina como “um problema que compromete a segurança dos Estados ribeirinhos e converte a região em cenário de conflitos alheios”.

A situação torna-se ainda mais complexa pelo fato dos rios Paraguai e Paraná integrarem a Bacia do Prata, a quinta maior bacia de água doce do mundo em extensão. A hidrovia funciona como rota de saída para grande parte das exportações de ambos os países, composta principalmente de grãos e mineração.

Atualmente, por meio de um projeto privado, o governo do presidente paraguaio Mario Abdo Benítez pretende avalizar a participação do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados para fazer o que bem entender. A submissão, conforme a Comissão de Relações Exteriores do Congresso argentino, representa uma afronta por ferir convênios estabelecidos sobre a presença militar estrangeira, “ameaçar a segurança nacional e desequilibrar as relações de Defesa entre os países integrantes do Mercado Comum do Sul (Mercosul)”.

Seguidor do ditador Alfredo Stroessner (1954-1989), Mario Abdo minimiza a intervenção e diz que a assistência seria somente técnica e não militar. No período anterior, por 45 anos, Stroessner transformou todo o Paraguai em uma imensa base dos EUA ao integrá-lo à Operação Condor. A campanha de terrorismo de Estado, sob direção da CIA, envolveu o assassinato, a tortura e o desaparecimento de milhares de oposicionistas da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.

Fingindo desconhecer o sangrento deste resultado e da presença norte-americana em países como Panamá, Iraque ou Afeganistão, o governo paraguaio disse que os militares se concentrarão unicamente “na assessoria técnica, acompanhamento e serviço de consultoria para levar adiante esse projeto”.

A chancelaria do governo de Eduardo Fernández solicitou explicações ao Paraguai, uma vez que o projeto também diz respeito ao rio Paraná, em território argentino. “O Paraguai não cumpriu sua obrigação de informar aos demais países as intervenções que têm planejado realizar”, explicou.

Em meados de setembro, logo após a Assembleia Legislativa do Chaco ter manifestado sua preocupação com a infiltração estadunidense, no plenário do Parlamento do Norte Grande, um bloco integrado por parlamentares de 10 estados do nordeste e noroeste argentino – Tucumán, Salta, Santiago del Estero, Jujuy, Catamarca, La Rioja, Misiones, Chaco, Corrientes e Formos – também se pronunciou.

A declaração dos legisladores se contrapõe à da reunião da Câmara de Comércio Paraguaio-Americana – da qual participaram o embaixador dos Estados Unidos naquele país, Marc Ostfield, e o chanceler paraguaio, Julio César Arriola – para estimular a presença norte-americana.

Na contramão, a Câmara de Comércio do Paraguai abdicou da soberania em prol do “empreendimento”, alegando no Twitter que a vassalagem geraria impactos positivos em matéria econômica, social e ambiental.

Já em 2016, o então presidente Horacio Cartes (2013-2018) havia impulsionado um “acordo” com os EUA, igualmente contemplando a participação do Corpo de Engenheiros do Exército estadunidense. Naquele momento, o então embaixador argentino no Paraguai, Eduardo Zuain, conseguiu barrar o dito “convênio”, que pretendia ser aplicado no território argentino sem a devida consulta e aprovação do país. O ultraje foi considerado pelo diplomata como uma violação à própria Constituição.

O deputado provincial do Chaco, Hugo Sager, promotor do projeto de declaração, assegurou que “a hidrovia Paraná-Paraguai e a Tríplice Fronteira têm importância estratégica para a região”, frisando que o Plano Produtivo Argentina 2030 “ambiciona dobrar as exportações, dos atuais 87 bilhões para 174 bilhões de toneladas”. “Não podemos ficar indiferentes à possível militarização e mudanças nas regras do jogo pelo Paraguai, um dos parceiros da hidrovia”, apontou Sager, recordando que uma ação soberana no manejo do preço das commodities e energia ou o fornecimento de semicondutores, “também desencadeia invasões e guerras”.

Os bilhões de dólares e a relevância geopolítica envolvidos – a proximidade com o Brasil e com a hidrelétrica binacional de Itaipu – apontam que a instalação de uma base militar na Tríplice Fronteira funcione como atrativo de Washington.

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(BL)